Na base deste ciclo está a “transformação sociológica” que levou a que “a ideia de cinema para as novas gerações tenha deixado de ser conotada só com as salas de cinema”, explicou o diretor da Cinemateca, José Manuel Costa, durante a apresentação, hoje, da programação da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, para a temporada 2017/18.
O ponto de partida assenta em duas perguntas: o que acontece às cidades quando perdem as salas de cinema, ou as redes de salas nas grandes metrópoles, e o que acontece ao cinema quando as salas de contacto com o público desaparecem e o cinema passa a ser uma experiência isolada e individual através das novas tecnologias?
Estas questões subjazem ao colóquio, aos debates e ao programa de filmes que, no conjunto, perfazem perto de uma centena, entre longas e curtas-metragens, divididos em 46 sessões.
De acordo com Joana Ascensão, responsável pela programação deste ciclo, há 13 filmes que mostram especificamente a transformação do relacionamento com as salas de cinema (estes filmes estão mais diretamente ligados ao colóquio) e há outros, a maioria, dedicados a cidades específicas, em que estes espaços urbanos e as suas ruas são os protagonistas.
Percorrendo várias datas e correntes artísticas, que vão da Nouvelle Vague dos anos de 1960, ao cinema contemporâneo, do neorrealismo ao cinema experimental, o ciclo reúne “um conjunto de filmes que pensam as cidades como protagonistas e as vivências das ruas”.
São disso exemplo “Roma, Cidade Aberta” (1947), de Roberto Rossellini, “Roma” (1972), de Federico Fellini, “Manhattan” (1979), de Woody Allen, ou “Berlim 10/90” (1990), de Robert Kramer.
O ciclo “O Cinema e a Cidade” abre a programação, no dia 02 de setembro (sábado), com uma sessão contínua, que começa com “Manhatta” (1921), de Paul Strand e Charles Sheeler, e “Metrópolis” (1927), de Fritz Lang, a que se segue “Los Angeles Plays Itself” (2003), de Thom Andersen, e, a terminar, na esplanada da Cinemateca, o filme “Il giorno dela prima di Close Up” (1996), de Nanni Moretti, associado ao “Playtime (1967), de Jacques Tati. A fechar o dia inaugural, o público é desafiado a ficar para jantar.
O programa conta ainda com uma série de outros filmes de referência, uns mais conhecidos do que outros, como “Berlim, Sinfonia de uma capital” (1927), de Walter Ruttmann, “Vontade Indómita” (1949), de King Vidor, com ligação à arquitetura de Frank Lloyd Wright (nascido há 150 anos), “O Acossado” (1960), de Jean-Luc Godard, “Eureka” (1974), de Ernie Gehr, “Taxi Driver” (1976), de Martin Scorsese, “Blade Runner” (1982), de Ridley Scott, “As asas do desejo” (1987), de Wim Wenders, ou “Helsinki Ikuisesti" (2008), de Peter Von Bagh.
O colóquio decorrerá nos dias 28 e 29 de setembro, na sala M. Félix Ribeiro, reunindo investigadores das duas áreas em causa, para refletir sobre a “mutação profunda [da relação do cinema com a cidade], que nos atinge a todos e que não é resultado de uma vontade individual”, disse José Manuel Costa.
“Não se trata de um ato de nostalgia, de lamentar e evocar nostalgicamente uma era em que o cinema era uma experiência coletiva de sala de cinema, mas achamos que é urgente falar sobre o que de concreto está a acontecer nas cidades portuguesas e que não é igual ao que acontece noutros países, nomeadamente da Europa, onde a destruição do parque de salas não é tão radical”, afirmou.
José Manuel Costa considera que não se voltará a ter as salas de cinema com a dimensão que tiveram no século XX, mas sublinha que “a arte do cinema perdura” e, não podendo voltar atrás, é possível trabalhar num conjunto de ações concretas para “encontrar formas dignas de dar às populações condições” de verem cinema em salas, que não sejam atiradas para centros comerciais de periferia.
Quanto aos debates descentralizados, a intenção é levá-los a outras salas de cinema, dentro e fora de Lisboa, de acordo com um planeamento progressivo a realizar em conjunto com entidades várias no território nacional.
“Estamos abertos a propostas que nos desafiem a ir a outros lugares”, prolongando este debate, afirmou o diretor da Cinemateca.
Segundo José Manuel Costa, com estes debates, pretende-se também discutir “como podemos, com a mutação tecnológica, transmitir às próximas gerações o património cinematográfico do século XX, a arte que muito provavelmente mais representou o século XX”.
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