A crítica de Abílio dos Reis. Verdade ou Consequência, de Jeff Wadlow, com Lucy Hale, Tyler Posey, Violett Beane, Hayden Szeto, Landon Liboiron, estreia esta quinta-feira, 19 de abril, nas salas portuguesas.


Há uma regra quase unânime nestas andanças: quando a promoção de um filme é feita à boleia da mensagem "DO PRODUTOR DE", é quase certo que vai sair asneira. Não é certo, mas na esmagadora maioria dos casos é isto que acontece. Especialmente em géneros como o "thriller" ou "terror". É uma espécie de regra de três simples do cinema. E foi assim que este filme chegou até nós. Dos produtores de "Foge" e "Fragmentado", chega-nos um thriller da Blumhouse Productions. 

Ora, quanto à produtora Blumhouse, para além dos dois supracitados, há outros tantos que tiveram amplo sucesso comercial, sendo disso exemplo as sagas Atividade Paranormal/Insidious, passando por "A Purga: Anarquia" (2014) ou até "Um Presente do Passado" (2015). Mais: fora do género assustador, a produtora fundada por Jason Blum ajudou a dar à luz "Whiplash - Nos Limites" (2014) que conquistou três Óscares. Ou seja, era legítimo esperar que este "Verdade ou Consequência" apresentasse as linhas que construíram o sucesso desses títulos. Até porque, em abono da verdade, goste-se ou não, ninguém pode dizer que não sabe ao que vai. Mas, como diria coloquial millennial, só que não.

A única coisa que acabou por revelar foram momentos de tédio, cenas altamente previsíveis, preguiçosas e mais do que desinspiradas. Não há como não pensar que a equipa por trás do "Ninja das Caldas" (2002), o "primeiro filme de ninjas português", com o mesmo orçamento (uns alegados 3,5 milhões de dólares), iria acabar nas famosas praias da Côte D’Azur debaixo da azafama da imprensa. E a crítica internacional bem que pode escrever mal do filme, que os produtores estão nem aí. Uma clique rápido pelo Box Office Mojo e chega-se facilmente à informação que este já arrecadou mais de 20 milhões de dólares. Está pago.

Realizado por Jeff Wadlow ("Kick-Ass 2: Agora é a Doer"), o filme é baseado na premissa de que o jogo verdade ou consequência passa os trâmites do conceito para a ameaçar a vida (real) dos jogadores, que inicialmente até se vão divertindo (e posteriormente chateando, vá).

Primeiro, começa tudo de forma muito inocente (um beijo aqui, uma questão mais incómoda ali); depois, começam a morrer pessoas. E é o salve-se quem puder porque há "alguém, ou alguma coisa", a querer punir os protagonistas principais, visto que se recusam a seguir as regras. Mas já lá vamos.

Verdade ou Consequência
Verdade ou Consequência créditos: © Universal Pictures

A história é simples. A narrativa segue Olivia (Lucy Hale, de "As Pequenas Mentirosas") e a sua melhor amiga Markie (Violett Beane, que interpreta Jesse Quick na série "Flash"). A primeira quer salvar o mundo e faz vídeos para a sua conta de YouTube de modo a ajudar a espalhar a mensagem de que é importante resguardar o ambiente; a segunda tem um ligeiro problema com a monogamia e em levar a cabo uma sobriedade que perdure a totalidade das festas que frequenta. Algures entre as amigas "para a vida", está o namorado de Markie. Ele é Lucas (interpretado por Tyler Posey da série da MTV "Teen Wolf"), o bonitão e os abdominais da trama. Pelo meio, há outras personagens secundárias que vão ajudar a desvendar e deslindar no Google e no Facebook (sim, é precisamente que isto que vai acontecer) o imbróglio que os vai tentar tramar, mas que a polícia não consegue por cobro. (Quando se escreve tramar, entenda-se por "aquilo" que os está a tentar matar.)

Pois bem, ainda no primeiro ato e antes de tudo isto, é-nos contado que Lucy quer concorrer para um estágio que a vai ajudar atingir os seus objetivos nobres e verdes. Só que os seus amigos (especialmente Markie) têm outros planos — que passam por passar uns dias na desbunda no México. Ainda assim, o enredo faz questão de nos mostrar que jamais se pode descurar daquilo que é beleza da amizade destas melhores amigas. Porque elas conhecem-se demasiado bem e sabem como uma ou outra reagem às adversidades que a vida lhes apresenta. E é por isso que Markie cancela o pedido de estágio de Lucy e esta é obrigada a ter que ir até às praias de Rosarito, enquanto alimenta a sua conta pessoal do Snapchat e bebe umas margaritas — relembramos que para ela isto é efetivamente um tormento porque queria estar a ajudar salvar o mundo.

O que vai ser um problema porque, precisamente na última noite de festejos daquele grupo de amigos durante a Spring Break [pausa no ano letivo na Primavera], Lucy conhece no bar o inóspito Carter, um estranho (embora jeitoso) que a convida a si e aos seus amigos para irem para uma igreja (abandonada num monte) jogar ao "Verdade e Consequência". (Peço encarecidamente que se dê o benefício da dúvida a estes jovens e ao que pairava na sua mente. É que se parece algo, digamos, perigoso e pouco recomendável, tenho que esclarecer que o convite só foi aceite após alguma relutância e discórdia entre os intervenientes. E, em sua defesa, a festa onde se encontravam tinha chegado ao fim e não queriam ir "tão cedo" para casa. Podia acontecer a qualquer um.)

