O objetivo da sessão “O resto devem conhecer do cinema”, que decorreu na noite de quarta-feira, no âmbito das conferências Fórum do Futuro, organizadas pela Câmara do Porto, era explicar por que as peças da Grécia clássica ainda hoje inspiram os autores contemporâneos.

Mas o dramaturgo Martin Crimp acabou a montar “um teatro anatómico” na sala, autopsiando as suas formas de inspiração e a forma como produz as suas mais conhecidas peças teatrais.

O nome da sessão é também o título da sua mais recente obra - que terá estreia nacional no teatro São João, no Porto, em março de 2019 -, “O resto devem conhecer do cinema” (“The rest will be familiar to you from the cinema”), uma expressão que, confessou Crimp, nasceu de um equívoco de criança.

Mas, afinal, explica o dramaturgo, toda a peça é construída em artifícios e inesperadas decisões: “Eu tinha uma data-limite apertada, por isso peguei na estrutura de uma peça de Eurípides”, "As Fenícias".

E manteve-se próximo da obra do dramaturgo grego, percebendo a eficácia dramática da obra e das personagens.

Quando se tentou afastar de Eurípides, em nome da criatividade, recuou: “Não queria deitar o bebé fora com a água do banho”.

Afinal, a estrutura das peças clássicas e a função das personagens é uma marca de civilização que Martin Crimp aprendeu a utilizar, mais tarde na sua carreira: “Quando era jovem, não me interessava pelas peças da Grécia clássica”.

Experimentou e repetiu: em vários momentos da sua já longa carreira, a técnica de adaptação de clássicos foi sendo apurada.

Na conversa com a investigadora Maria Sequeira Mendes, na sessão no Porto, Martin Crimp procurou então desmontar esta relação complexa entre as obras da Antiguidade Clássica e o pensamento artístico atual.

Aos 62 anos, Martin Crimp apresenta-se como um dramaturgo imaginativo e singular, herdeiro de várias escolhas e recusando sistematicamente rótulos para o seu estilo e forma.

Quando pegou na tragédia “As Traquínias”, de Sófocles, e a transformou na peça “Cruel e Terno”, Martin Crimp jogava num tabuleiro teatral que ele próprio criou.

Na peça “Attempts on her life”, Crimp não atribui diálogos a uma personagem particular, ou quantos autores devem participar na obra, dando espaço de manobra para o encenador ser uma espécie de coautor do trabalho, permitindo essa contínua atualização do texto.

A fórmula, nas suas palavras, parece simples: “As pessoas querem ver pessoas a sofrer? Ou preferem ver uma história plena de escolhas, que fazem sofrer?”.

E a resposta às questões surgiu-lhe ainda mais simples: “Desenhei peças onde há pessoas a sofrer pelas escolhas que fazem”.

E Eurípides fazia isso como ninguém e levou Crimp pela mão, embalado por muitas outras influências, onde pontifica a escrita de Ionesco, o dramaturgo do teatro do absurdo.

Martin Crimp acredita que os clássicos gregos continuam a inspirar a atualidade e os autores contemporâneos exatamente pela sua transcendência temporal.

O modelo repete-se então, a partir dos mitos e das histórias que são Universais.

O difícil, no fim, confessa Martin Crimp é encontrar o título: “Porque os títulos são difíceis”.

O resto devem conhecer do cinema.