Jesus compreendeu que «a mesa constitui sempre um dos fortes, se não o mais forte, alicerce das sociedades humanas. Constitui a melhor e a mais solene cerimónia que os homens acharam para consagrar todos os seus grandes atos, imprimindo-lhe um caráter de união e de comunhão”, segundo Eça de Queiroz. «A maneira mais poderosa que conhecemos de entender e compartilhar a vida uns com outros”, segundo Norman Wirzba. Assim inaugurou um novo tempo, pregando a inclusão de todos, em volta dessa mesa. Com amigos e inimigos, mulheres e homens, doentes e sãos, ricos e mendigos, santos e pecadores. Juntando escribas, fariseus, publicanos, samaritanos, zelotas. «[Eu] não vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento” (Lc 5, 32). O encontro, em volta da mesa, «era a oportunidade de uma transformação libertadora”, diz Dom José Tolentino Mendonça. Um espaço de ruptura com as tradições judaicas segregadoras. «Partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e gozavam da simpatia de todo o povo. E o Senhor acrescentava cada dia ao seu número os que seriam salvos” (At 2, 46-47). Ao comer com todos, Jesus rompe tabus sociais que mantinham as pessoas segregadas. E explicita seu projeto «preparando uma refeição igualitária para a multidão díspar”, palavras de Dom José Tolentino Mendonça, cristalizando «valores de igualdade e de aceitação”, ainda segundo ele. E tantas foram as refeições com Jesus, referidas no Novo Testamento, que disseram: «Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: ‘Eis aí um glutão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores’” (Mt 11, 19).
Jesus sentou-se à mesa com fariseus. «Uma experiência não de encontro, mas de confronto”, segundo Dom José Tolentino Mendonça, já que a maioria deles fazia forte oposição a suas pregações. Dizia Jesus: «Acautelai-vos do fermento — isto é, da hipocrisia — dos fariseus” (Lc 12, 1). Alguns se aproximavam por mera curiosidade. «Quem é este que até perdoa pecados?” (Lc 7, 49). Mas poucos o recebiam com simpatia. «Aproximaram-se alguns fariseus que lhe disseram: ‘Parte e vai-te daqui, porque Herodes [Antipas] quer te matar” (Lc 13, 31). Inclusive o fariseu chamado Nicodemos, «um notável entre os judeus. À noite, ele veio encontrar Jesus e lhe disse: ‘Rabi, sabemos que vens da parte de Deus como mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele’” (Jo 3, 1-2). Jesus esteve na casa de outro fariseu chamado Simão. «Um fariseu convidou-o a comer com ele. Jesus entrou, pois, na casa do fariseu e reclinou-se à mesa. Apareceu então uma mulher da cidade, uma pecadora. Sabendo que ele estava à mesa na casa do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume [‘um perfume de nardo puro, muito caro’ — Jo 12, 3]. E, ficando por detrás, aos pés dele, chorava; e com as lágrimas começou a banhar-lhe os pés, a enxugá-los com os cabelos, a cobri-los de beijos e a ungi-los com o perfume [...] Disse a Simão: ‘Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me derramaste água nos pés; ela, ao contrário, regou-me os pés com lágrimas e enxugou-os com os cabelos. Não me deste um ósculo; ela, porém, desde que entrei, não parou de cobrir-me os pés de beijos. Não me derramaste óleo na cabeça; ela, ao invés, ungiu-me os pés com perfume. Por essa razão, eu te digo, seus numerosos pecados lhe são perdoados, porque ela demonstrou muito amor” (Lc 7, 36-47). Esse episódio, conhecido como a Unção em Betânia, é contado pelos quatro evangelistas (Mt 26, 6-13; Mc 14, 39; Lc 7, 36-50; Jo 12, 1-8). São Mateus e São Marcos referem «uma mulher”; São Lucas a identifica como «uma pecadora”; e São João como Maria, irmã de Marta e Lázaro.