Pois bem. Reunidos e a postos, já sentadinhos nas cadeiras plantadas no chão empoeirado de forma a perfazer um circulo, quais amigos a cantarolar à volta da fogueira, as primeiras questões começam a rolar e os primeiros desafios a serem lançados. De início, só coisa trivial e habitual deste tipo de jogos. "Tu estás apaixonada pelo namorado da tua melhor amiga", pedir a duas raparigas que se beijem ou mostrar virilidade e coragem através da amostragem dos genitais. Esse tipo de coisas. Normal. (Num contexto esperado para um filme.)

Até que é pedido a Carter que seja honesto quanto às suas intenções para com Lucy que conhecera umas horas antes num bar, durante as festas da Spring Break. E a resposta não podia ser mais aterradora, constrangedora e menos ortodoxa (num contexto esperado para um filme): "Estou aqui porque precisava de encontrar um grupo para continuar a jogar". E abandona o local. Ora, (compreensivelmente) cismada com a atitude, Lucy interpela Carter sobre aquilo que este acabara de dizer enquanto os amigos ameaçam acabar com o jogo e ir para casa. Carter, com ar melindroso, é que não está para aí virado e informa que é preciso continuar a jogar "porque o jogo os vai perseguir" e é bom que "respondam sempre à verdade" e que cumpram as "consequências" e desafios que o jogo, perdão, o demónio, incute.

A partir daqui é que o guião começa mesmo a patinar e desbravar caminho para a idiotice. E idiotice porque a totalidade das regras só são conhecidas com 70 minutos de filme, algo que não se pode encarar como plot twist, até porque não acontece algo realmente inesperado. É uma nuvem de confusão, de questões cujas respostas são aberrantes, óbvias ou ficam simplesmente por explicar. Tal pode justificar-se porque quase todas as personagens são caricaturas de estereótipos: há a promíscua que adora viver na linha ténue entre a luxúria e o que é socialmente aceite, o amigo gay reprimido pelo pai que desconhece a sua homossexualidade, o atleta, o certinho, o nerd e a virgem. O que não tem de ser uma coisa necessariamente má, mas aqui as personagens são desprovidas de propósito e coerência.

Verdade ou Consequência
Verdade ou Consequência créditos: Universal

E depois há o demónio. Durante a investigação de Lucy e os amigos para se livrarem da maldição (feita através do Facebook e no Google, e onde conseguiram dar com uma autocaravana, no meio do deserto mexicano, onde mora a idosa que tem TODAS as respostas, curiosamente a "menos de três horas" da casa que o grupo de protagonistas partilhavam) sabemos que dá pelo nome aterrador de Cálix. E Cálix não é mais do que a cópia do Duende Verde de Willem Dafoe no Homem Aranha (2003) de Sam Raimi. A melhor maneira de descrever Cálix é feita pela personagem Lucy: "ele apodera-se de nós e a nossa cara parece um filtro de Snapchat". E, sim: está entre aspas porque se trata de uma citação. E, posteriormente, é só imaginar a voz de Defoe no filme de Raimi e imaginar a careta por detrás da máscara verde e ficamos a saber o aspecto do vilão demoníaco de "Verdade ou Consequência".

Uma crítica da imprensa internacional realça que o filme tenta ser "O Último Destino" (2010) da geração que vive de mãos dadas com as redes sociais, mas falha redondamente nessa missão porque "se foca demasiado na exposição e não nos aspetos que excitantes que fazem com que se desfrute dos filmes de terror". Eu apontaria apenas que se trata de um filme sem grande alicerce entre história, personagens ou guião. E que alguém se entusiasmou demais ao ver o "Vai Seguir-te" (2014) de David Robert Mitchell. Porque caso estivesse eu próprio a jogar ao "Verdade e Consequência", sob penitência de ir para debaixo dos Sete Palmos de Terra (qualquer desculpa serve para relembrar a série de Alan Ball) era obrigado a ter dizer que este filme se baseia numa premissa estupidamente semelhante (basta substituir o sexo de um pela criatura que domina o jogo noutro), mas que falha miseravelmente em tudo o resto.

Mais: na autoria do argumento que dá origem ao filme constam quatro nomes. A ideia original é de apenas um (Michael Reisz), mas outros três ajudaram na missão de datilografar e compor o guião final. Não dois, não três, mas quatro. Até podia ter resultado numa coisa engraçada. Só que não é. E, mal ou bem, ninguém entra numa sala de cinema para um título cujo nome é a "A Verdade ou Consequência" a pensar que vai para o visionamento de um vencedor de uma série de prémios internacionais.

No fundo, foi regressar ao secundário e a um trabalho de grupo mal-amanhado. Daqueles em que os professores nos obrigam a juntar em grupos de quatro e o líder faz a sábia divisão das tarefas a desempenhar: "tu fazes a introdução, eu e o Zé o corpo, e o João faz a conclusão". Depois, na data previamente estabelecida pela figura maior da sala de aula, acontece aquela apresentação perante a turma sob a forma clássica da exposição oral de 3 minutos e meio divididos por cada um dos intervenientes (e onde o desempenho é reflexo do esforço — ou falta dele — de cada um dos visados).

Todavia, ainda que assim seja, não menos legítimo, pelo menos no que a este que escreve concerne, será entrar para a sala escura com a expectativa de ver uma coisa que lhe alegre por duas horas. Porque às vezes há que se ver um filme pelo simples facto do regozijo que se tem ao ver uma história no grande ecrã. Pode ser um filme parvito, uma comédia romântica fanfarrona adaptada de um livro, ou simplesmente robôs gigantes a tentarem arrancar a cabeça do primo afastado de um Dragão de Komodo que cospe fogo e que por por acaso não é ele próprio menos gigante. Enfim, fosse o que fosse, mas que servisse esse propósito. Infelizmente, este "A Verdade ou Consequência" nem para entrar nessa categoria serve.