Na verdade, o lisboeta - falo por mim - já se sente um pouco excluído da sua cidade quando, por exemplo, se confronta, no trânsito, com o caos em que a baixa se tornou, com a ditadura do estacionamento pago, com os preços da restauração (que ameaça, na soberba de quem nunca ouviu a história da galinha dos ovos de ouro, que nem a descida do IVA a fará praticar preços mais razoáveis…).

Também se sente, no mínimo, atordoado, quando superfícies comerciais como o El Corte Inglês, decidem comunicar promoções e novidades, nos seus espaços, em português, inglês… e chinês! Por fim, com o preço do metro quadrado de venda e arrendamento na zona central da cidade. Viver em Lisboa tornou-se um luxo, em todas as frentes.

Restavam alguns segredos que só mesmo os lisboetas conheciam - algumas tascas, lojas de bairro, um café onde o pastel de bacalhau é perfeito, uma esplanada ainda tranquila… -, o património edificado e aparentemente intocável, fosse o Ateneu Comercial ou o Avenida Palace; e o mais clássico do comércio da Baixa (a mais recente condenada à morte foi, esta semana, a drogaria S. Pereira Leão, mais um hotel a caminho). Mas também por aí vai o buldozzer da modernidade arrasando tudo, sem que lhe ponham travão de qualquer espécie - e assim vivemos, em simultâneo, a explosão do turismo e a implosão da vida que lhe deu sentido. Só não vê quem não quer ver.

Posso admitir que seja difícil conciliar o negocio puro e duro com o interesse cultural e histórico - mas é fácil aceitar que esse mesmo negócio só tem interesse enquanto se sinta a autenticidade que o sustenta. De nada serve exibir a fotografia de um pastel de nata que não se pode provar - como de nada serve ter um edifício histórico (por exemplo, a sede do Diário de Notícias, em breve…) de que só resta a fachada, e que esconde um moderno hotel ou centro comercial.

O que estamos a assistir, com passividade quase criminosa, é à morte, primeiro lenta, agora acelerada, de uma cidade que se distinguia justamente por não ter caído na teia luminosa da fachada sem interior, da aparência sem consistência, e da existência sem coração.

Gostava sinceramente que a "Lisboa Menina e Moça" que Carlos do Carmo tão bem canta (e Ary dos Santos maravilhosamente escreveu) não fosse, amanhã, uma memória sem tom nem som da cidade onde nasci e vivo.

Estamos a tempo de parar para pensar, de legislar para controlar, e de decidir que raio de cidade queremos para os nossos filhos. Mas o tempo escasseia - e ainda há por aí muito para destruir, mutilar, escavacar. E vontade não falta a quem nunca ouviu a tal história da galinha cujos ovos eram de ouro… até ao dia em que deram cabo dela.

ESTA SEMANA ANDEI POR AQUI E FIQUEI A PENSAR…

Apesar de existir desde a década de 30 do século passado, só agora descobri a Nieman Foundation for Journalism, que nos dias que correm se ocupa a tentar perceber que caminhos leva esta profissão. Vale a pena conhecer o site, vale a pena conhecer teorias e ideias para o futuro do jornalismo na era digital

Circula pelo mundo uma fabulosa revista que nos faz regressar à simplicidade da vida, do design, das ideias. Chama-se Kinfolk, nasceu em Copenhaga, sai quatro vezes por ano. É mais cara do que um livro mas muitas vezes dá-nos mais do que um livro. Vende-se em Portugal, em meia-dúzia de lojas, e custa 22 euros. Mas vale a experiência, nem que seja uma vez. Aqui se conta a sua história e filosofia - "é difícil definir uma revista de lifestyle, mas é como a pornografia: quando se encontra, percebe-se logo o que é…" -, e o link segue directo para a revista.

Na semana em que o Twitter assinala o seu décimo aniversário, uma análise critica de uma jornalista que, apesar de o ver como uma perda de tempo, acha que daqui a dez anos continuará por aí a dar cartas…