Não estamos ainda em Janeiro, mas é inevitável que por esta altura nos lembremos de Jano, o deus romano das mudanças e transições, cuja dupla face simboliza o passado e o futuro. Viveremos primeiro o momento do Natal, tempo por excelência de alegria, de família e de reencontros, mas também de um olhar, que se impõe, sobre as famílias que passam momentos mais desafiantes. Depois virão os inevitáveis propósitos de Ano Novo e, em muitas vidas – sejam elas familiares ou empresariais –, uma análise, também, ao ano que finda.

O sector da oncologia pediátrica não foge a este paradigma. Enquanto parte especialmente interessada no tema, a Acreditar fará o mesmo: olharemos para passado como tempo de aprendizagem ou de celebração de conquistas; e olharemos para o futuro como horizonte temporal para definição de estratégias.

A Acreditar nasceu há 28 anos, como associação de pais – e para pais. Anos mais tarde, juntaram-se os sobreviventes, o que era um sinal favorável dos tempos: em média, de cada dez crianças ou jovens que são diagnosticados com cancro, oito sobreviverão. O tempo, a experiência, uma gestão mais profissional - mas não menos dedicada - reforçaram a nossa singularidade. No campo da oncologia pediátrica a Acreditar representa-se pela voz de uma experiência própria: são os pais que falam, são os sobreviventes que falam.

Ao longo de todos estes anos muito se fez neste sector, e a Acreditar foi sempre espectador atento e parte interveniente, nomeadamente na parte legislativa: criou-se o regime especial de protecção de crianças e jovens com doença oncológica, definiram-se medidas de apoio educativo a prestar a esse grupo, regulou-se a licença para assistência a filho com deficiência, doença crónica ou doença oncológica. Num tempo mais recente, merece referência a Lei do Esquecimento ou do Luto Parental, nas quais a Acreditar – pela voz dos Pais e sobreviventes - desempenhou um papel de relevância decisiva.

O ano que agora finda foi ainda marcado pela vinda de refugiados da Ucrânia, em cujo processo a Acreditar teve um papel importante, não só a nível nacional (com o acolhimento de algumas famílias), como também a nível europeu, na retirada de centenas de crianças e jovens com cancro. Neste momento, olhamos também para essa comunidade fustigada pela guerra e pela separação que nas nossas Casas encontrou a paz possível.

O ano que começará em breve suscita um olhar sobre temas fundamentais para a oncologia pediátrica: é preciso regulamentar a Lei do Esquecimento, para permitir a jovens adultos, sobreviventes de cancro, a compra, por exemplo, de uma casa. É preciso rever e melhorar o processo de vinda de crianças/jovens com cancro dos PALOP, para que venham para Portugal de forma atempada e, com isso, melhorem as suas perspectivas de sobrevivência. É preciso, por último, mas não menos importante, olhar com atenção para a Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro e, em colaboração com todas as partes interessadas (nomeadamente as IPSS), definir um caminho claro a seguir, tendo modelos europeus como referência.

2023 é um período de grande importância para a Acreditar: no final do ano terminaremos a obra de expansão da Casa de Lisboa, passando dos actuais 12 quartos para 32. Este enorme investimento permitirá receber mais famílias, possibilitando a quem vem de fora de Lisboa – ou mesmo de Portugal – usufruir de um espaço de solidariedade, de compreensão, de tranquilidade possível, onde a esperança em dias melhores não esmoreça, mas se desenvolva e se reforce. Contamos com todos para nos ajudar a fazer os trabalhos da Casa.    

Em meu nome e também em nome de todos os voluntários e profissionais da Acreditar desejo aos que me lêem um Bom Natal e um Bom Ano Novo.

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João de Bragança - Presidente da Comissão Directiva da Acreditar — Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro. Presidente do CCI, Childhood Cancer International

A Acreditar – Associação de Pais e de Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.