A exclamação “Ouf!” foi o modo que a redação do alemão Der Spiegel escolheu como o título mais certeiro para ao fim da tarde de domingo confirmar com alívio a reeleição de Emmanuel Macron para a presidência da França. A União Europeia livrou-se da queda num poço sem fundo. E o europeísmo ainda teve um bónus: o populista-soberanista Janesz Jansa, fidelíssimo do “colega” húngaro Viktor Orban e membro do grupo de Visegrado perdeu para o liberal Golob a chefia do governo da Eslovénia, após pesada derrota por 14 pontos (36%/22%).
Em França tudo apontava para a confirmação de Macron. Veio a ganhar com vantagem maior do que a prevista: é de cinco milhões e meio de votos (18.779.641 votos para Macron, 13.297.760 para Le Pen), o que corresponde ao avanço de 17 pontos percentuais (58,54%/41,46%). Mas a surpresa não podia ser excluída, daí a dose de ansiedade.
Le Pen tinha anunciado na campanha que ou era eleita nesta terceira candidatura presidencial ou renunciava de vez aquela ambição. Na noite de domingo mudou de discurso, considerou os 41,46% de votos recebidos como “uma vitória que merece continuação”. Para já, aposta nas eleições legislativas marcadas para daqui a seis semanas, 12 e 19 de junho. Chama-lhes “terceira volta da eleição presidencial”. É a eleição que vai definir o próximo parlamento, portanto a cor ou as cores do próximo governo.
Marine le Pen vai procurar reforçar a representação do partido dela, o Rassemblement National (RN), que nas anteriores legislativas apenas elegeu oito dos 577 deputados.
É um facto que a expressão de Le Pen nas presidenciais tem crescimento constante:17,9% em 2012, 33,9% em 2017, 41,4% agora em 2022. É uma progressão que acompanha a metamorfose da FN (acrónimo de Frente Nacional) em RN (idem, União Nacional) com o discurso racista e antisemita a ser substituído por uma versão nacionalista menos radical.
Mas a representação em deputados não acompanha o crescimento de votos nas presidenciais. O sistema francês, por não ser proporcional, favorece muito os partidos mais votados e penaliza os mais pequenos.
Há cinco anos, nas presidenciais, Le Pen foi primeira em dois dos 101 departamentos. Agora, em 23. Se neste mês e meio houver fusão de listas Zémmour e Le Pen é provável que essa lista na direita da direita consiga crescimento expressivo em deputados.
O mesmo está em perspetiva na esquerda da esquerda onde a France Insoumise de Mélenchon tem alta probabilidade de ampliar muito a bancada que nos últimos quatro anos teve 17 deputados. Os próximos dias serão de intensas negociações entre vários partidos nas esquerdas, com Mélenchon a aparecer como líder desse bloco à esquerda.
Macron, o equilibrista que há seis anos deixou o governo do socialista Hollande e que agora foi reeleito presidente com muito voto da direita clássica, corre o risco de ver o seu partido En Marche perder a maioria parlamentar. Ou seja: o presidente pode ter de ser ainda mais equilibrista para liderar o país com um parlamento muito fraturado e com um governo incerto – não é de excluir que Macron seja obrigado a nomear um chefe do governo da oposição.
Emmanuel Macron assumiu no discurso de vitória, na noite de domingo, num cenário dominado pela Torre Eiffel e em atmosfera de discoteca ao ar livre, que “muitos compatriotas votaram em mim (Macron), não por apoiarem as minhas ideias, mas para barrarem a extrema-direita”.
Um estudo do Instituto Ipsos-Sopra estima que 58% dos votos em Macron foram dados por convicção e adesão às ideias deles, mas 42% dos votos no presidente tiveram por motivação principal barrar Le Pen.
O “macronismo”, para continuar a governar para além de presidir, precisa de conseguir algum novo passe de mágica em acrobacia política. Não espantaria se nos próximos dias explorasse a constituição de um novo governo cuja composição fique a votos nas eleições legislativas em junho.
Macron tem um dilema: alargar o centro para a direita ou para a esquerda. Ele dá sinais de preferir a direita. Gostaria certamente de ter Christine Lagarde como primeira-ministra e essa seria uma escolha que mobilizaria a direita moderada. Mas Lagarde estará disponível para deixar a liderança do BCE para chefiar um governo de futuro incerto?
O presidente reeleito vai certamente tentar uma federação de várias forças políticas. Com a ecologia e a transição energética na base da plataforma sobre a qual pretende “reinventar” a governação, vai certamente tentar chamar os Verdes para o governo. Entre os Verdes há divisões internas sobre o alinhamento com Macron ou com uma frente das esquerdas. O mesmo acontece no PS reduzido à expressão mínima de 1,5%.
Os 22% que Mélenchon conseguiu na primeira volta das presidenciais dão uma inesperada esperança às esquerdas. Mas a união das esquerdas é complexa, há demasiadas sensibilidades e demasiados egos.
Já está lançada a campanha das legislativas e estas com muito maior incerteza do que as presidenciais.
Macron não deixará de explorar o trunfo da liderança europeia. O semestre de presidência francesa da União Europeia só termina no final de junho, depois das legislativas. Macron vai tentar reforçar a linha dele com grande ativismo na procura de soluções para pôr fim à guerra e explorar o ressurgimento europeu.
A vitória de Macron em França e a derrota de Jansa na Eslovénia dão mais esperança à coesão europeia que a guerra tem robustecido.
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