Fátima, Futebol e Fado. Três fenómenos sociais que, ao longo dos anos, ora colados ao Estado Novo, ora fruto da criação da revolução de Abril com intuito de caraterizar o quotidiano passado, conforme a interpretação histórica a que recorramos, constituem a trilogia dos três F’s mais conhecida do povo português. Em 2020, a FLAD, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), apropria-se de outros três F’s para retratar a arte contemporânea em Portugal. Uma arte que quer fazer chegar a diferentes públicos, de idades, conhecimentos e sensibilidades diversos.
“Festa. Fúria. Femina – Obras da Coleção FLAD” é a exposição que reúne 228 obras de 61 artistas portugueses de várias gerações, de Paula Rego, a Manuel João Vieira (músico fundador e vocalista da banda Ena Pá 2000), passando por Pedro Cabrita Reis, Pedro Proença (nota para os menos conhecedores: não é o presidente da Liga de Futebol), Ana Jotta, Júlio Pomar, Sara Bichão, Julião Sarmento, Bárbara Assis Pacheco, Ana Hatherly, Marta Wengorovuis e Sara Chang Yan.
Coproduzida pela Fundação EDP e pelo MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, “esta é uma parte importante de uma certa narrativa da história da arte em Portugal desde os anos 60 até 2020”, sublinhou ao SAPO 24, António Pinto Ribeiro, curador, conjuntamente com Sandra Vieira Jürgens, numa visita guiada pela Central Tejo, edifício emblemático da arquitetura industrial, datado de 1908, outrora central termoelétrica, reconvertida em sala de exposições do MAAT, localizado em Belém, Lisboa.
“Não é uma representação cronológica e transgeracional. Pretendeu-se colocar diferentes artistas, de diferentes gerações em diálogo. Foi essa a perspetiva. Estão todos cruzados”, acrescentou Sandra Jürgens, entrando na explicação do acervo, pertença da FLAD.
Apresentado ao público em toque de celebração dos 35 anos da fundação, esta é fatia de um bolo de mais mil peças de arte que compõem a coleção.
Começou a ser construída pelas mãos de Manuel Castro Caldas, em 1986, posteriormente coadjuvado por Manuel Costa Cabral e por Rui Sanches, e estendeu-se até 2003. O acervo, que a compunha e compõe, era pouco conhecido no meio artístico e desconhecido pelo grande público.
Até 2019 seguiu-se um período de hibernação aquisitiva, entretanto retomado. Com o foco nos desenhos, pintura, fotografia e escultura de autores portugueses, “alargou-se à compra de obras de artistas estrangeiros (um pintor de Beirute). É um passo novo”, refere Pinto Ribeiro ao percorrer os passos que o levou à tarefa de restaurar, catalogar, inventariar e disponibilizar online (em colaboração com a empresa Sistemas do Futuro), para além da incumbência de retomar a política de aquisições.
25 novas obras, enquadradas no conceito de transversalidade que a exposição pretende mostrar, espalham-se nas salas inundadas pelos três F’s: Festa. Fúria. Femina. Os três eixos dialogam entre si e “destacam a dimensão feminina, exigindo um renovado olhar sobre a história de arte que tanto escamoteou as artistas”, assume, em comunicado, a FLAD. “A sua produção (mulheres) é determinante na cena artística internacional”, assumem, conjuntamente, os curadores.
“Estudando as obras chegámos a esses três conceitos. Não são exclusivos das obras. Nuns casos vemos os três...noutros, não”, revela Pinto Ribeiro.
Um postal leva a interrogações. A Sala das Caldeiras apela à busca
Ao percorrer as salas, um postal, pendurado numa caixa, chama a atenção. Tem perguntas. Desafia, quem por lá passa, a interpretar o que vê e o que guiou a artista pelo caminho até à obra final. Cor, atmosfera ou a forma, são exemplos interrogativos.
“A questão central é como se comunica, como se chega às pessoas”, salientou António Pinto Ribeiro. “Passa por encontrar uma linguagem, sem desmerecer as obras”. “É uma solução na comunicação com múltiplos públicos. Este é um deles. Não é dogmático. É conhecimento para conhecer obras”, acrescentou na conversa com o SAPO24. “É um objeto pedagógico e abrangente para diversas idades e públicos”, complementa Sandra Jürgens.
Na linha do apelo à envolvência com a exposição e à participação de quem a visita, a Sala das Caldeiras coloca novo desafio. Um “onde está o Wally” artístico.
“É um convite a encontrar peças na sala de máquinas e carvão do espaço industrial”. “Num espaço com limitações e condicionantes, e daí a suspensão de algumas obras, deixámo-lo respirar e escolhemos as obras que se adaptaram”, explica o curador, debaixo de um martelar que reflete a “questão sonora existente nesta indústria”.
Um olhar sobre os caminhos de Lisboa de um fotógrafo que veio do Porto
Como porta de entrada na exposição da FLAD, patente até dia 25 de janeiro de 2021, no MAAT, “Ballad of Today”, de André Cepeda, é um retrato sobre os caminhos da cidade de Lisboa. O autor, nascido em Coimbra, vagabundeou o mundo, do Brasil, à Holanda, passou pela Bélgica, até aterrar no Porto, cidade que antecedeu a viagem até à capital.
80 fotografias, a cor e a preto e branco, mostram a forma como André Cepeda vasculhou e se infiltrou, durante três anos, em Lisboa. “Não foi fácil, num lugar não conhecido. Necessito de entender o território e ter familiaridade com a cidade”, assumiu, na abertura da caminhada, em círculo, na Central Tejo, onde está patente igualmente até 25 de janeiro de 2021.
Observam-se pessoas, fragmentos de casas, diferentes vizinhanças, vistas para o Aqueduto, árvores e caminhos sem fim. “É um ser humano a tentar conquistar um lugar em muitas caminhadas. São fotografias de pessoas a caminhar e o fotógrafo vai atrás de outros seres humanos que fazem o mesmo que André: caminhar”, resume Urs Stabel, curador.
“É a visão dele. O toque dele em casa esquina. Transforma o cheiro e o som da cidade, em fotografias”, continua chamando à conversa Robert Frank, que também “caminhava pelas cidades”.
“É um novo território que tento construir algo que não existe a não ser para mim. É o meu interesse. Não é sobre mim. E sobre nós”, finaliza André Cepeda que replicou o trabalho num livro homónimo, publicado esta semana.
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