As ocupações acabaram, mas o ativismo continua. O que se segue na luta climática?
Esta noite marcou o fim das ocupações de escolas secundárias e de faculdades de Lisboa por parte do grupo de ativistas climáticos “Fim ao Fóssil - Ocupa”, em apelo à preservação do planeta.
Os porta-vozes do grupo anunciaram hoje a desmobilização, culminando as ações de protesto numa concentração a decorrer esta terça-feira no Largo Camões, junto ao Ministério da Economia.
Como tudo começou?
Recordemo-nos que estas ações de protestos tiveram início a 7 de setembro, com ocupações em duas escolas secundárias (António Arroio e Liceu Camões) e quatro instituições universitárias (o Instituto Superior Técnico, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e as Faculdades de Ciências e de Letras da Universidade de Lisboa).
Inseridas no movimento internacional “End Fossil Occupy!”, as ocupações e iniciativas de disrupção tinham motivação o apelo ao fim da utilização dos combustíveis fósseis — não sendo coincidência que tenham ocorrido sensivelmente ao mesmo tempo que a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), a decorrer no Egito —, mas tiveram duas reivindicações muito específicas para o caso português: acabar com o consumo de energias fósseis em Portugal até 2030 e a demissão do ministro da Economia, António Costa Silva, devido às suas ligações profissionais ao setor petrolífero.
E o que levou ao fim destes protestos?
Apesar das ações terem ocorrido em seis estabelecimentos de ensino distintos, houve três onde as ocupações se revestiram de maior mediatismo: depois da António Arroio ter sido encerrada nos dias 10 e 11, hoje foi o Liceu Camões a ter as aulas interrompidas, tendo esta escola sido fechada a cadeado pelos ativistas, ainda que de “forma calma e ordeira”, como constatou o Comando Metropolitano da PSP de Lisboa.
Pelo meio, contudo, ocorreu o episódio mais agudo e controverso: na Faculdade de Letras da Faculdade de Lisboa, o reitor, Miguel Tamen, chamou a polícia, que retirou os estudantes, tendo quatro deles sido detidos.
Além disso, no sábado, durante uma marcha pelo clima, dezenas de manifestantes invadiram a Ordem dos Contabilistas, em Lisboa, onde decorria um evento privado marcado pela comparência de António Costa Silva. Este, soube-se hoje, concordou em reunir-se com alguns dos ativistas esta terça-feira, o que terá ajudado a pôr fim aos protestos.
O ministro vai reunir-se com os ativistas, mesmo apesar de estes exigirem a sua demissão?
Sim. Aliás, este domingo António Costa Silva fez questão de caracterizar a manifestação que resultou na invasão à Ordem dos Contabilistas como “absolutamente legítima”, assumindo uma postura conciliatória.
“Os jovens estavam a manifestar-se, não houve de facto possibilidade de encetar qualquer tipo de diálogo naquelas condições, mas estarei sempre pronto para dialogar com os jovens, explicar o que estamos a fazer, ouvir as suas opiniões e incorporá-las em tudo o que estamos a sistematizar em termos das políticas públicas. Sou um homem de diálogo”, afirmou, realçando ainda estar a trabalhar para acelerar a transição energética e sublinhando que nunca foi um defensor do uso de combustíveis fósseis.
“Em todo o meu percurso ao longo de 20 anos não só fui um defensor das energias renováveis, como agora no Governo estamos a potenciar a aplicação dessas energias e a desenvolver tudo para que a transição energética funcione”, justificou.
Dada a abertura demonstrada pelo ministro, os ativistas climáticos convidaram-no a visitar hoje a ocupação no Liceu Camões e assistir à palestra que iam ministrar, o que não aconteceu. Ao invés, ficou marcada uma reunião no ministério da Economia para as 17:00 desta terça-feira, com António Costa Silva a receber os ativistas no ministério.
É por isso que vai haver a concentração no Largo Camões, então?
Sim. Depois de se saber que os ativistas tinham aceitado o regresso à normalidade no Liceu Camões para esta terça-feira, o comunicado desta noite anunciou a concentração nessa praça nevrálgica de Lisboa em apoio aos membros do movimento que se vão reunir com o ministro.
