A classificação clássica dos três “reinos” da natureza foi feita pela primeira vez pelo famoso cientista sueco Lineu (Calorus Lineus), em 1735, e nunca disputada desde então. (Se quiser saber mais sobre todas as classificações e subclassificações de Lineu, veja aqui.
Qualquer criança percebia a diferença: os animais tinham vida e moviam-se, os vegetais tinham vida mas não se moviam e, os minerais não tinham nem uma coisa nem outra.
Entretanto a ciência foi progredindo e descobriu seres que dificilmente cabiam numa classificação tão simples: os fungos, os corais e o mundo infinito (até à data) dos micróbios, bacilos, germes, filamentos e formas aterradoras de “coisas” que não falavam (que se saiba até agora) mas que muitas vezes comunicavam, possuíam algo parecido com sentimentos, ou não possuíam mas reagiam de algum modo com o ambiente - enfim, uma confusão cada vez mais complexa que só interessava aos especialistas excêntricos e que o vulgo podia ignorar sem consequências.
Também, não precisávamos de saber; tirando os insetos, que sempre foram considerados repelentes e incómodos, e outras formas de vida esdrúxulas e incompreensíveis, podíamos viver a nossa vidinha pacatamente com a classificação original de bichos, plantas e calhaus.
Uma coisa era dada como certa: um ser era uma entidade autónoma, diferente das outras entidades, mesmo que fossem todas parecidas - como as pessoas, as baratas e as alfaces, por exemplo.
Mas a ciência não para; com a sua competitiva curiosidade, e ajudada por tecnologias cada vez mais minuciosas e complexas, foi explorando as células, os grãos microscópicos, as nano-escrecências e os átomos, sempre à procura de novas entidades e de relacionamentos entre qualquer “coisa”, o ambiente onde se insere e as influências de uns com os outros.
Mesmo assim, durante muito tempo - até há pouco tempo, para dizer a verdade - era dado como certo que um ser humano, por exemplo, era um conjunto autónomo de cerca de 37 triliões de células provenientes de um ovo fertilizado, com um ADN comum. Dessas, entre 45 e 70% são água, mas as restantes são suficientes para fazer do ser humano uma entidade de composição homogénea e sem corpos estranhos.
Essa ideia, de “sem corpos estranhos”, foi abandonada algures no século XIX (cada descoberta tem a sua data particular), como sabe a generalidade das pessoas do século XXI: o corpo humano contém germes, bactérias e micróbios que são essenciais para o seu funcionamento e que, quando saem do equilíbrio normal, podem provocar doenças e estragos consideráveis.
Aos poucos, a lista de “hóspedes” úteis, passou a incluir o dobro dos tais 37 triliões, ao incluir as células arquanas , bacteriais, fungais e unicelulares alojadas na boca, no trato intestinal, pulmões e, em praticamente cada recesso do corpo humano. Essas células contribuem para apenas 0,3% do peso do corpo, mas, mesmo sendo muito mais leves, são igualmente numerosas do que as células corporais propriamente ditas. Este conceito já era conhecido, como dissemos, desde o século XIX; o que é novo é a consciência que estes “penduras” não são apenas passageiros mas, efetivamente, indispensáveis para o corpo humano. O conhecimento da simbiose celular (ou seja, que duas células são mutuamente benéficas) chegou a um ponto em que se percebe que qualquer organismo multicelular precisa de células simbióticas - os simbiontes - para funcionar normalmente, em troca de alimentar esses simbiontes.
(Se está a ficar agoniada/o, não precisa de continuar a ler; o essencial da ideia está apresentado...)
A constação desta promiscuidade levou à criação de uma nova ciência, a metagenemónica, que já tem um centro no Colégio Imperial de Londres - os ingleses podem não ter tempo para aprender outras línguas, para sobra-lhes sempre espaço para desenvolver ideias avant-garde.
A metagenemónica estuda amostras de solo, líquidos, plantas e amimais, para procurar os seres, geralmente microscópicos, que estejam presentes e tenham uma função útil ao hospedeiro. O Centro procura sobretudo em insetos, anfíbios e plantas. Procurando sobretudo eucariotas - células com um núcleo que tem uma membrana nuclear separando-o do citoplasma - de microscópicas dimensões, é mais fácil estudá-los no contexto onde estão inseridos, ou seja, como partes de um holobionte.
Por exemplo, há insetos que têm estruturas que incluem esporos de fungos. Os esporos formam filamentos e permitem aos insetos digerir a madeira de que se alimentam. Se por acaso os fungos se desenvolverem demais dentro do inseto, podem destruir florestas inteiras.
Falando dos humanos, que é realmente o que nos interessa, a classificação convencional é feita entre os pais e o filho, e é bastante clara. Mas considerando o humano como um holobionte, o relacionamento torna-se mais complexo. Em vez de provir de um ovo humano, o ser holobiôntico tem de ser montado. Por vezes os componentes passam de pais para filhos, como os micróbios encontrados no trato intestinal. Depois, outros micro-organismos são transmitidos no parto e outros ainda na amamentação. Desta maneira percebe-se como o holobionte-homem se forma gradualmente até chegar a uma unidade complexa.
Fora do mundo humano, as relações holobiônticas podem ser ainda mais estranhas e ainda estão a ser estudadas. Por exemplo, há bactérias que são sensíveis aos campos eletromagnéticos. Calcula-se que seja uma associação com animais como tartarugas e pássaros, que usam o campo magnético da Terra para navegar. É também a natureza holobiôntica dos cães que lhes permite comunicar através de odores. Trata-se de um processo relacionado com o odor da degradação das fezes devido às bactérias que contêm.
Voltando ao homem, há muito que os orientais consideram que o corpo humano é um “torus” - um tubo cuja parte de fora é o que vemos da pessoa e a parte de dentro é o trato intestinal. Se pensarmos bem, o contacto do corpo humano com o ambiente é feito tanto por fora como por dentro... Então, o canal interior, chamemos-lhe assim, é uma festa de microrganismos. Cada secção tem os seus habitantes próprios.
O estudo destes organismos que convivem com os 37 triliões de células mamíferas podem ajudar a tratar de muitas doenças. Uma dieta sem carne favorece os parasitas fiblolíticos, enquanto uma dieta carnívora ajuda os que se alimentam de gordura e proteínas. Deste modo podem controlar-se infeções e problemas imunitários. A lista é imensa e só agora está a ser estudada sistematicamente.
Resumindo: saber que somos holobiontes pode ser um bocado deprimente, mas certamente que irá ajudar o nosso lado “nobre” - o orgulhoso homo sapiens - a viver num corpo mais saudável! Logo, a ser mais inteligente e tomar melhores decisões... Agora, não pode viver sem os milhões de mini-minis que o habitam, mesmo que às vezes lhe façam cócegas!
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