É com muito agradável estado de espírito, eufórico, festivo, que tenho a honra, o prazer e… a imodéstia (Caramba! Não tenho currículo, idade e pretensões de santidade…) de vir informar urbi et orbi e a todas e todos, ora mencionados - amigos, leitores, estimadas colegas, caros condiscípulos dos cursos académicos, atónitos desconhecidos, jovens deslumbrantes e simpáticas da minha especial afeição, velhas e atraentes tias das várias linhas dos Estoris e Algarves, garridas tricanas da beira-mar, esbeltas moças dos Tabuleiros nabantinos, lindíssimas, adoráveis, brasileiras que, comigo, partilharam os bancos da universidade, alcoviteiras da borda-d’água, amigos da onça, inimigos (poucos, mas de primeira apanha), invejosos enfurecidos, parentes muito afastados a quem hoje atribuo o pomposo título de ex-familiares - que, para satisfação e alegria de uns e chatice e muita ralação de outros, hei, hoje, dia 5 de julho de 2017, aos 85 anos de idade, ultrapassado a condição de Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas (que mantinha desde Dezembro de 2012) e sido admitido pelas Universidades de Aveiro e do Minho, no grau académico de Doutor em Estudos Culturais, com aprovação por unanimidade do júri do respectivo acto doutoral.

É assim que Brasilino Godinho, 85 anos, abre um texto que partilhou com amigos e familiares ao final do dia 5 de julho. Partilhou-o depois de concluir o doutoramento em Estudos Culturais pela Universidade de Aveiro, com a tese “Antero de Quental: um Patriotismo Prospectivo no Porvir de Portugal”, que Brasilino quer que seja um trabalho de “exaltação da pessoa e obra de Antero de Quental, insigne poeta, extraordinário pensador, grande patriota e figura maior da História de Portugal”.

Depois de chamadas perdidas e desencontros, finalmente conseguimos falar com Brasilino - por correio eletrónico. Em entrevista ao SAPO24, fala-nos de quem era, de quem é e de quem quer ser.

Quem era o Brasilino antes de, aos 77 anos, decidir fazer uma licenciatura? 

Não começa mal a apresentação das perguntas…

Pergunta difícil de responder. Simplesmente porque tenho dificuldade e repulsa em ajuizar a minha pessoa.

Mas, por ser solicitado e admitindo suscitar algum interesse público, direi que antes dos 77 era o homem que sou hoje; abstraindo a valorização cultural e social que em mim se foi operando nos últimos oito anos de frequência dos cursos de licenciatura e de doutoramento – este concluído ontem, dia 5 de julho de 2017.

Um cidadão que sempre se preocupou em cumprir os deveres inerentes à sua condição humana e qualificação cívica no seio da sociedade portuguesa.

Sintetizando: alguém que tem por norma de vida ser sempre igual a si próprio; certamente com qualidades que procura aprimorar e com defeitos que intenta corrigir ou eliminar – sem veleidades de atingir a santidade…

Porquê as Letras? 

O doutoramento na área dos Estudos Culturais decorreu da natural apetência pelas humanidades e na sequência de um largo percurso cultural e literário.

Cronista em vários jornais durante dezenas de anos e com dois livros de poesia e um ensaio publicados, a opção estava há muito inscrita na mente.  

"Terei aprendido mais na universidade da vida."

O que é que aprendeu na licenciatura? 

A licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas, concluída em dezembro de 2012, aprofundou os conhecimentos adquiridos a partir da adolescência como autodidata empenhado em se cultivar e atuar no campo das ciências sociais e nas áreas literária e jornalística.

Aprendeu mais com a vida ou com o ensino superior? 

Pelo que expus nos antecedentes dá para perceber que terei aprendido mais na universidade da vida.

Assinalo que acedi à Universidade mediante a prestação de provas, ao abrigo do processo de Bolonha, que foram classificadas com a média final de 17 valores – o que confirmou a capacidade que tinha para ingressar numa universidade exigente como é a Universidade de Aveiro.

Como é ser mais velho que o professor? 

Não tem nada de especial. Desde que haja a mútua compenetração dos papéis que cabem ao docente e ao discente e do respeito que deve pautar as relações entre ambos.

O que é que aprendeu com os colegas mais jovens? 

