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Diz-se que é de manhã que se começa o dia e, mesmo para aqueles que trabalham mais à noite, o ditado não é exceção.
São 10h00 e as portas da icónica Geladaria Pintado, situada na movimentada Rua dos Pescadores, na Costa da Caparica, já estão abertas. Lá dentro, ainda se prepara tudo para o dia soalheiro que se avizinha. Monta-se a esplanada, repõem-se as cubas dos gelados no expositor e organiza-se tudo o resto, desde os copos aos cones.
Quem manda na casa é Paulo Rosário, responsável pela Geladaria Pintado desde 2005.
"Comecei a fazer gelados no ano 2000. O senhor Pintado, que foi o fundador desta loja em 1986, é que me ensinou", conta ao 24notícias.
Fernando Pintado foi o criador desta que é uma das lojas mais antigas da Costa da Caparica e que ao longo dos anos se tornou um clássico. Pelas ruas da pequena cidade, é difícil encontrar algum "caparicano" que nunca tenha ouvido falar dos gelados do Pintado.
Pandemias, apagões e invernos
Quase 40 anos depois, cá estão. As mesas da esplanada continuam cheias e os gelados são cada vez mais populares. No entanto, nem sempre foi fácil e para quem vende gelados durante o ano todo, o frio não perdoa.
"Ainda estamos aqui. Atravessámos pandemias, apagões, invernos. Faz parte", diz Paulo.
A pandemia foi, talvez, o pior momento que o negócio atravessou nos últimos tempos. Paulo admite que passaram "um mau bocado", uma vez que os clientes não se podiam sentar na esplanada, devido às restrições de saúde impostas na altura.
"Afastámos alguns clientes. Isto não é a típica geladaria de Lisboa, em que as pessoas pegam no gelado e seguem. Nós temos um serviço, temos crepes, temos taças. As pessoas têm de se sentar para comer essas coisas".
No inverno, as portas mantém-se abertas, mas o horário é muito mais reduzido — abrem ao 12h00 e fecham às 20h00, ao contrário do verão em que funcionam das 10h00 à 00h00.
"Antigamente ainda fazíamos noites de inverno, mas com a inauguração do Almada Fórum, em 2002, deixámos de fazer. As pessoas que vinham passear à noite, mesmo quando estava frio, passaram a ir para lá. Agora já são só os teimosos que vêm apanhar ar à noite", recorda.
Nos meses de verão, aqui produzem-se cerca de 180 litros de gelado por dia. Em contrapartida, Paulo revela que vende no mês todo de novembro a mesma quantidade de gelados que vende num dia de agosto.
"Novembro e dezembro são maus. Em janeiro, se os fins de semana forem bons, a gente já cobre as despesas. A partir de fevereiro, andamos sempre a jogar com o tempo. Já parecemos os pescadores e os surfistas", conta.
Paulo costuma dizer que só tem descanso quando a hora muda — no último fim de semana de outubro. E depois, começa a ter desassossego quando a hora volta a mudar, em março.
Segundo o mesmo, este ano, têm batido recordes "como o caraças". "Este ano aumentou muito e vai continuar durante setembro e outubro. Estando calor isto não para, é um negócio de calor".
Seguidores? Só no TikTok
À medida que se aproxima o fim de um verão duro, Paulo admite estar cansado. Afinal, já são 25 anos a fazer gelados.
"Estou numa fase em que queria ver se via aqui um seguidor. Mas não estou a ver ninguém, seguidores só no Instagram e no TikTok. Então não sei como é que isto vai ser", diz entre risos.
Paulo começou a trabalhar com Fernando Pintado em 1988, numa outra loja no Centro Comercial Caparica Oceano. Tinha 35 anos quando foi convidado a mudar-se para a Geladaria Pintado, para fazer parte da sociedade.
"Ele teve de se afastar porque foi operado à coluna, e isto é um trabalho que exige muito esforço físico. Como eu já sabia como é que isto funcionava, propôs-me ficar aqui e dar seguimento à loja", conta.