A mesa dos fariseus excluía todos aqueles que rejeitavam seus costumes de purificação e não cumpriam suas regras alimentares. Para eles, «a cozinha e a mesa eram entendidas como lugares preferenciais para estender a pureza ritual fora do templo”, segundo Dom José Tolentino Mendonça. Tal pureza «não era simplesmente um cuidado higiênico. Provinha do estabelecimento de uma fronteira (religiosa, moral...) nítida entre a ordem e a desordem, o ser e o não ser, a forma e a ausência dela, a vida e a morte”, ainda segundo ele. E Jesus foi cobrado por isso. «Enquanto falava, um fariseu convidou-o para almoçar em sua casa. Entrou e pôs-se à mesa. O fariseu, vendo isso, ficou admirado de que ele não fizesse primeiro as abluções antes do almoço. O Senhor, porém, lhe disse: ‘Agora vós, ó fariseus! Purificais o exterior do copo e do prato, e por dentro estais cheios de rapina e de perversidade! Insensatos! Quem fez o exterior não fez também o interior? Antes, dai o que tendes em esmola e tudo ficará puro para vós! Mas ai de vós, fariseus, que pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças, mas deixais de lado a justiça e o amor de Deus! Importava praticar estas coisas sem deixar de lado aquelas. Ai de vós, fariseus, que apreciais o primeiro lugar nas sinagogas e as saudações nas praças públicas! Ai de vós, porque sois como esses túmulos disfarçados, sobre os quais se pode transitar, sem o saber!’ Um dos legistas [escribas] tomou então a palavra: ‘Mestre, falando assim, tu nos insultas também!’ Ele respondeu: ‘Igualmente ai de vós, legistas, porque impondes aos homens fardos insuportáveis, e vós mesmos não tocais esses fardos com um dedo sequer!’ [...] Quando ele saiu de lá, os escribas e os fariseus começaram a persegui-lo terrivelmente, a cercá-lo de interrogatórios a respeito de muitas coisas, armando-lhe ciladas para surpreenderem uma palavra de sua boca” (Lc 11, 37-54). Aqueles que acompanhavam Jesus também não estavam preocupados em obedecer àquelas regras. «Alguns dos seus discípulos comiam os pães com mãos impuras, isto é, sem lavá-las” (Mc 7, 2). Fariseus lhe perguntaram: «Por que os teus discípulos violam a tradição dos antigos? Pois que não lavam as mãos quando comem.’ Ele respondeu-lhes: ‘E vós, por que violais o mandamento de Deus por causa da vossa tradição?’” (Mt 15, 2-3). E insistia: «Este povo me honra com os lábios, mas o coração está longe de mim. Em vão me prestam culto, pois o que ensinam são apenas mandamentos humanos” (Mt 15, 8-9). No fundo, «são cegos, conduzindo cegos! Ora, se um cego conduz outro cego, ambos acabarão caindo num buraco” (Mt 15, 14).
Os fariseus exigiam, também, que se guardasse rigorosamente o sábado — dia sagrado de descanso. Nesse dia, Jesus «entrou na casa de um dos chefes dos fariseus para tomar uma refeição, e eles o espiavam. Eis que um hidrópico [que sofria de hidropisia ou edemas] estava ali, diante dele. Tomando a palavra, Jesus disse aos legistas e aos fariseus: ‘É lícito ou não curar no sábado?’ Eles, porém, ficaram calados. Tomou-o então, curou-o e despediu-o. Depois perguntou-lhes: ‘Qual de vós, se seu filho ou seu boi cai num poço, não o retira imediatamente em dia de sábado?’ Diante disso nada lhe puderam replicar” (Lc 14, 1-6). E era sábado, quando passavam por plantações de cereais. «Os seus discípulos, que estavam com fome, puseram-se a arrancar espigas e a comê-las. Os fariseus, vendo isso, disseram: ‘Olha só! Os teus discípulos a fazerem o que não é lícito fazer num sábado!’ Mas ele [Jesus] respondeu-lhes: [...] ‘Digo-vos que aqui está algo maior do que o Templo. Se soubésseis o que significa: Misericórdia é que eu quero e não sacrifício, não condenaríeis os que não têm culpa. Pois o Filho do Homem é senhor do sábado” (Mt 12, 1-7). E «o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2, 27). Assim, «por conta dos conflitos em torno do sábado, foi deduzida a imagem do Jesus liberal. A sua crítica ao judaísmo do seu tempo seria a crítica do homem refletido, livre e racional a um legalismo ossificado, que no fundo significa hipocrisia e rebaixa a religião a um sistema servil, que inibe o homem no desenvolvimento da sua obra e da sua liberdade”, segundo Ratzinger.
Em outra ocasião, Levi [o publicano] «ofereceu-lhe então uma grande festa em sua casa, e com eles estava à mesa numerosa multidão de publicanos [que, normalmente, não obedeciam às regras de alimentação] e outras pessoas” (Lc 5, 29). E «os fariseus, vendo isso, perguntaram aos discípulos: ‘Por que come o vosso Mestre com os publicanos e os pecadores?’ Ele, ao ouvir o que diziam, respondeu: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médico, e sim os doentes. Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não o sacrifício’” (Mt 9, 11-13). Jesus foi, também, interpelado por discípulos de João Batista. «Vieram procurá-lo os discípulos de João com esta pergunta: ‘Por que razão nós e os fariseus jejuamos, enquanto os teus discípulos não jejuam?’ Jesus respondeu-lhes: ‘Por acaso podem os amigos do noivo estar de luto enquanto o noivo [o próprio Jesus] está com eles? Dias virão, quando o noivo lhes será tirado; então, sim, jejuarão’” (Mt 9, 14-15). Dirigiu-se, ainda, à casa de Zaqueu, «que era rico e chefe dos publicanos [...] Ele recebeu-o com alegria. À vista do acontecido, todos murmuravam, dizendo: ‘Foi hospedar-se na casa do pecador!’ Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que dou a metade de meus bens aos pobres, e, se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo [a lei romana impunha o quádruplo para todos os furtos].’ Jesus lhe disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa’” (Lc 19, 2-9).
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