Jesus compreendeu que «a mesa constitui sempre um dos fortes, se não o mais forte, alicerce das sociedades humanas. Constitui a melhor e a mais solene cerimónia que os homens acharam para consagrar todos os seus grandes atos, imprimindo-lhe um caráter de união e de comunhão”, segundo Eça de Queiroz. «A maneira mais poderosa que conhecemos de entender e compartilhar a vida uns com outros”, segundo Norman Wirzba. Assim inaugurou um novo tempo, pregando a inclusão de todos, em volta dessa mesa. Com amigos e inimigos, mulheres e homens, doentes e sãos, ricos e mendigos, santos e pecadores. Juntando escribas, fariseus, publicanos, samaritanos, zelotas. «[Eu] não vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento” (Lc 5, 32). O encontro, em volta da mesa, «era a oportunidade de uma transformação libertadora”, diz Dom José Tolentino Mendonça. Um espaço de ruptura com as tradições judaicas segregadoras. «Partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e gozavam da simpatia de todo o povo. E o Senhor acrescentava cada dia ao seu número os que seriam salvos” (At 2, 46-47). Ao comer com todos, Jesus rompe tabus sociais que mantinham as pessoas segregadas. E explicita seu projeto «preparando uma refeição igualitária para a multidão díspar”, palavras de Dom José Tolentino Mendonça, cristalizando «valores de igualdade e de aceitação”, ainda segundo ele. E tantas foram as refeições com Jesus, referidas no Novo Testamento, que disseram: «Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: ‘Eis aí um glutão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores’” (Mt 11, 19).

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia. Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar a leitura e a discussão à volta dos livros.

Já folheámos as páginas de livros de autores como Luís Sepúlveda, George Orwell, José Saramago, Dulce Maria Cardoso, Harper Lee, Valter Hugo Mãe, Gabriel García Marquez, Vladimir Nabokov, Afonso Reis Cabral, Philip Roth, Chimamanda Ngozi Adichie, Jonathan Franzen, Isabel Lucas, Milan Kundera, Joan Didion, Eça de Queiroz e Patricia Highsmith, sempre com a presença de convidados especiais que nos ajudam à discussão, interpretação, troca de ideias e, sobretudo, proporcionam boas conversas.

Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

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Jesus sentou-se à mesa com fariseus. «Uma experiência não de encontro, mas de confronto”, segundo Dom José Tolentino Mendonça, já que a maioria deles fazia forte oposição a suas pregações. Dizia Jesus: «Acautelai-vos do fermento — isto é, da hipocrisia — dos fariseus” (Lc 12, 1). Alguns se aproximavam por mera curiosidade. «Quem é este que até perdoa pecados?” (Lc 7, 49). Mas poucos o recebiam com simpatia. «Aproximaram-se alguns fariseus que lhe disseram: ‘Parte e vai-te daqui, porque Herodes [Antipas] quer te matar” (Lc 13, 31). Inclusive o fariseu chamado Nicodemos, «um notável entre os judeus. À noite, ele veio encontrar Jesus e lhe disse: ‘Rabi, sabemos que vens da parte de Deus como mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele’” (Jo 3, 1-2). Jesus esteve na casa de outro fariseu chamado Simão. «Um fariseu convidou-o a comer com ele. Jesus entrou, pois, na casa do fariseu e reclinou-se à mesa. Apareceu então uma mulher da cidade, uma pecadora. Sabendo que ele estava à mesa na casa do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume [‘um perfume de nardo puro, muito caro’ — Jo 12, 3]. E, ficando por detrás, aos pés dele, chorava; e com as lágrimas começou a banhar-lhe os pés, a enxugá-los com os cabelos, a cobri-los de beijos e a ungi-los com o perfume [...] Disse a Simão: ‘Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me derramaste água nos pés; ela, ao contrário, regou-me os pés com lágrimas e enxugou-os com os cabelos. Não me deste um ósculo; ela, porém, desde que entrei, não parou de cobrir-me os pés de beijos. Não me derramaste óleo na cabeça; ela, ao invés, ungiu-me os pés com perfume. Por essa razão, eu te digo, seus numerosos pecados lhe são perdoados, porque ela demonstrou muito amor” (Lc 7, 36-47). Esse episódio, conhecido como a Unção em Betânia, é contado pelos quatro evangelistas (Mt 26, 6-13; Mc 14, 39; Lc 7, 36-50; Jo 12, 1-8). São Mateus e São Marcos referem «uma mulher”; São Lucas a identifica como «uma pecadora”; e São João como Maria, irmã de Marta e Lázaro.

