Há várias lições a tirar da crise resultante da pandemia Covid-19. A primeira lição é que não havia uma desejável articulação dos regimes jurídicos de ensino presencial e de ensino à distância na elaboração dos planos de estudos superiores, em tempos de exceção, por forma a preservar as legítimas expectativas dos estudantes. A segunda lição é a constatação de que, na generalidade, os professores não estavam preparados para uma mudança tão radical nos processos de ensino-aprendizagem. A terceira lição é que não foi possível manter a qualidade geral do processo de ensino-aprendizagem quando as aulas presenciais deram lugar às aulas online. A quarta lição é que esta crise acaba por mostrar o quanto as universidades portuguesas estão atrás de outras congéneres internacionais no que respeita ao ensino online. A quinta lição é que é difícil replicar o ensino prático-laboratorial numa plataforma online, a não ser que se façam investimentos avultados em laboratórios remotos com instrumentação robótica. A sexta lição é que a economia que orbita em torno de cada universidade, em particular aquelas afastadas do eixo litoral do país, como é o caso da UBI, na qual exerço funções docentes, também se ressente com a ausência de alunos e professores.
Mas a pandemia poderá ser uma oportunidade para as instituições de ensino superior (IES) voltarem a liderar numa sociedade que anseia pela mudança a vários níveis: na organização política e das agendas políticas; na organização das cidades, das instituições e das suas gentes; na organização e no funcionamento das empresas para se manterem competitivas em contexto de transformação digital a nível global; e na proteção do planeta e da biosfera face às alterações climáticas. Será a Universidade capaz de mudar e fazer mudar, acautelando e reforçando a sua importância nas sociedades? Ou ficará à espera de que o mundo aconteça lá fora?
Os desafios colocados pela necessidade de manter as aulas presenciais nas IES gerou naturalmente mais debate numas instituições do que noutras, tendo daí resultado melhores soluções (e melhores planeamentos) para mitigar a pandemia, em particular para receber os novos alunos com confiança e responsabilidade neste início do ano letivo 2020-21. Os novos alunos encontraram um ambiente académico diferente do habitual, pois só assim se poderá enfrentar a pandemia que nos assola desde março deste ano, num enquadramento de crise global que perpassa sociedades e países.
Se é verdade que não conseguimos adivinhar o futuro provocado pelas ondas de choque desta pandemia ao nível da globalização, e em particular na globalização da Universidade, pelo menos sabemos o seguinte: primeiro, a globalização da Universidade e dos seus programas de mobilidade internacional tomará um novo rumo, mas não cessará; segundo, a Universidade terá de mudar a arquitetura e a organização física dos espaços, a organização do trabalho, os programas de estudos, a introdução do e-learning como instrumento complementar na formação científica e profissional dos estudantes, e, provavelmente, a própria cultura interna subjacente à relação centenária entre professores e estudantes.
Ainda que o futuro seja imprevisível, a Universidade irá liderá-lo, se for audaz o suficiente para o desenhar e construir.
Abel Gomes é Professor associado e candidato a reitor da Universidade da Beira Interior (UBI)
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