E isto vai ficar por aqui?
A julgar pelas intenções dos ativistas, não, até porque concluíram que, após o encerramento de duas escolas e perante a obtenção de atenção mediática e a conquista de uma reunião ministerial, “estas ocupações foram um sucesso”.
“Embora não tenhamos vencido as nossas reivindicações ainda, decidimos dar hoje fim a esta vaga” de ocupações para começar já a preparar a “próxima vaga de ocupações, mais fortes e mais capazes na primavera de 2023”, lê-se no comunicado.
“As ocupações estudantis que começaram no dia 7 de novembro marcam uma nova etapa no movimento estudantil e no movimento por justiça climática: as estudantes estão a radicalizar-se e a escalar as suas táticas à medida que a crise climática escala também. Não vamos parar, não vamos ser silenciadas”, adverte o movimento, frisando que estas ações foram um ensaio para novas formas de “ação coletiva” em protesto contra o “colapso da civilização”.
Além disso, pendem ainda as questões legais.
As detenções na Faculdade de Letras?
Sim. Os quatro estudantes e ativistas pelo clima detidos na sexta-feira vão ser julgados a 29 de novembro após terem recusado a suspensão provisória do processo proposta pelo Ministério Público.
O MP propôs esta alternativa com a condição de que os jovens não voltariam a cometer o mesmo tipo de crimes de que estão acusados — "desobediência a ordem de dispersão de reunião pública" e "introdução em lugar vedado ao público", conforme especificou o advogado de defesa André Ferreira.
Os ativistas, porém, rejeitaram esta proposta, já que "este processo não pode ser silenciado", como defendeu Ana Carvalho, uma das pessoas acusadas. "Isso seria assumir uma culpa que não é nossa", contrapôs a ativista, garantindo ainda que nenhum dos quatro ativistas agora com julgamento marcado se "arrepende de nada", prometendo que vão "continuar a lutar" e afirmando que "é preciso que isto se continue a debater e a falar até que alguma coisa seja feita".
Ainda quanto a esta situação, o diretor da FLUL, Miguel Tamen, explicou hoje porque é que a polícia foi chamada a intervir relativamente aos ativistas, adiantando também que a faculdade, como comunidade autónoma, não pode resolver as suas principais reivindicações.
E o que disse?
Na carta hoje enviada a professores, alunos e funcionários da instituição, Tamen começa por recordar que durante a semana passada a instituição foi objeto de ações, descritas como de ocupação, por alguns ativistas ambientais (parte dos quais seus estudantes), cujas ações “perturbaram deliberadamente a realização de aulas, de avaliações, de eventos e a circulação nos espaços”, tendo a direção recebido “várias queixas de docentes, estudantes e funcionários”.
O responsável pela FLUL afirma que durante a semana passada a direção falou “muitas vezes com os ocupantes”, que “nunca recusou fazê-lo”, mas que “conversas foram sempre inconclusivas”, tendo em conta aquilo que era exigido à faculdade, e que os ocupantes se recusaram “a considerar sair antes de todas as suas exigências serem atendidas”.
Miguel Tamen diz ainda que na sexta-feira à tarde pediu à polícia que retirasse os ocupantes das instalações, solicitação essa que “tem apenas três ou quatro precedentes na escola nos últimos cinquenta anos”, sublinhando que “há uma diferença substancial, e bem-vinda, entre a polícia num estado de direito e a polícia numa ditadura”.
O diretor da FLUL relata que na noite de sexta-feira, 11 polícias retiraram 13 estudantes das instalações, dos quais “nove saíram livremente, [e] três colaram-se ao chão” e um ou ficou com estes, acrescentando que “a polícia retirou os três estudantes das instalações” e que o quarto saiu com este último grupo.
Miguel Tamen testemunha que “a força foi usada de modo proporcional e muito limitado”, vincando: “E foi usada para proteger a nossa autonomia e a nossa liberdade, no respeito estrito da lei”.
*com Lusa