O Verão chegou e, com ele, as muito desejadas férias. A altura do ano em que finalmente é possível desfrutar de tempo recreativo e livre das responsabilidades laborais que consomem o quotidiano acarreta, para muitas pessoas, sentimentos de ambivalência. Porque será que algo que antecipamos como positivo pode causar mal-estar?

Segundo alguns psicólogos organizacionais, cerca de um terço da nossa vida é passado a trabalhar. O local de trabalho chega a ser, frequentemente, uma segunda casa. Por esse motivo, é natural que estabeleçamos com ele uma relação vinculativa e de apego. A qualidade dessa relação é determinante e pode explicar o motivo pelo qual muitas pessoas enfrentam as férias com apreensão e experienciam dificuldades em “desligar” do trabalho. São muitos os fenómenos psicológicos responsáveis pela relutância, mais ou menos consciente, em deixar o trabalho para trás.

No geral, emoções como culpa e medo são responsáveis pela dificuldade em estabelecer limites em relação ao trabalho antes e durante o período de férias. A antecipação de que outras pessoas poderão ficar sobrecarregadas por herdarem as minhas tarefas enquanto não estiver; ou o medo de que existam consequências graves por não estar presente, seja pela elevada responsabilidade, ou mesmo por pressões externas de chefias.

A necessidade de controlo também representa em alguns casos um obstáculo à definição de limites. Podemos identificá-la em pensamentos como “Se eu não fizer, mais ninguém vai fazer”, “Só se eu estiver presente é que o trabalho fica bem feito”, “Não posso deixar nenhuma tarefa em aberto”, entre outros. Esta necessidade traduz-se num medo de não estar ‘por dentro’ e dificuldades em delegar tarefas, que podem intensificar o stress antes e durante as férias.

Por outro lado, algumas pessoas poderão experienciar dificuldades em estar atentas às suas necessidades, em valorizá-las e em afirmá-las. Crenças relacionadas com auto-desvalorização, não-merecimento e auto-sacrifício estarão também ligadas à dificuldade em estabelecer uma distância confortável em relação ao trabalho. Para algumas pessoas, o próprio facto de estarem a ser “pagas para descansar” causa desconforto e culpa.

Todos estes fenómenos psicológicos representam desafios na altura de planear férias, mas também de as desfrutar de forma plena e presente. Mais ainda, influenciam a relação com o trabalho num todo e, consequentemente, a qualidade de vida e perceção de bem-estar psicológico. A falta de limites na relação com o trabalho acarreta riscos que vão desde o stress ligeiro à síndrome de burn out (segundo a Organização Mundial da Saúde, caracterizada por «um sentimento de exaustão, cinismo ou sentimentos negativistas ligados ao trabalho e eficácia profissional reduzida»).

A psicoterapia pode ser uma ferramenta extremamente útil na compreensão e resolução dos problemas associados ao desequilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Eis alguns possíveis focos de trabalho psicoterapêutico em torno destas temáticas:

  • Identificação e afirmação de necessidades básicas: Tomar consciência, reconhecer e validar a necessidade de ter momentos de lazer e de tranquilidade, por exemplo.
  • Identificação dos obstáculos emocionais à obtenção dessas necessidades (por exemplo, o medo e a culpa) e a sua origem com base na história de vida e experiências anteriores.
  • Tomada de consciência de padrões de funcionamento: Frequentemente, os processos que promovem as dificuldades relacionadas com o trabalho estão presentes noutros contextos ou relações de investimento emocional na vida da pessoa.
  • Regulação Emocional: Aprender a gerir as emoções difíceis de tolerar que vêm com a afirmação de necessidades. Por exemplo, desenvolver e praticar estratégias para gerir a ansiedade de não atender chamadas de trabalho durante as férias.
  • Ensaio comportamental de definição de limites e treino de comunicação assertiva: Praticar a comunicação explícita de regras como “Só estarei disponível para emergências”.

Apesar das muitas nuances e desafios que a tornam única, uma relação saudável com o trabalho segue os mesmos princípios de qualquer outra relação saudável: sermos acarinhados e valorizados, podermos existir com as nossas necessidades, sermos vistos e compreendidos, e sentirmo-nos no direito de afirmar os nossos limites.

E, tal como em todas as relações saudáveis (mesmo aquelas que nos preenchem muito), sabe bem ter um bocadinho para cuidar só de nós, sem culpa e sem medo.

Boas férias!