A Festa do Cinema está de volta e nesta edição ganha mais um dia. A partir de amanhã, e até 17 de maio, vai ser possível assistir a várias películas nos cinemas aderentes de todo o país. Dos super-heróis à comédia, passando pelo romance, drama ou terror, nesta edição a festa faz-se para todos os amantes do cinema.

Uma boa oportunidade para ver filmes premiados, incluindo o díptico ‘Mal Viver | Viver Mal’, de João Canijo, que venceu um Urso de Prata, no Festival Internacional de Berlim. Ou o terceiro e último volume dos Guardiões da Galáxia Vol. III, que conta no elenco com a atriz portuguesa Daniela Melchior é um dos filmes em exibição que pode assistir por apenas 3,5 euros. A Festa do Cinema é promovida pela APEC (Associação Portuguesa de Empresas Cinematográficas), com o apoio da FEVIP/GEDIP e do ICA-Instituto do Cinema e do Audiovisual, e dos exibidores nacionais em todo o País (continente e ilhas).

Ao SAPO24, o presidente da APEC, Fernando Ventura, faz um balanço das últimas edições do evento, explica como o cinema pode coabitar com as plataformas de streaming sem esquecer a qualidade da produção cinematográfica nacional que está a trazer muito público às salas de cinema que sofreram bastante com a pandemia, mas agora estão a recuperar.

Nos últimos anos, assistiu-se ao encerramento de muitas salas de cinema históricas. Fenómeno que começou muito antes das plataformas de streaming. Concorda que o desaparecimento dessas salas, muitas delas nos centros das cidades, esteja relacionada com a desertificação desses bairros e, consequentemente, com a falta de público?

Este fenómeno não é exclusivo de Portugal, tendo-se registado um pouco por todo o lado. Muitas salas de exibição de cinema (e não só, diga-se) de referência para as localidades e públicos respetivos perderam-se ao longo dos tempos.

A desertificação habitacional nas cidades conduziu à perda de públicos nos referidos bairros, como bem refere a pergunta, e levou, quase naturalmente como em outras atividades, ao encerramento de várias salas por todo o país.

Algumas destas salas históricas, vão-se aguentando. É o caso dos cinemas Ideal, em Lisboa, da Casa do Cinema, em Coimbra, ou do Cinema Trindade, no Porto, por exemplo. Contudo, as dificuldades são muito grandes. Algumas destas salas, senão todas, fazem parte de uma rede europeia de cinema, a rede Europeia Cinema Europa. Recebem apoio do Estado para se manterem em atividade? Como se pode evitar a extinção destas salas?

Há exemplos de salas que são referências e fazem parte da memória histórica, sobretudo para as zonas em que se inserem e respetivas comunidades, que importa preservar e, para isso, apoiar.

Existem alguns mecanismos de apoio, incluindo financeiro através do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), bem como apoios autárquicos de que podem beneficiar. Programação alternativa, que os distinga, abrangente, mas ao mesmo tempo mais direcionada, diversificação dos tipos de ofertas culturais disponíveis nesses espaços e, por outro lado, projetos economicamente viáveis, não essencialmente dependentes de apoios estatais ou autárquicos, serão aspetos essenciais a considerar para a desejada preservação desses espaços.

A opção por alguns tipos mais específicos de filmografia, bem como maior expressão de obras de origem nacional fazem, aliás, parte essencial com sucesso da programação de algumas salas ditas comerciais.

A cinematografia nacional vem ganhando espaço, com muita e boa produção para a qual importa captar ainda mais público - Fernando Ventura

Como está a afluência de público às salas de cinema do país face a 2022? E nos últimos dez anos?

Depois do fortíssimo impacto negativo da pandemia Covid-19 e suas restrições (durante largos períodos, em 2020 e 2021 as salas estiveram ou fechadas ou com fortes restrições operacionais que limitaram grandemente o afluxo de público), a atividade tem vindo a recuperar paulatinamente.

A expetativa é de que, em 2023, seja possível recuperar e começar a chegar perto dos níveis de audiência e afluência de públicos pré-pandemia (2019), dependendo também das obras cinematográficas que venham a estar disponíveis no mercado para exibição.

Nos últimos dez anos (excluídos os anos da pandemia e 2022, primeiro ano de recuperação), o setor apresentou interessantes indicadores de atividade, nomeadamente ao nível de público. Por outro lado, os exibidores têm vindo a investir fortemente na modernização das salas e condições técnicas de exibição, situando-se ao nível das melhores referências internacionais.

A cinematografia nacional vem ganhando espaço, com muita e boa produção para a qual importa captar ainda mais público, tentado assim convergir com outros países europeus onde o produto de língua própria tem uma expressão entre os 15% e os 25%, quando em Portugal o cinema português ronda os 7%.

O aparecimento das plataformas de streaming acentuam ainda mais a falta de público nas salas de cinema?

Tal como em outras atividades, a diversidade de formas de oferta de produtos implica novos desafios e o cinema não é exceção. Mas estão em causa formas diferentes, completamente distintas de consumir o mesmo tipo de produto e cada uma tem o seu espaço próprio e as suas virtualidades.

Ver cinema em sala, com as melhores condições de espaço, conforto, som, de ecrã de grande dimensão e de iluminação é uma experiência social única que não pode ser comparada com formas domésticas de aceder aos mesmos conteúdos. E o público valoriza devida e diferentemente e faz as suas opções. A exibição de cinema em sala é a forma como os profissionais de cinema idealizam a visualização das suas obras.

De que modo as plataformas de streaming têm ameaçado as salas de cinema?

