Joni é um velho amigo de Zezé e Toni (personagem do projeto inicial “Conversa da Treta”, protagonizada por José Pedro Gomes e António Feio) que, durante quase 30 anos, “andou escondido a fazer Erasmus, em Almada”, disse Aldo Lima, sem deixar de sorrir, à imprensa, num ensaio dias antes da estreia.
Joni é um ‘enfluencer’ que ganha a vida a fazer vídeos para o “TokTok e o Instafei”.
Com uma linguagem repleta de erros de português — Constituição surge como Constitucionalização, Reforma Agrária como Reforma Algália e Revolução dos Cravos como Revolução do Catos – Zezé e Joni surgem sentados numa cadeira, de onde pontualmente se vão levantando, preenchendo parte do palco.
Com um MBA (‘Master Business Admiration’, na versão da peça) em Inteligência Artificial, Joni pretende constituir um novo organismo, SNE (Serviço Nacional de ‘Enfluencer’), que obrigaria à criação de uma nova secretaria de Estado.
Já Zezé parece não ter dado pela passagem do tempo: surge com os mesmos valores, sem admitir que agora “elas possam ser eles e eles possam ser elas”, mantendo-se firme e orgulhoso na defesa de uma família tradicional — “um homem, um bigode, uma mulher e as hipotecas, que são os filhos”.
Questionados sobre se ainda há “muita treta” para falar, José Pedro Gomes responde: “Então não há. Claro que há”.
“E vai havendo cada vez mais. É só uma questão de a gente parar um bocadinho e sentarmo-nos […] com os autores e a produtora para vermos o que é que temos para fazer, E há sempre coisas novas, sim”, riposta aos jornalistas, no final de um ensaio da peça para a imprensa.
Temas que não existiam ou “existiam muito superficialmente” nas últimas ‘tretas’ compõem o ‘menu’ da peça, entre os quais o mundo digital. Ou a igualdade de género, tema batido na peça sem que os atores “se responsabilizem por nada”.
“Eu não me responsabilizo por nada, era o que me faltava, agora anda toda a gente a assobiar para o lado e eu é que ia resolver? Não, eu e o Zé somos atores; tocamos no assunto, só isso”, sublinhou Aldo Lima, ao que José Pedro Gomes acrescentou: “Exatamente”.
E tocam neste assunto e noutros “como personagens”. “Nem sequer é pessoalmente; é como personagens”, respondem, acrescentando tratar-se de uma forma de “chamar a atenção para as coisas” ao mesmo tempo que as “desmantelam”.
“Nós aqui falamos e abordamos o tema sem qualquer complexo, e pomo-nos no lugar de vários tipos de pessoas que existem na nossa sociedade”, observou Aldo Lima.
É o caso de Zezé, que não está a par de certas coisas que se passam na sociedade atual, já que é uma personagem para quem tudo parece estar igual.
Já Joni, oriundo do mesmo bairro que Zezé, estudou, pelo que cabe-lhe mostrar a Zezé as alterações sociais a que este passou ao lado.
Questionado sobre se sobre estas questões “estranha-se e depois entranha-se”, Zezé admitiu que tal aconteça de forma parcial.
“Há coisas que não dá para entranhar, que eu recuso liminarmente. Não, não, isso não cabe na cabeça do Zezé determinadas coisas. Então agora elas podem ser eles e eles podem ser elas? Eu não admito isso”, frisou, mostrando-se orgulhoso de ter uma “família tradicional”.
Como explicar que a “Mimi agora se chama João, a Giselle se chama Ramirão ou o Rolhas, o filho do Tó Caricas, agora se chama Giselle” são alguns dos exemplos citados por José Pedro Gomes que darão tema no espetáculo e que são levados para o palco “para serem vistos de uma maneira mais leve”.
Sobre o facto de a saga das ‘tretas’ já ir em várias temporadas – começou em 1997 com “Conversa da Treta” e, já depois da morte de António Feio, em 2010, foi dando lugar a “Filho da Treta” e “Casal da Treta”, José Pedro Gomes afirmou que é “muito bom”, tratando-se sempre de “um novo desafio”.
“Fã incondicional” de “todas as ‘tretas’, desde o início”, também Aldo Lima está muito feliz por protagonizar o espetáculo, até porque “este é diferente de tudo” o que já fez com José Pedro Gomes, com quem já leva cerca de 15 anos e mais de seis ou sete espetáculos de contracena.
“É um daqueles sonhos que tempos” e que surgiu de uma forma muitos simples quando os atores estavam a conversar, depois de terem protagonizado “A ponta do Nariz” e José Pedro Gomes lhe disse: “E se fizéssemos uma treta”.
Com textos de Filipe Homem Fonseca, Mário Botequilha e Rui Cardoso Martins, desenho de luz de Luís Duarte e música Alexandre Manaia, a peça estará em cena de quinta-feira a sábado, às 21h00, e, ao domingo, às 18h00, até 13 de outubro, e, às 17h00, a partir de 20 de outubro.
Na quarta-feira, às 21h00, haverá um ensaio solidário, com a receita de bilheteira a reverter para a Casa do Artista, em Lisboa.
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