O parceiro escolhido no âmbito do projeto Aveiro Steam City para a monitorização dos indicadores ambientais foi, sem surpresa, a Universidade de Aveiro (UA). “Temos competência reconhecida na área do ambiente, nomeadamente nas componentes de qualidade do ar e ruído”, diz a coordenadora do projeto, Ana Miranda, da UA.

A professora, que também coordena o departamento de Departamento de Ambiente e Ordenamento da universidade, fala deste projeto como uma forma de avaliar “o próprio metabolismo da cidade”. O que é que isto quer dizer concretamente? Que não se trata de apenas uma questão ambiente, mas também de ajudar a explicar aos cidadãos de forma intuitiva o que está em jogo.

“A qualidade do ar e ruído que estão a ser medidos na cidade de Aveiro pode guiar-nos e conduzir para definirmos políticas ainda melhores, do ponto de vista, não diria só ambiental, mas diria também do planeamento e do ordenamento da cidade. E também a componente comunicação: é fundamental que os cidadãos percebam que se há muito tráfego automóvel os valores de qualidade do ar variam. Pela negativa, claro. Assim como o ruído”, explica a coordenadora.

Um dos resultados que não estava previsto prende-se com a pandemia que ninguém esperava. “Da qualidade do ar e do ruído, temos valores durante a pandemia e pós-pandemia, o que é particularmente interessante. Temos também dados meteorológicos, mas estes não foram afetados”.

"Há uns tempos uma colega dizia que olhar para os dados da qualidade do ar é como ser o CSI do ambiente"

O ponto de partida foi a contratualização das estações de monitorização, ainda antes de o mundo parar com a covid-19. A etapa seguinte, perceber onde seriam instaladas. “Podíamos ter vários locais na cidade de Aveiro e a nossa lógica foi tentar cobrir o centro da cidade, mas também algumas áreas mais periféricas porque é interessante comparar os resultados”.

Assim, foram instaladas nove estações de monitorização de ruído e de qualidade do ar. “Quando falamos de qualidade do ar referimo-nos a matéria particulada, dióxido de azoto, que é muito relacionado com as emissões de tráfego automóvel, ozono e monóxido de carbono. Também medimos os níveis de dióxido de carbono.”

A meteorologia, em particular, só está a ser medida em duas estações que, segundo Ana Miranda, “representam as características muito locais da componente meteorológica, não devendo ser consideradas como indicadoras da meteorologia da cidade, no seu global” e “não obedecem aos critérios que, por exemplo, o Instituto Português do mar e da Atmosfera (IPMA) tem para instalar estações”, explica.

O que acontece, então, ali? Estão a medir a velocidade e direção do vento, temperatura, pluviosidade, humidade relativa e radiação ultravioleta.

“Estes sensores no que se refere à qualidade do ar, é importante dizer, têm um grau de incerteza razoável, mas conseguem indicar os níveis de qualidade do ar com a confiança necessária”, aponta.

Normalmente, as redes de monitorização da qualidade do ar, geridas pelas Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDRs) e pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) são estações ditas de referência, em que o grau de incerteza é menor.

"Conseguimos perceber quais são as horas de ponta e relacionar com o tráfego automóvel"

Instalar as nove estações em Aveiro, numa altura em que não existiam soluções comparáveis no país, foi um desafio tecnológico. “Agora, em Lisboa, também existem este tipo de estações, até está envolvida a mesma empresa que contratámos, mas quando tudo isto começou a ser feito, em Aveiro, foi um grande desafio. Vencido com sucesso”.

Com as estações instaladas passou a ser possível ver diariamente dados sobre os indicadores em análise. “Conseguimos ver coisas muito interessantes. Há uns tempos uma colega dizia que olhar para os dados da qualidade do ar é como ser o CSI do ambiente”, diz, salientando as interpretações de caráter científico mas também do próprio pulsar da cidade.

“Conseguimos perceber quais são as horas de ponta e relacionar com o tráfego automóvel. No Inverno, com as lareiras e a combustão residencial, os níveis de partículas no ar-ambiente, à noite, começam a subir nas nossas estações. Isto é um indicador de que as pessoas já estão a queimar lenha. O ruído, também é muito fácil relacionar. Eu digo mesmo que é o metabolismo da cidade que se consegue perceber olhando para aqueles dados”, conta a docente.

