
Publicada originalmente em 1955, a obra baseia-se em dez entrevistas conduzidas depois da Segunda Guerra Mundial a alemães comuns que foram membros do Partido Nazi entre 1933 e 1945.
“Os homens com quem conversei eram banais”, afirmou Milton Mayer (1908-1986), professor e jornalista norte-americano, que desenvolveu um estudo desafiante sobre as vidas dos alemães durante aquele período.
Estes cidadãos comuns “aderiram ao Partido Nazi e falam sobre as suas motivações, o crescimento do Reich a que assistiram e a cumplicidade geral com o mal que se foi instalando, num livro que é tanto mais perturbador quanto não permite que ninguém, em nenhuma sociedade ou tempo, se sinta imune”, afirma a Tinta-da-China, editora que publica este livro inédito em Portugal.
Na introdução da obra, Mayer explica o que o impulsionou a fazer esta investigação: “Como americano, a ascensão do nacional-socialismo na Alemanha causou-me repugnância. Como americano de ascendência alemã, encheu-me de vergonha. Como judeu, deixou-me destroçado. Como jornalista, senti-me fascinado”.
O fascínio do jornalista prevaleceu e Milton Mayer partiu em busca de descobrir o “homem monstruoso que era o nazi”, “queria falar com ele e escutá-lo” e “queria tentar compreendê-lo”.
“A rejeição da doutrina nazi da superioridade racial obrigava-me a admitir que eu próprio podia ser como ele, que aquilo que o levara a seguir esse rumo poderia ter-me empurrado na mesma direção”, escreve.
Depois de ter tentado, sem sucesso, entrevistas com Adolf Hitler, o jornalista viajou pela Alemanha nazi ao serviço de uma revista americana e, observando o povo, constatou que “o nazismo era um movimento de massas e não a tirania imposta a milhões de cidadãos indefesos por uns quantos indivíduos diabólicos”.
Sete anos após o fim da guerra, encontrou então dez alemães suficientemente diferentes entre si, para serem representativos de alguns milhões de alemães e parecidos o bastante para terem sido nazis.
A aproximação a estas pessoas, permitiu-lhe conhecê-las a fundo e perceber que eram uma amálgama de bons e maus impulsos e ações, tornando-se inevitável passar a gostar delas.
“Sempre que me sentava ou saía para passear com um deles, a sensação que, anos antes, se imiscuíra nas minhas reportagens jornalísticas em Chicago apoderava-se de mim. Gostava de Al Capone. Gostava da forma como ele tratava a mãe. Tratava-a melhor do que eu tratava a minha”, confessa o autor.
Após os encontros, conversas e entrevistas, Milton Mayer percebeu “um pouco melhor como o nazismo conquistou a Alemanha: não foi por via de uma agressão exterior, nem graças a uma revolta interna, foi com vivas e aclamações. Era o que a maioria dos alemães queria, ou que – mediante a pressão conjunta da realidade e da ilusão – passou a querer. Desejaram-no, alcançaram-no e gostaram”, assegura.
Perante esta constatação, o autor admite ter-se sentido receoso, porque percebeu que aquilo que conheceu não foi o Homem alemão, mas o Homem, simplesmente.
“Aconteceu ele estar na Alemanha, sujeito a determinadas condições. Podia estar aqui, sujeito a determinadas condições. Em determinadas condições, podia ser eu. Se eu - e os meus compatriotas – chegássemos a sucumbir a esse encadeamento de condições, não haveria Constituição, nem lei, nem polícia, nem exército capaz de nos proteger do mal”, admite.
É esta conclusão que faz desta uma obra sempre atual, como sublinha o historiador britânico Richard J. Evans, num posfácio de 2017: “É uma obra que nos fala a partir de outro tempo, por palavras e ideias vívidas e dolorosas, que podem ter uma ressonância vital na época contemporânea”.
Richard J. Evans assinala que esta “obra notável” é praticamente o primeiro estudo sério realizado no pós‑guerra sobre como os alemães comuns se tornaram nazis e como olham, em retrospetiva, para a história do Terceiro Reich de Hitler.
Ao longo do livro, Milton Mayer analisa como a propaganda, a pressão social e a normalização da repressão levaram aquelas pessoas a apoiar o regime, muitas vezes sem sequer o questionar.
A obra destaca o processo gradual de aceitação do totalitarismo, revelando como a liberdade foi sendo corroída pouco a pouco, sem que os cidadãos percebessem ou resistissem de imediato.
Uma das ideias centrais é que o autoritarismo não se impõe de forma abrupta, mas sim através de pequenas mudanças que, isoladamente, parecem inofensivas, e quando as pessoas se apercebem da extensão da opressão, já é tarde demais para reagir.
Apesar do livro e de as reflexões nele contidas serem datados e relativos a uma realidade que pode parecer desatualizada, “as vozes dos homens entrevistados por Mayer resistem ao tempo e interpelam-nos de formas que ainda podem ser provocatórias e surpreendentes”, considera Richard J. Evans.
“O livro de Mayer constitui uma advertência oportuna para a possibilidade de indivíduos anódinos e, em muitos aspetos, sensatos, poderem ser seduzidos por demagogos e populistas, e pactuar com um regime que comete sucessivos atos criminosos até se afundar na guerra e no genocídio”, avisa.
Na mesma linha, o historiador e político português Rui Tavares, citado pela editora, considera que este livro “tão fascinante quando assustador”, constitui “um alerta sobre como passividade se torna cumplicidade nos regimes autoritários”.
Comentários