Veneza grita há muito contra a saturação. Em Barcelona, dispararam nas últimas semanas absurdos actos de vandalismo “contra o modelo de turismo maciço”. Em paredes da capital catalã abundam inscrições com a lastimável palavra de ordem “tourist go home”. A turismofobia tornou-se uma discussão do momento em Espanha. De Lisboa e do Porto chegam primeiros sinais de mal-estar.

Em causa está a protecção da qualidade vida dos residentes, preservando a cidade aprazível e habitável, com o espaço público a continuar a servir o possível bem-estar dos residentes, os vizinhos. Trata-se de defender a coesão social dos bairros tradicionais, num amplo etecetra do direito à cidade que inclui a protecção da habitação tradicional impedindo a vertiginosa subida de preço das rendas, o não-congestionamento do trânsito, a contenção dos preços nos restaurantes e a conservação da identidade do comércio. Já nem se fala na preservação da mercearia da senhora Júlia ou na casa de ferragens do senhor Manuel, essas já fecharam há lustros. Trata-se de evitar que a personalidade das cidades fique irreversivelmente deformada e que os hábitos de vida sejam alterados por efeito do turismo em avalancha.

Há países, como a Coreia do Norte, que não têm este problema. Felizmente não há entre nós quem queira fechar fronteiras. O turismo é uma indústria decisiva, gera emprego e está a sustentar com firmeza a fase actual de crescimento económico. Representa em Portugal 7% do PIB e o lucro cresceu mais de 10% só no ano passado. As receitas geradas pelo turismo estão a disparar em Portugal. Mas a explosão do turismo está a gerar casos de mal-estar que será conveniente tratar antes que a incomodidade passe a rejeição activa e fique demasiado tarde.

A indústria do turismo disparou nos últimos anos com um vigor que a coloca como questão prioritária da globalização. Será tempo para discutir o modelo de turismo. Uma análise que pondere o económico e também o impacto sobre o direito dos moradores à cidade e ao bem-estar social - o que também leva à satisfação dos turistas. Espera-se que possam ser encontradas soluções de desenvolvimento sustentável.

As cidades podem ser vistas como alguns parques naturais. Tal como há limites para a visitação de reservas da natureza, também as cidades têm o seu limite de vulnerabilidade. Falta que sejam discutidas e decididas medidas para protecção da harmonia.

Todos sabemos como, numa sociedade regida pela lei da oferta e da procura, é difícil conseguir-se que os donos dos apartamentos dêem prioridade aos inquilinos de todo o ano, contribuindo para que o bairro se renove mantendo a identidade. Quem pode lucrar com o turismo, tende a procurar o melhor rendimento, prefere explorar as oportunidades de aluguer no Airbnb à via convencional de um aluguer por cinco anos a um casal com filhos.

Faz falta uma espécie de pacto social para o turismo. Sobretudo, é preciso que o modelo de turismo seja discutido antes que fique tarde para todos. Parece evidente que a qualidade deve ter prioridade sobre a quantidade.

Em Barcelona há radicais que parecem querer morder a mão a quem contribui para lhes dar sustento. A fúria assim nunca é inteligente. Abrir a discussão sobre o modelo de turismo parece lógico e saudável.

Lisboa e Porto são cidades de acolhimento, tolerantes e com vocação cosmopolita. São habitadas por gente que gosta de receber bem. É necessária inteligência e uma estratégia para lidar com a avalancha do turismo. Deve ser tido em conta o investimento na convivência das pessoas molestadas pela vaga de turismo nos lugares que sempre foram os seus.

VALE VER:

A CNN conta assim "a nova energia" de Lisboa.

Faltam duas semanas para as eleições em Angola. Nesta terça-feira é o Quénia quem vai a votos. O factor étnico conta.

Uma exposição em Londres celebra as melhores fotografias de viagem.

Uma viagem por 75 anos de Caetano Veloso a caetanar: no Estadão e na Folha. E numa essencial entrevista em 2010 à Cult.

cartoon escolhido hoje.