António Ferro é praticamente o único escritor modernista português da primeira fase do movimento a ter centrado a sua escrita na prosa e na prosa ficcional, tendo escrito também poesia e teatro.

“O editor da revista Orpheu vê finalmente disponível um volume que o projeta para o lugar que lhe é devido nas letras nacionais”, destaca a editora.

Com uma ficção centrada exclusivamente nos anos 1920, a obra de António Ferro é fundamentalmente composta por contos e novelas curtas e centrada na figura feminina, que, para o autor, encarna a novidade da época moderna.

Os contos de António Ferro fazem “a perfeita travessia dos temas tradicionais da ficção da época para o estilo e a mentalidade modernas”, constituindo-se como “um escrito único cujo único paralelo entre os escritores vanguardistas da época está nas obras de Ramón Gómez de la Serna ou da britânica Mina Loy”, destaca a editora.

“Um certo erotismo, muito humor na construção de personagens que se afirmam como personagens-tipo, assumindo, porém, uma irreverência inesperada, são as marcas destes textos de grande modernidade, em que cada frase é lapidada na perfeição, constituindo cada livro uma obra literária independente, por vezes com uma escrita aforística e impetuosa que transporta a mulher portuguesa para a época moderna”, acrescenta.

A obra junta todos os volumes éditos do autor, incluindo a obra “A Amadora dos Fenómenos”, de 1925, que não teve qualquer reedição desde a sua primeira publicação.

Este volume, intitulado “António Ferro. Ficção”, engloba ainda os livros “Teoria da Indiferença” (1920), cuja última edição portuguesa data dos anos 1980, a “novela-escândalo" de 1921 “Leviana” e a “Batalha das flores”, estes últimos sem reedição desde os anos 1990.

A estas obras juntam-se duas novelas do autor nunca antes coligidas em livro, publicadas no final dos anos 1920 no Grande Magazine Civilização.

Este volume conta com uma introdução que contextualiza o autor e a obra, da autoria de Luis Leal, professor na Comunidad Autónoma de Extremadura e especializado na investigação da interligação entre as vanguardas espanholas e o modernismo português.

Trata-se de um volume cartonado de mais de 600 páginas que se enquadra na sequência de obras de grandes autores portugueses que têm sido editadas pela E-Primatur, de que são exemplo Bernardo Santareno, Camilo Castelo Branco, Luiz Vaz de Camões, Mário-Henrique Leiria, José Vilhena, Raul Brandão e Mário de Sá-Carneiro.

A obra contará com extratextos reproduzindo as capas e ilustrações das obras originais por artistas plásticos ligados ao modernismo português, como António Soares, Bernardo Marques ou Mário Elói.

Numa nota publicada no ‘site’ da E-Primatur, o editor, Hugo Xavier, ressalta estar consciente de que esta escolha possa trazer alguma polémica, já que António Ferro é sobretudo lembrado como o principal dinamizador da máquina de propaganda da ditadura do Estado Novo, papel que “tem estigmatizado o autor ao longo das décadas”.

Em primeiro lugar, o editor recorda que “a ficção de António Ferro é obra dos anos 20 do século xx” e que, nesse tempo, as suas preocupações eram “essencialmente culturais e de criação artística”.

“A escrita de Ferro é a prova de que qualquer tipo de ambição política ou social estava longe de ser um objectivo: nenhuma pessoa com ambição política se arruma num movimento de vanguarda, que, por definição, o afasta dos referentes de toda uma população. A escrita de Ferro, e isso está bem patente na sua ficção, é erótica, voraz, procura chocar, procura o escândalo”, afirma.

Após esta fase de criação artística e ainda antes do começo da sua carreira política, “tivemos um dos melhores cronistas e certamente o melhor entrevistador português do Século XX”, destaca.

Hugo Xavier sublinha, por fim, que não procura ou procurará “justificar ou desculpar António Ferro”, até porque não lhe cabe esse papel, mas mostrar que a ficção deste autor “está longe” do seu papel político, e é “provocadora e subversiva”.

De acordo com o editor, toda a ficção de António Ferro é sobre mulheres e tipos de mulheres, nas quais “estão personificados os tempos de mudança de uma sociedade acomodada para os tempos modernos, para uma nova realidade”.

“As mulheres dos textos de António Ferro comandam a ação, comandam os homens, comandam os tempos. Muito poucas escritoras feministas ou com preocupações feministas conseguiram projetar ‘a mulher’ desta forma. E não é essa perspetiva bem mais interessante para qualquer apaixonado por boa literatura do que o fado do choradinho da culpabilização retrospetiva?”, questiona, lançando um repto aos “leitores” para que “descubram o António Ferro escritor”.

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