Os dados permitem, mais do que interpretar as rotinas da cidade, planear políticas que melhorem a qualidade de vida. E também são úteis para perceber se há ultrapassagens à legislação. “Quer do ponto de vista do ruído quer da qualidade do ar, há valores limite que estão estabelecidos por lei e que se forem ultrapassados, é preciso fazer alguma coisa”.

Mas talvez o ponto mais disruptivo seja aquilo que Ana Miranda define como “ir ao futuro” a partir dos dados que se recolhem no presente. “É com os modelos que vamos ao futuro. Com os dados, sim, em tempo real. Os cenários e a própria estratégia de desenvolvimento da cidade podem ser avaliados com base em modelos”.

Porque esta é outra componente do projeto a enfatizar: a aplicação de um modelo de qualidade do ar à cidade de Aveiro que permite tirar conclusões e trabalhar a partir daí. “Podemos dizer, neste momento, com o tráfego rodoviário que temos, com as lareiras que temos no inverno, que os resultados são estes. Se avançarmos com algumas estratégias diferentes, e isto aplica-se principalmente ao tráfego, e em Aveiro está já a acontecer – a Avenida Lourenço Peixinho, por exemplo, está a ser intervencionada. É preciso perceber o impacto dessas estratégias na qualidade do ar”.

A lógica é que os decisores tenham acesso direto aos dados para poderem agir, se for necessário, com ações, quase em tempo real, ativado com base nos valores que estão a ser medidos. Um exemplo recente desta situação é relatado pela coordenadora do projeto.

“Houve um incêndio há cerca de um ano em que os sensores detetaram perfeitamente a nuvem de fumo em Aveiro. Se a plataforma já estivesse a funcionar, a própria câmara poderia ter emitido um aviso à população a dizer ‘os níveis de poluição na cidade, neste momento, estão maus porque estamos a ser afetados por fumo de um incêndio. Evitem exercício físico no exterior, fechem as janelas. Pessoas mais vulneráveis, por favor, não venham para a rua – crianças, idosos”, explicita a professora.

Aveiro
Aveiro créditos: Google Maps

O nosso comportamento vs o que se passa no ambiente

A comunicação cientista/decisor está a ser construída com projetos como este que ligam o conhecimento à aplicação prática no dia a dia da vida numa cidade. A comunicação cientista/decisor/cidadão comum “é um pouco mais complicada”, mas a plataforma está a ser trabalhada também nesse sentido. “O que eu gostaria mesmo era que houvesse um mapa da cidade com a localização das situações de hora a hora, ou por dia”.

Na prática, passaria por traduzir o índice de qualidade do ar em cores como no trânsito que permitisse aos cidadãos perceberem “naquela zona, onde está a estação, como está a qualidade do ar de uma maneira muito, muito fácil”. Em relação ao ruído, a mesma coisa, se bem que, alerta Ana Miranda, “o ruído é mais fácil de percecionar do que a qualidade do ar”.

“Gostava muito daqui a meio ano, como cidadã de Aveiro, de conseguir aceder aos dados que estão a ser medidos. Não digo eu, como Ana Isabel Miranda, investigadora, mas eu, como cidadã de Aveiro. Até sei que há uma Estação de Monitorização na zona onde vivo, no centro da cidade. Gostava de, como cidadã, ir à plataforma e ver ‘hoje isto aqui está bom, vamos lá dar uma voltinha!’ ou então ‘os níveis de partículas estão a disparar. Hoje à noite vou evitar acender a lareira para não ficar pior'”, confidencia.

Conseguir ver medições e comunicar esse efeito à população talvez venha a ter um resultado. “Estou a pensar na COP, fala-se muito em políticas, mas enquanto as pessoas não perceberem que há uma relação quase direta entre o nosso comportamento e o que se passa no ambiente, é difícil que se sintam devidamente envolvidos nestas questões”, remata a investigadora.

A monitorização e a comunicação dos dados é uma tendência crescente nas cidades, nomeadamente na Europa, e algumas estão já com projetos de co-criação investigadores/cidadãos em que os cidadãos se disponibilizam a ter esses sensores e eles próprios medirem os valores. “Ou medem na varanda da sua casa ou vão medindo à medida que se deslocam. Isto implica, depois, uma gestão de dados muito forte, mas é a construção da ciência com o apoio do próprio cidadão. É algo em que cada vez mais se vai apostar, mas já são ideias para a frente”, finaliza Ana Miranda.

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Artigo publicado originalmente no dia 8 de fevereiro de 2022 no site do The Next Big Idea.