Oiça o episódio sobre "Air" na íntegra:

"Air" é o tipo de filme que, além de se confundir com uma aula de Marketing nostálgica capaz de captar a atenção até do aluno mais distraído, lembra também que um calçado nunca é bem só um calçado. Realizado por Ben Affleck e protagonizado por Matt Damon (juntamente uma fileira de excelentes atores secundários como Viola Davis, Jason Bateman ou Chris Tucker), é a história dos bastidores de como o casamento feliz entre Michael Jordan e a Nike revolucionou o mercado global das sapatilhas desportivas com a marca Air Jordan.

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Volvidas várias décadas, reconhecemos a Nike e a Air Jordan como sinónimo de sucesso garantido e à escala planetária. No entanto, nos anos 80, as coisas não eram bem assim. Aliás, como realça o trailer, as pessoas não sabiam sequer o que era a Nike, nem esta tinha "nada de cool"no basquetebol, a marca de referência era a Converse e a Adidas andava lá perto; a Nike era só a terceira opção a nível nacional e as vendas do seu calçado desportivo estavam em queda. Situação que mudou quando Sonny Vaccaro (Matt Damon) entrou para a a empresa, viu o que ninguém ainda tinha visto no novato dos Chicago Bulls e "apostou a carreira" profissional" no seu tremendo potencial. Foi um enorme risco para todos os envolvidos porque o que ofereceram ao eterno número 23 foi surreal e não era, de todo, a norma (nem hoje há muitos assim).

Mas convém lembrar o risco que se correu: na altura, Michael Jordan era um jovem de apenas 21 anos, acabado de chegar à NBA e ninguém conseguia dizer com confiança que ia ser o que foi (para muitos o melhor de todos os tempos). Ninguém duvidava do bom jogador que provavelmente seria, mas Vaccaro viu em Jordan um fenómeno à escala global graças ao seu mindset aniquilador e à sua personalidade feroz. E com ajuda de um departamento de basquetebol e a visão intransigente de uma mãe com uma fé inabalável no filho (Viola Davis em modo incrível), Vaccaro convenceu Jordan a esquecer a Converse e a dar início à relação mais importante de sempre entre uma marca e um atleta (em 1984, Michael Jordan passou a receber três vez mais do que qualquer outro jogador da NBA por este tipo de patrocínio).

Para nos ajudar a recordar este negócio e a perceber a sua importância na história (empresarial e não só) ou se existem narrativas com empresas portuguesas que podiam resultar num bom filme como este da Air Jordan, voltámos a fazer uma parceria com o The Next Big Idea (TNBI) e conversámos com Rute Sousa Vasco, uma das fundadoras da MadreMedia, empresa responsável pela produção do TNBI, programa sobre inovação com transmissão na SIC Notícias e que há mais de 10 anos conta o que de melhor se faz no mundo empreendedor em Portugal.

Será que nos levamos demasiado a sério?

Será que — enquanto país — nos levamos demasiado a sério para contar este tipo de histórias? Talvez. "Air" tem muito humor, é contado de uma forma muito peculiar. Há inclusive um certo exagero, até porque na cultura norte-americana existe muito a máxima de contar uma história para entreter o espetador, e não de fazer propriamente um documentário.

Sobre este assunto, Rute Sousa Vasco considera que temos um bom exemplo recente, na cultura, ainda que no campo da literatura. "Morreu recentemente o Rui Nabeiro e tivemos um livro escrito pelo José Luís Peixoto, que se chama 'O Almoço de Domingo', escrito nos 90 anos do Rui Nabeiro e não é uma biografia. Não é um livro institucional do Rui Nabeiro, é uma ficção, um romance, que teve a concordância e a participação da família, mas que é uma criação literária e acho que por isso tem um impacto diferente", lembra.

Porém, no que diz respeito aos filmes (ou a falta deles), considera que é mais complicado existirem e dá a sua opinião quanto ao porquê: "as empresas [portuguesas] levam-se muito a sério e têm muita dificuldade em que outros olhares as vejam porque querem a sua história contada à sua maneira".

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Um problema de mentalidade?

O problema desta situação, desta história "à sua maneira", é que no final não há uma representação daquilo que acontece realmente na vida de uma empresa. "Não há momentos maus, não há enganos, não existem erros, não há falhas humanas. E como nós sabemos, as empresas são sobretudo humanas", reflete a criadora do The Next Big Idea, enfatizando que esta é só parte do problema e da resposta à falta de conteúdo tipo "Air" com selo português. A outra tem que ver com a mentalidade — ainda que esta esteja a mudar com o crescimento e notoriedade das novas startups.

"O país ao fim de 50 anos ainda não recuperou aquela que é a sua relação com o que são as empresas. Já é tempo. Acho que hoje em dia com as startups, não por serem as startups, atenção, mas apenas porque estas vieram romper com o estigma de que são 'sempre os mesmos'. Sempre os mesmos a criar empresas; são os grandes banqueiros, os grandes industriais. Não são. Não digam isso às 3.000 mil startups que surgem todos os anos, das quais 90% morre, que são os mesmos", conta.

Existem boas histórias para contar

Na opinião de Rute Sousa Vasco, em Portugal, existem histórias que merecem ganhar vida no pequeno ou grande ecrã. São interessantes e importantes para isso. A responsável pelo The Next cita algumas; umas mais recentes, outras nem tanto. Mas se hoje falamos em "Air" e em maio vamos provavelmente falar do nascimento do telemóvel Blackberry que vai ter um biopic, a realidade é que podíamos estar a contar a história dos cartões de telemóvel pré-pago.

"Não sei se muitos terão consistência disso, mas os cartões pré-pago para telemóvel são um produto criado em Portugal, é uma invenção portuguesa", salienta, justificando que se trata de uma história de negócio,  criatividade e inovação "que merecia ser contada".

Mas há outros exemplos de inúmeras e boas histórias que Portugal tem para contar. "É o caso da Via Verde" ou da situação "na cortiça", em que "éramos o tipo das rolhas que teve de diversificar". Ou, até, de algo que Portugal exporta muito e goza de elevada reputação internacional. "E sobre vinhos? Temos filmes sobre vinhos na Itália, em França. Os vinhos na Califórnia são todos incríveis e há romances maravilhosos, apaixonadíssimos. E nós não temos um belo filme sobre uma coisa que é tão importante para nós", remata.

Este episódio está disponível na íntegra no podcast Acho Que Vais Gostar Disto, disponível nas plataformas habituais.