Refiro-me a ‘A Andorinha’, uma peça que estreou no dia 29 de janeiro, no Teatro Experimental de Cascais (TEC), e terminou no passado domingo, dia 11 de fevereiro.

Nesta peça, pisavam o palco dois atores apenas, Luísa Cruz, uma atriz experiente dos grandes palcos e dos grandes papéis na televisão e a jovem promessa José Condessa. Este texto é dedicado ao Condessa.

A peça era enorme no sentido de beleza, emoção, moralidade e ainda foi pensada pelo fundador do auditório de Cascais, Carlos Avilez que morreu aos 88 anos em novembro do ano passado. Com um texto original de Guillem Clua, dramaturgo catalão, inspirava-se no massacre que aconteceu em 2016 numa discoteca de Orlando, nos Estados Unidos da América (EUA).

Amelia interpretada por Luísa Cruz fazia o papel de uma professora de música que recebe em casa Ramón, interpretado por José Condessa. O jovem pretendia a melhoria das suas técnicas de canto para interpretar “A Andorinha”, num suposto memorial em honra da mãe, que faleceu um ano antes. Depois de iniciarem a aula, descobrem o passado que os une a alguém que ambos amaram, o filho da professora, morto no atentado.

Após a morte de Carlos Avilez, foi necessário procurar quem o pudesse substituir na encenação da peça, a escolha recaiu sobre Cucha Carvalheiro, cujo trabalho também merece ser salientado.

Mas o texto é sobre José Condessa. Conhecemo-lo do grande ecrã, de novelas e séries como Santa Bárbara, Filha da Lei, Ministério do Tempo, Espelho d'Água, Cenas de Família, A Herdeira e Valor da Vida, O Crime do Padre Amaro, o sucesso internacional da Netflix ‘Rabo de Peixe’ ou Cacau onde participa atualmente na TVI. Nunca o tinha visto no teatro, e julgava-o por fazer parte de um tipo de ator mediaticamente relevante que aparece regularmente nas passadeiras vermelhas nacionais e internacionais.

Não esperava que um ator que um dia está a passear na passadeira de Cannes, depois fosse brilhante para apenas umas centenas de pessoas num pequeno auditório em Cascais.

Aquele, talvez por ser o último dia de atuação, fazer parte deste espetáculo do Condessa e da Luísa Cruz foi particularmente emocionante. Se no final havia lágrimas nos rostos da plateia, não eram menos em cima do palco. E os atores que choram verdadeiramente merecem particular respeito, pelo menos para mim.

O Condessa, diz-me a internet, tem 26 anos, é um jovem ator, um jovem de facto, mas mostrou ali durante 100 minutos de espetáculo que não ter muitos anos nada importa, importa apenas o talento. Custava 15 euros o espetáculo, que como todas as grandes peças em Portugal parece pouco para o talento que se mostra em palco. Se fosse em Londres podia pedir-se centenas e pagava-se.

Quando se fechou a cortina apetecia-me discutir a fragilidade das relações humanas entre pais e filhos, e como aquilo que vi no palco existe cá fora, na vida dita real. A personagem do Condessa é homossexual e, quando esse facto se confirma na peça, achei que não passaria disso, uma reflexão sobre a comunidade já explorada em outros textos e em vários contextos da sociedade. Mas não, nada disso, a peça era sobre a humanidade, sobre o amor, sobre como ser humano e como por vezes é tão simples e tão difícil ao mesmo tempo.

Em particular a personagem do José Condessa vai navegando por inúmeras emoções ao longo da peça, ora feliz, ora triste, ora pensativo, ora com medo e revela sucessivamente a quem assistiu, a beleza de uma conversa que vai evoluindo até uma conclusão imprevisível no início. Todos conhecemos um Ramón e, de certa forma, também se lida várias vezes com pessoas como a Amelia, uma mãe, uma sogra, uma pessoa com valores diferentes que não compreende ou não quer compreender o tempo que a ultrapassou.

José Condessa transmite exemplarmente a importância de que o esforço de nos fazermos ouvir por vezes esbarra no outro, que por sua vez também tem de nos escutar e escolher aceitar o sentimento que é o nosso, mesmo que isso implique abdicar de algo de seu, ou de o reformular. O sentimento do texto esteve presente em toda a atuação. Sentia-se tudo, ele era o Ramón, e Ramón somos todos nós, de alguma maneira, em algum momento.

Por ser difícil esquecer a imagem em palco do José Condessa e porque a peça ficou tão pouco tempo em cena, apenas algumas semanas, quero deixar aqui tudo o que perdeu quem não pôde assistir. Pode ser que volte.