No convívio com o semelhante qualquer que seja a idade aprende-se sempre qualquer coisa: seja de ordem material seja de natureza subjetiva ou moral.

No meu caso tratou-se de algo interessante no espaço de relacionamento entre gerações.

Quem são os jovens de hoje? 

Julgo que os jovens de hoje, se não diferem na ordem biológica, também não diferem substancialmente noutras áreas comportamentais e de estar que se possam considerar acentuadamente diferentes dos jovens da minha geração. A natureza dos humanos não sofreu grandes mutações.

O que se nota é que alguns têm liberdades e procedimentos (cabarés, drogas, alcoolismo e outros vícios) que agora estão mais vulgarizados. E isso deve-se a novos e deprimentes estados de abastardamento da Moral, da Educação e da degradação do conceito de família, criados no seio das sociedades modernas. Os jovens portugueses, englobados no descrito quadro, são vítimas de uma sociedade em evolutivo processo de degenerescência moral e cívica

Porquê o traje académico?

Respondo à pergunta invertendo os seus termos: Porque não o traje académico?

Aliás, é o traje típico e bastante representativo da academia aveirense.

Também por satisfação e cumprimento de uma promessa que houvera feito a mim próprio de que um dia usaria de direito o traje académico, quando na adolescência dois colegas de estudo me forçaram a tirar fotografia com capa de estudante da Universidade de Coimbra. Ao fim de sessenta anos cumpri a referida promessa.

Brasilino Godinho trajado na adolescência.
"A prioridade é conseguir um emprego onde aplique as lições extraídas de uma ativa e intensa atividade profissional."

De que forma fez parte da vida académica extracurricular?

Não tive vida académica extracurricular. Por ter vida muito ocupada e centrada no estudo; visto que, por motivo de dificuldades auditivas, tinha de em casa adquirir o conhecimento dos teores das lições que não conseguira no decorrer das aulas.

Depois da licenciatura, porquê o doutoramento? 

A opção pelo doutoramento decorreu da natural progressão de uma caminhada de conquista do conhecimento, encetada aos sete anos de idade (com a inscrição na primeira classe do Ensino Primário) e que ainda prossegue com grande determinação e força de ânimo. Agora, também, com o objetivo de cada vez mais me sentir habilitado a prestar serviços à comunidade e a ser útil ao meu País - Pátria que muito amo.

O que vai fazer agora? 

Abrem-se várias hipóteses. A prioridade é conseguir um emprego onde aplique as lições extraídas de uma activa e intensa atividade profissional desenvolvida ao longo de quase 60 anos e nos mais diversos locais de Portugal continental e insular.

Também ou sobretudo, conseguir lecionar Cultura Portuguesa e (ou) Cultura Espanhola contemporânea. O que tentarei conjugar com um pós-doutoramento em estudos Culturais.

Entretanto, retomarei a regular atividade de escrita como cronista de órgãos de comunicação social.

Devo afirmar que não estou interessado em ser um colecionador de títulos académicos. Todavia há que, sem bazófia, vincar este pertinente registo: seria um enorme desperdício não se aproveitar a bagagem cultural de Brasilino Godinho.

Onde vai parar? 

De entre as hipóteses colocadas na precedente resposta, não devo, nem quero fazer conjeturas dessa natureza. Posso é apontar um dado adquirido: vou continuar ativo enquanto estiver na plena posse das minhas faculdades de alma.

Jovialidade e frontalidade

No final dessa carta que Brasilino enviou aos amigos - e com que abrimos este artigo, o doutor em Estudos Culturais cumprimenta toda a gente. Amigos e menos amigos:

É o que vos quero transmitir:

- Com um grande abraço e o virtual envio das deliciosas Queijadas de Cristo (de caseiro fabrico de minha avó paterna e tias), das saborosas Estrelas de Tomar, dos não menos apreciados queijinhos de Tomar e dos famosos ovos-moles e não menos afamadas enguias de Aveiro, para a gente amiga e pessoas conhecidas. Que sintam gostosura. Bom proveito lhes faça!

- E com um grande manguito e um limão muito azedo para a restante gente malquista se entreter a mastigá-lo e a sentir o amargo sabor… Que grande azia lhes provoque!

Ámen!