Ao longo dos anos, Paulo teve de puxar pela criatividade para se destacar, uma vez que a geladaria fica numa rua onde não falta competição. As ideias foram surgindo, e apesar da tradição ainda reinar por estes lados, o que não falta são gelados fora da caixa.
"Eu tenho aqui taças de gelado emblemáticas que já têm anos, é o caso da cassata e da sanduíche gelada", explica.
Do chocolate do Dubai à caipirinha do Brasil
A sanduíche gelada foi uma das sobremesas que ganhou uma nova versão este ano — a sandes de gelado de chocolate do Dubai.
Feita com gelado de chocolate e um creme de pistache crocante, esta versão moderna da icónica sandes de gelado abriu portas aos mais novos para conhecer uma das tradições da casa.
"Foi uma criação deste ano. Ainda ontem vendi duas a um casal espanhol e fui lá saber o que é que acharam. Disseram que era muito boa, é o que tenho ouvido".
A inovação não para no Dubai. Aqui, a escolha não é fácil para os mais indecisos. Entre os gelados expostos é possível encontrar variedades como gelado de caipirinha, arroz doce, Cerelac — e algo rotulado como "não sei".
"Este gelado foi criado há quatro ou cinco anos, porque muitas vezes perguntamos qual é o sabor e o número de bolas, e a resposta é 'não sei'. Então nem esse público que não sabe sai daqui sem comer um gelado", explica.
Gelados para todos
Na montra, há ainda gelados sem açúcar, sem lactose e, em breve, sem glúten.
"Os gelados sem açúcar foram pensados para os diabéticos. Tenho miúdos que tomam insulina que vêm cá desde pequeninos. É o mesmo com os gelados sem lactose", nota.
Além da variedade, todos os gelados são também caseiros. A loja conta com uma fábrica, nas traseiras, onde todos os dias são preparados litros e litros de gelado.
"Fazemos o ponto de caramelo no fogão para o gelado de caramelo, as polpas para os gelados de fruta, mas estamos sempre a aprender. Quando surgiu o gelado de figo da Índia, fomos apanhá-los e, ao descascá-los, piquei-me todo. Andei dois dias a tentar tirá-los, mas agora já sei uma técnica, que é escaldá-los. Tudo é uma aprendizagem", conta.
Paulo admite ser muito exigente com o seu paladar e acredita que isso justifica a dedicação com que prepara os 40 sabores que estão disponíveis.
"Os gelados industriais são muito insuflados, pesam pouco. Quem pegar num cone com uma bola de gelado aqui sente o peso."
Morango, baunilha ou chocolate?
Este ano, o gelado de Cerelac viralizou nas redes sociais e, desde então, pessoas de todas as idades têm vindo à procura da iguaria.
Mesmo com as modas do gelado de Cerelac, Oreo, Kinder e caramelo salgado, Paulo revela que nada supera os clássicos.
"Não há nada que bata o morango, a baunilha e o chocolate. Temos muitos clientes antigos que se sentam e nem tem paciência para vir ver a montra. Quando pedem um banana split e vamos tirar os sabores das bolas de gelado, esses são os três primeiros que vêm à cabeça".
A prova disso são os números.
"Temos de ter sempre em stock dez cubas de chocolate, dez de morango e dez de baunilha. Todos os outros sabores basta de duas a quatro", admite.
O que também parece estar na moda são os sorvetes, nomeadamente entre os mais jovens.
"Eu trabalho é para os jovens. Estou sempre atento à malta nova e gosto de falar com eles porque têm-me ensinado bastante. Estão sempre com ideias e são muito criativos".
Ainda assim, há coisas que nunca mudam. "Têm aparecido aí muita gente a pedir para gerir isto nas redes sociais. Eu nunca quis nada disso, o meu foco é o gelado. Sou um operacional, não um administrativo", conta Paulo.
A Geladaria Pintado tem atravessado gerações, e olhando para o futuro, não há sinais de que a tradição abrande. "Vieram cá os avós, os filhos e agora vêm cá os netos".
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