André Ventura encerrou o congresso em que foi reeleito líder do Chega com uma versão piorada de uma frase bem conhecida pelos taxistas dos anos 2000 e por qualquer pessoa que tenha tido a disciplina de História nos últimos 50 anos. Versão piorada porquê? Porque ao “Deus, pátria, família” de António de Oliveira Salazar acrescentou “trabalho”. Se era para galvanizar os saudosistas do fascismo, mais valia ter mantido o lema original. É que a palavra “trabalho” pode muito bem afastar os financiadores do seu partido que nutrem simpatias pelo Estado Novo, regime que permitia precisamente que determinadas famílias não trabalhassem ao mesmo tempo em que o país morria de fome. A torneira pode fechar se os ricos que financiam o Chega suspeitarem que, num país governado por Ventura, vão ser obrigados a vergar a mola.
Enganem-se os que julgam que o facto de Ventura ter ido ao caixote do lixo da agência publicitária do Estado Novo vai fazer com que as pessoas que se recusam a classificá-lo de “fascista” mudem de ideias. Não, não. Poderão consentir que o homem é um apologista do Estado Novo, mas dirão que nem o regime de Salazar era fascista e que o fascismo foi uma coisa que só aconteceu no lado dos números ímpar de uma avenida de Milão durante trinta e quatro minutos e que não se aplica ao caso português. Não estou habilitado para entrar nesse debate histórico, mas se normalmente se interpreta a alegação de que o Estado Novo não era fascista como uma ressalva (“não foi tão mau como o verdadeiro fascismo”), Ventura pode muito bem lê-la como uma crítica (“não foi tão bom como o verdadeiro fascismo”). E talvez seja por isso que agora esteja tão interessado em aperfeiçoar os slogans fascistas.
Na minha opinião, Ventura falha redondamente. Com a oportunidade de requalificar o fascismo português nas mãos, opta pelo “trabalho” como novo valor central da ideologia. Eu discordo da escolha e tendo a sugerir “traques” como elemento novidade. “Deus, pátria, família e traques”. Tendo em conta a natureza incomodativa, pestilenta, ruidosa requentada e fugaz do projecto político de Ventura, acho que seria um mote mais rigoroso. E não deixa de animar as hostes, pois o que é um peido senão um vento de mudança? Sobretudo para os ricos e privilegiados que o sustentam, já que essa configuração estética abriria caminho para o fim da progressividade dos impostos através de uma taxa única - ou seja, a flato tax.
Admitamos, a bufa é basilar na vida do português ultra-conservador: uma pessoa olha para, por exemplo, Diogo Pacheco de Amorim e calcula que a sua maior produção ideológica provenha do intestino. De futuro, é recomendável deixar o Parlamento sempre de janelas abertas, já que é certo que o grupo parlamentar que o Chega elegerá terá semelhante flatu-eloquência. “Trabalho” é mal escolhido, porque o de Ventura na Assembleia é várias vezes inexistente por falta de comparência. Por outro lado, o homem é sempre notícia de cada vez que dá um traque.
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