Numa altura em que finaliza a primeira curta-metragem de ficção, "Coup de Grâce", que irá competir em fevereiro no festival de Berlim, Salomé Lamas estreia em sala um filme que a levou a um território extremo, a mais de cinco mil metros de altitude, onde vivem e trabalham milhares de pessoas em condições pouco humanas, por causa da exploração mineira de ouro.

"Não queria fazer nem um filme de campanha nem um drama social. Porque não é que eu não ache que não seja importante, mas deve ser feito por outra pessoa. Ali interessa-me criar um 'statemnet' sobre a realidade", contou a realizadora, em entrevista à agência Lusa.

Salomé Lamas condensou, em pouco mais de duas horas, a paisagem inóspita onde se faz a exploração mineira, o quotidiano dos mineiros, em particular das mulheres, a vida na cidade sem saneamento nem infraestruturas, e os rituais religiosos e espirituais.

"É um sítio com particularidades extremamente duras, onde as pessoas vão quando perderam tudo. Soa a algo que se diz, mas é muito para além disso. É um local de conflito. Eu nunca estive num teatro de guerra, mas já estive em situações muito humildes e de miséria extrema, mas eu nunca vi um local como a Rinconada", descreveu.

Salomé Lamas não tem imagens do interior das minas, mas incluiu no documentário um longo plano do caminho de acesso a elas, ponto de passagem de milhares de mineiros, ilustrando-o com uma montagem áudio com excertos de depoimentos de pessoas, programas de rádio e produção sonora de Norberto Lobo e João Lobo.

Salomé Lamas deixa para o espectador o trabalho de interpretação daquilo que filmou, sublinhando que foi com uma abordagem "quase etnográfica" de um local que já está "extremamente saturado pela presença dos media".

Nos filmes que faz, "transparece também quem está por detrás da câmara". "Eu não pertenço a nenhum dos locais que vou filmar nem tenho pretensão de pertencer. Para mim, seja este documentário ou qualquer outro, é tudo uma transação e há um pacto que é feito com as pessoas com quem estou a trabalhar".

Salomé Lamas, nascida em Lisboa, em 1987, tem uma prática de cinema que se expande além do grande ecrã em sala, com a direção de curtas e longas-metragens e de objetos cinematográficos e visuais para galerias de arte e museus de arte contemporânea. Diz-se movida pela curiosidade.

"É querer partilhar isso com os outros, querer procurar espaços que são de limite, seja físicos, seja geográficos, e tentar, da forma mais honesta, dispor as cartas sobre a mesa para um espectador, seja ele qual for, e ele que retire daí o que quiser retirar", opinou.

É longa a lista de projetos em que Salomé Lamas está envolvida, em fases distintas de maturação, produção e financiamento. Resumidamente, está a desenvolver uma longa-metragem de ficção, uma produção visual para um palco em Lisboa, um "projeto híbrido documental, passado no Médio Oriente" e outro na Indonésia.

"Tem a ver com características de personalidade, de alguma hiperatividade, de algum aborrecimento e com a ideia de que fazer filmes é um 'métier' e não um trabalho. Não tenho horas de funcionário público, não dá para desligar a cabeça e da ideia do que é o trabalho. São filmes que têm a ver com a própria experiência de os fazer e de tentar chegar a esses locais", explicou.