FV: O impacto da pandemia distorce as avaliações que se podem fazer sobre esta matéria. No entanto, o negócio está a assistir a fenómenos muito interessantes neste retorno à vida quotidiana normal e verificando que as grandes produções cinematográficas estão a atingir números muito semelhantes ao período pré pandemia e, em alguns casos, até superando.

Enquanto fenómeno de produção, cremos que, em algum momento no tempo, estas duas ofertas serão complementares e não concorrenciais, já que o objetivo é comum, ou seja, o consumo de obras cinematográficas.

Como tem sido a relação entre o cinema e estas plataformas, em termos de produção. A Netflix, por exemplo, tem produzido longas-metragens, algumas com enorme sucesso de bilheteira. A Netflix e outras plataformas de streaming ameaçam grandes produtoras de cinema ou tem havido espaço para todas?

Não existem dados fiáveis sobre a exibição de produções da Netflix, até porque, na grande maioria dos países, a estreia em sala dos seus filmes é feita de uma forma muito reduzida, pelo que não podemos afirmar que, até este momento, tenham registado êxitos de bilheteira; haverá certamente espaço para todos.

Pensamos, no entanto, que o facto de não estarem disponíveis para passarem em sala na sua janela de exploração, acaba por prejudicar todas as componentes do negócio já que, no final, os públicos de cinema vêem-se privados de ver os conteúdos em sala de obras cujo valor é inquestionável.

A Festa do Cinema, iniciativa que também ocorre em vários outros países por todo o mundo, nomeadamente Europa, em moldes semelhantes, envolve cerca de 500 salas por todos o País e todas as obras da sua programação normal para os dias em causa e tem por objetivos fundamentais incentivar a ida do público ao cinema - Fernando Ventura
Fernando Ventura
Presidente APEC/DR créditos: DR

A Festa do Cinema recebe algum apoio financeiro? Quem organiza e quais as entidades envolvidas?

A Festa do Cinema é organizada pela APEC-Associação Portuguesa de Empresas Cinematográficas, com o apoio dos distribuidores associados na FEVIP e GEDIPE. Tem recebido um (pequeno, mas importante) apoio financeiro do ICA e conta também com apoio dos distribuidores. A organização desta ação promocional em prol do cinema e do público tem sido conseguida com orçamentos muito reduzidos, contando com enorme esforço, empenho e dedicação de todos quantos nela estão envolvidos.

A Festa do Cinema começou em 2015, como tem sido o sucesso do evento até aos dias de hoje?

A Festa do Cinema, iniciativa que também ocorre em vários outros países por todo o mundo, nomeadamente Europa, em moldes semelhantes, envolve cerca de 500 salas por todos o País e todas as obras da sua programação normal para os dias em causa e tem por objetivos fundamentais incentivar a ida do público ao cinema e, dessa forma, promover o cinema, nacional e internacional. Tem vindo a registar elevados níveis de afluência ao longo dos anos, muito acima dos níveis normais, o que bem demonstra a sua importância e pertinência para a promoção do cinema e para a captação de públicos:

  • 2015 | 202 000 espectadores
  • 2016 | 173 000 espectadores
  • 2017 | 215.000 espectadores
  • 2018 | 246.000 espectadores
  • 2019 | 134 000 espectadores
  • 2020/2021 A Festa do Cinema não se realizou em virtude das restrições da pandemia
  • 2022 | 135.000 espectadores.

Após dois anos, por força das restrições da pandemia Covid 19, a Festa do Cinema voltou em novembro de 2022 e num quadro de enormes dificuldades do setor de exibição cinematográfica e com um mercado que registava índices de espetadores muito abaixo de 2019. A adesão do público foi, porém, expressiva, fazendo da edição de 2022 um sucesso acima das melhores expetativas, ultrapassando os números de 2019.

Como decorreu a edição anterior em termos de afluência de público? Qual foi o filme com mais público?

Segundo pode ver-se na informação publicada pelo ICA, a afluência por filme na edição de 2022 distribuiu-se da seguinte forma:

  • Black Adam -  30.322 espectadores
  • Sorri  - 16.441 espectadores
  • Amesterdão - 16.401 espectadores
  • Bilhete para o Paraíso - 12.012 espectadores
  • A Luz Do Diabo - 10.900 espectadores
  • O Amigo Crocodilo - 7.761 espectadores
  • One Piece Film: Red - 6.132 espectadores
  • A Mulher Rei - 5.686 espectadores
  • O Assassino Perfeito - 5.439 espectadores
  • Vertigem Mortal - 3.692 espectadores

Uma das particularidades da edição deste ano é o aumento para quatro dias, 14, 15, 16 e 17 e ser em maio. Tendencialmente, as pessoas vão ao cinema no inverno, nos meses mais frios. Se assim for, não acham arriscado organizar esta edição numa altura de calor e que, normalmente, afasta as pessoas das salas de cinema? Ou é precisamente esse o objetivo: trazer mais pessoas ao cinema nesta altura do ano?

A nossa atividade decorre ao longo de praticamente todos os dias do ano, sendo provavelmente a única atividade cultural e com expressão em todo o território nacional, de norte a sul passando pelas ilhas, que disponibiliza aos portugueses cultura com periodicidade diária. As diferentes estações do ano, e por razões distintas, tem uma expressão muito semelhante ao longo do ano.

As edições anteriores da Festa do Cinema (com exceção de 2018 e 2022, neste caso dada a proximidade do fim das restrições da pandemia) decorreram normalmente na Primavera, com resultados muito positivos.

Em 2023 a Festa do Cinema decorrerá em 4 dias, iniciando-se a um domingo, dia das famílias por excelência, proporcionando, assim, mais oportunidade às famílias para uma ida ao cinema, para a sua maior aproximação e adesão ao cinema.