Trabalhamos horas a mais para aquilo que produzimos e mais vezes do que deveria acontecer, sentimos a tensão de domingo à noite dominar-nos o espírito, numa espécie de inconsciente recusa pela chegada da (terrível) segunda-feira. Ou, pior, pelo final das férias e o regresso à rotina.
Invariavelmente, ignoramos e continuamos.
Os tempos (ainda) não são de fartura, empregos há poucos e trabalho não falta. Mesmo para quem não teme a mudança, ou o que a incerteza significa, abandonar um emprego sem outro na mira pode significar uma longa travessia do deserto. Isso, ninguém quer.
Se pensarmos na relação horas de trabalho e produtividade, Portugal não será exemplo de um país em que as pessoas estão satisfeitas com as suas condições de trabalho. Na verdade, a estatística sofre quase sempre desse problema que é o da generalização… Não é linear que todas as pessoas estejam insatisfeitas com as suas condições de trabalho mas é quase verdade que poucas poderão afirmar estar muito satisfeitas ou atingir a plenitude através do trabalho.
Para além de passarmos demasiadas horas sentados, em posições anti-naturais para o corpo humano (por vezes em condições ergonómicas muito duvidosas), de termos perdido a natureza que nos caracterizava — caminhávamos e mexíamo-nos o dia todo — para nos tornarmos sedentários que passam da cama para o sofá da sala, do sofá da sala para o automóvel e daí para a secretária, também perdemos a liberdade de poder dizer "não", porque nos tornamos dependentes do trabalho para pagar as contas do que a sociedade definiu como sendo essencial… A casa, o carro, o LCD, as roupas de marca ou o colégio privado para os filhos…
Naturalmente, não defendo um regresso ao tempo das cavernas. Mas chegámos a um ponto de não retorno que se define por um novo tipo de escravidão consentida, tolerável à custa de ansiolíticos, anti-depressivos ou férias muito caras num qualquer resort paradisíaco, para daí regressar à rotina que abominamos, mas que nos permite pagar uma semana de férias, essas que nos abstraem das algemas invisíveis que nos colocaram. Pior ainda quando o esforço não paga o resort e se limita à praia mais próxima.
Valerá a pena tanto esforço por uma semana de aparente liberdade? Não creio. Defendo a realização pessoal, independente do trabalho, mas também defendo que parte dessa realização depende do que produzimos e da remuneração que recebemos. É tempo de pensarmos menos em função de uma profissão, do estatuto que a mesma pode representar, e pensar mais no tempo que dedicamos a fazer alguma coisa que nos satisfaz, que contribui para a sociedade e que nos paga as contas. Vivamos mais, produzindo melhor e trabalhando menos.
Bom regresso para quem está a terminar as suas férias. Com ou sem resort…
Mais sobre a semana das 5 horas aqui.
Paula Cordeiro é Professora Universitária de rádio e meios digitais, e autora do Urbanista, um magazine digital dedicado a dois temas: preconceito social e amor-próprio. É também o primeiro embaixador em língua Portuguesa do Body Image Movement, um movimento de valorização da mulher e da relação com o seu corpo.
Comentários