A mesa dos fariseus excluía todos aqueles que rejeitavam seus costumes de purificação e não cumpriam suas regras alimentares. Para eles, «a cozinha e a mesa eram entendidas como lugares preferenciais para estender a pureza ritual fora do templo”, segundo Dom José Tolentino Mendonça. Tal pureza «não era simplesmente um cuidado higiênico. Provinha do estabelecimento de uma fronteira (religiosa, moral...) nítida entre a ordem e a desordem, o ser e o não ser, a forma e a ausência dela, a vida e a morte”, ainda segundo ele. E Jesus foi cobrado por isso. «Enquanto falava, um fariseu convidou-o para almoçar em sua casa. Entrou e pôs-se à mesa. O fariseu, vendo isso, ficou admirado de que ele não fizesse primeiro as abluções antes do almoço. O Senhor, porém, lhe disse: ‘Agora vós, ó fariseus! Purificais o exterior do copo e do prato, e por dentro estais cheios de rapina e de perversidade! Insensatos! Quem fez o exterior não fez também o interior? Antes, dai o que tendes em esmola e tudo ficará puro para vós! Mas ai de vós, fariseus, que pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças, mas deixais de lado a justiça e o amor de Deus! Importava praticar estas coisas sem deixar de lado aquelas. Ai de vós, fariseus, que apreciais o primeiro lugar nas sinagogas e as saudações nas praças públicas! Ai de vós, porque sois como esses túmulos disfarçados, sobre os quais se pode transitar, sem o saber!’ Um dos legistas [escribas] tomou então a palavra: ‘Mestre, falando assim, tu nos insultas também!’ Ele respondeu: ‘Igualmente ai de vós, legistas, porque impondes aos homens fardos insuportáveis, e vós mesmos não tocais esses fardos com um dedo sequer!’ [...] Quando ele saiu de lá, os escribas e os fariseus começaram a persegui-lo terrivelmente, a cercá-lo de interrogatórios a respeito de muitas coisas, armando-lhe ciladas para surpreenderem uma palavra de sua boca” (Lc 11, 37-54). Aqueles que acompanhavam Jesus também não estavam preocupados em obedecer àquelas regras. «Alguns dos seus discípulos comiam os pães com mãos impuras, isto é, sem lavá-las” (Mc 7, 2). Fariseus lhe perguntaram: «Por que os teus discípulos violam a tradição dos antigos? Pois que não lavam as mãos quando comem.’ Ele respondeu-lhes: ‘E vós, por que violais o mandamento de Deus por causa da vossa tradição?’” (Mt 15, 2-3). E insistia: «Este povo me honra com os lábios, mas o coração está longe de mim. Em vão me prestam culto, pois o que ensinam são apenas mandamentos humanos” (Mt 15, 8-9). No fundo, «são cegos, conduzindo cegos! Ora, se um cego conduz outro cego, ambos acabarão caindo num buraco” (Mt 15, 14).

Livro: "A Mesa de Deus"

Autor: Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti

Editora: Quetzal

Data de Lançamento: 2 de novembro de 2023

Preço: € 19,90

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Os fariseus exigiam, também, que se guardasse rigorosamente o sábado — dia sagrado de descanso. Nesse dia, Jesus «entrou na casa de um dos chefes dos fariseus para tomar uma refeição, e eles o espiavam. Eis que um hidrópico [que sofria de hidropisia ou edemas] estava ali, diante dele. Tomando a palavra, Jesus disse aos legistas e aos fariseus: ‘É lícito ou não curar no sábado?’ Eles, porém, ficaram calados. Tomou-o então, curou-o e despediu-o. Depois perguntou-lhes: ‘Qual de vós, se seu filho ou seu boi cai num poço, não o retira imediatamente em dia de sábado?’ Diante disso nada lhe puderam replicar” (Lc 14, 1-6). E era sábado, quando passavam por plantações de cereais. «Os seus discípulos, que estavam com fome, puseram-se a arrancar espigas e a comê-las. Os fariseus, vendo isso, disseram: ‘Olha só! Os teus discípulos a fazerem o que não é lícito fazer num sábado!’ Mas ele [Jesus] respondeu-lhes: [...] ‘Digo-vos que aqui está algo maior do que o Templo. Se soubésseis o que significa: Misericórdia é que eu quero e não sacrifício, não condenaríeis os que não têm culpa. Pois o Filho do Homem é senhor do sábado” (Mt 12, 1-7). E «o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2, 27). Assim, «por conta dos conflitos em torno do sábado, foi deduzida a imagem do Jesus liberal. A sua crítica ao judaísmo do seu tempo seria a crítica do homem refletido, livre e racional a um legalismo ossificado, que no fundo significa hipocrisia e rebaixa a religião a um sistema servil, que inibe o homem no desenvolvimento da sua obra e da sua liberdade”, segundo Ratzinger.

Em outra ocasião, Levi [o publicano] «ofereceu-lhe então uma grande festa em sua casa, e com eles estava à mesa numerosa multidão de publicanos [que, normalmente, não obedeciam às regras de alimentação] e outras pessoas” (Lc 5, 29). E «os fariseus, vendo isso, perguntaram aos discípulos: ‘Por que come o vosso Mestre com os publicanos e os pecadores?’ Ele, ao ouvir o que diziam, respondeu: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médico, e sim os doentes. Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não o sacrifício’” (Mt 9, 11-13). Jesus foi, também, interpelado por discípulos de João Batista. «Vieram procurá-lo os discípulos de João com esta pergunta: ‘Por que razão nós e os fariseus jejuamos, enquanto os teus discípulos não jejuam?’ Jesus respondeu-lhes: ‘Por acaso podem os amigos do noivo estar de luto enquanto o noivo [o próprio Jesus] está com eles? Dias virão, quando o noivo lhes será tirado; então, sim, jejuarão’” (Mt 9, 14-15). Dirigiu-se, ainda, à casa de Zaqueu, «que era rico e chefe dos publicanos [...] Ele recebeu-o com alegria. À vista do acontecido, todos murmuravam, dizendo: ‘Foi hospedar-se na casa do pecador!’ Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que dou a metade de meus bens aos pobres, e, se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo [a lei romana impunha o quádruplo para todos os furtos].’ Jesus lhe disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa’” (Lc 19, 2-9).