Polémicas e opiniões à parte, a emblemática e histórica Praça de Touros do Campo Pequeno, datada de 1892, foi batizada de Sagres Campo Pequeno.

Palco de toureiro a pé, atos heróicos de forcados e lides a cavalo, o imóvel público afeto à Casa Pia de Lisboa e declarado de interesse público (1983), tem, nos últimos anos, assistido a uma transmutação gradual da arte que se vê e se respira. Os “olés” estão, paulatinamente, a dar lugar aos encores, e as luzes do telemóvel projetadas sobre os artistas sobrepõem-se às flores e peças de roupa lançadas para o meio da praça, em jeito de reconhecimento.

O anúncio oficial de alteração do nome da histórica Praça de Toiros coincidiu com o dia de apresentação da programação de 2023 para a arena que também é uma sala lisboeta de espetáculos.

“É uma ligação de longo prazo”, explicou ao SAPO24, Álvaro Covões, empresário que detém a gestão do Campo Pequeno, fundador da Everyting Is New, “dono” do Coliseu dos Recreios e o homem por detrás do NOS Alive, entre outros eventos musicais.

“Na cultura, não falo de dinheiro, nem de tempo”, respondeu ao ser questionado sobre os valores envolvidos no negócio com a marca da Central de Cervejas. “O naming é fundamental” para a sobrevivência das salas de espetáculos, garantiu. “O melhor apoio que as salas de espetáculo podem ter é o naming das salas. É um fenómeno mundial”, realçou.

A cultura não pode ser só pública, tem de ser pública e privada como é em todo o mundo”

A temporada foi inaugurada pelos The Kooks. Daqui para a frente surgem nomes, entre outros, de Chico Buarque, de regresso a um palco onde já atuou, Jorge Palma, Pixies, Bárbara Tinoco, Marco Paulo, bem como o musical “Cats”.

O estado da cultura serviu de pretexto para uma conversa com o fundador da Everthing is New. “As salas de espetáculos parecem estar em vias de extinção. Há 50 anos que não se constrói uma sala privada em Portugal, pelo menos com uma certa dimensão. E atenção, não tem de ser para seis mil pessoas”, alertou.

Em Portugal, “as salas de cultura, 90 por cento são públicas”, reforçou. “Nos últimos 50 anos perderam-se 30 equipamentos de cultura e criaram-se três ou quatro”, lamentou. Vira a bússola para a capital do país. “Em Lisboa, por exemplo, as que apareceram são todas públicas. CCB, Teatro Camões e Pavilhão Atlântico (hoje Altice Arena)”, exemplificou.

Detém-se nas salas na capital. Pura e simplesmente desapareceram e deram lugar a outras realidades. “O Cine-Teatro Odéon vai virar apartamentos e restaurante de luxo. O Cine-Teatro Paris, condomínio de luxo, o cinema Império, está lá uma igreja, o cinema Londres virou McDonald’s e o Olympia, do La Féria, que pensava manter aquele espaço, mas com bilhetes a 20 euros é impossível, será um hotel”, lamentou.

Continuou a pingar lamentos. “Somos a única capital europeia sem uma sala emblemática. Madrid, Londres, Paris e outras cidades mantiveram essas salas”, comparou. “Se formos a uma cidade como Madrid, provavelmente 90 ou 95% das salas de espetáculos são privadas e têm naming”, destacou.

“A cultura não pode ser só pública, tem de ser pública e privada como é em todo o mundo”, disparou. “É preciso trazer as empresas para a cultura, não pode ser só o Estado”, frisou o empresário.

Colocou no centro do palco da conversa a Lei do Mecenato, patrocínios e apoios. “Espero que a Lei do Mecenato seja um dia mais favorável às empresas”, sublinhou Álvaro Covões. “O mecenato é fundamental”, reforçou. O “dono” do Sagres Campo Pequeno não esquece a necessidade de um papel mais ativo da sociedade civil. “Não podemos estar à espera que seja o Estado e o Ministério da Cultura a resolver tudo”, rematou.

Um propósito subjaz nesta caminhada de aproximação do setor privado à cultura. “Tornar a cultura mais acessível e fazer com que os portugueses frequentem mais a cultura”, defendeu Álvaro Covões, considerando que "um povo mais culto é mais livre e mais rico".