Depois de dois meses encerrados, devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus, os museus e monumentos de Portugal voltam hoje a abrir as suas portas ao público — coincidindo assim com a data em que se celebra o Dia Internacional dos Museus.
Para marcar o momento, o SAPO24, no âmbito da agenda "Acho que Vais gostar Disto" de hoje, deixa-lhe um roteiro virtual de museus que pode conhecer aqui, antecipando assim a próxima visita "ao vivo". A par, falámos com curadores e diretores sobre como se prepararam para a retoma.
Joaquim Ruivo, diretor do Mosteiro da Batalha, diz estar “entusiasmado” com a reabertura, mas também não esconde os desafios que se colocam adiante.
De acordo com o diretor do mosteiro, as regras de segurança e higienização decretadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) serão asseguradas: os circuitos vão ser “articulados”, as salas vão ter um número máximo de pessoas — a fim de evitar ajuntamentos — e os colaboradores vão estar munidos de “todos os equipamentos” de proteção necessários. No entanto, ”nada substitui o civismo e a proteção individual”, salienta.
“Partimos do princípio que cada visitante está a integrar as suas próprias regras de visita a um espaço que, sendo quase todo aberto, também tem salas fechadas. Portanto, ainda é preciso muito cuidado a manter o distanciamento e entrar com máscara”, sublinha o diretor do mosteiro, em conversa com o SAPO24.
Com as recomendações da DGS em mente — nomeadamente o uso obrigatório de máscara, uma distância mínima de dois metros e a higienização das mãos e dos espaços — os museus adaptam-se a esta nova realidade, onde tem de existir um equilíbrio exímio entre a qualidade dos serviços prestados e a segurança dos visitantes.
A título de exemplo — dado que as salas têm de ter um número máximo de pessoas e os grupos são de evitar —, o Museu Bordalo Pinheiro, segundo o seu diretor, João Alpuim Botelho, está a criar no pátio um espaço para “as pessoas estarem comodamente instaladas” caso tenham de esperar para entrar, e onde estarão a passar filmes “das peças do Bordalo”.
Já no caso do Museu do Caramulo, de acordo com o seu diretor, Salvador Patrício Gouveia, serão dados “briefings” aos visitantes antes de estes explorarem o museu, para que depois possam “andar à vontade”.
No fundo, como refere o diretor do Palácio da Ajuda, José Alberto Ribeiro, este momento “é toda uma nova aprendizagem”, tanto para os museus, como para os visitantes.
Mudam-se os tempos, mudam-se os formatos
Em tempos de confinamento, todavia, a Internet foi uma forte aliada destes templos guardadores do tempo e da memória, já que os museus e monumentos portugueses tiveram de encontrar formas de ainda serem visitáveis.
Assim, com criações independentes ou através do Google Arts and Culture, foram vários aqueles que aderiram às plataformas online para partilhar os seus “tesouros”.
O News Museum, situado em Sintra, aderiu às visitas virtuais desde o momento da sua abertura (2016), mas devido à pandemia teve de investir mais nesses recursos — sobretudo considerando que a data de reabertura permanece indefinida.
“O museu é muito de tocar, de mexer, de interagir com as plataformas e portanto ainda não considerámos prudente abrir”, explica a coordenadora pedagógica do museu, Elsa Luís. Se os visitantes não puderem tocar e interagir com o que se encontra exposto, “mais de metade dos conteúdos ficariam inacessíveis”, adianta.
Dados estes constrangimentos, o News Museum decidiu realizar também visitas virtuais através da plataforma Zoom. De acordo com Elsa Luís, aqui mostram-se “os principais conteúdos do museu”, “alguns módulos temáticos” e também conteúdos interativos, como quizes. O objetivo principal é que estas visitas se assemelhem ao máximo às tradicionais visitas de estudo. Uma vez que o guia está em tempo real a apresentar os conteúdos do museu, há sempre espaço para o esclarecimento de dúvidas.
Embora este serviço esteja mais direcionado para as escolas, “se houver uma entidade particular, como uma família, por exemplo, que queira fazer a visita, também a faremos com todo o gosto”, esclarece a coordenadora pedagógica do museu.
Quem também tem uma plataforma independente é o Museu Bordalo Pinheiro, que recentemente disponibilizou a sua coleção de mais de 13 mil peças online. Da cerâmica à fotografia, sem esquecer a gravura, esta plataforma também irá passar a integrar o humor.
Mais do que conteúdos que “se esgotam no momento, estamos a tentar que as pessoas percebam o humor como uma ferramenta para pensar”, e é nessa ótica que os novos conteúdos estão a ser criados para o site. “Este humor que o Bordalo praticava tem um papel muito importante na nossa sociedade — ajuda-nos a desconstruir todas as desigualdades, todas as politiquices, todos os populismos”, acrescenta. E será essa crítica desconstrutiva por de trás do humor politico e social de Bordalo Pinheiro que será exaltada nestes novos conteúdos digitais.
O Museu Vilar Formoso Fronteira da Paz também tem uma plataforma própria de museu virtual, no entanto, segundo a curadora, Margarida Magalhães Ramalho, está a trabalhar-se o site para que fique “mais interativo e melhor do que até agora existia”. “Temos todo o material dos audioguias, agora só precisamos de fazer a montagem entre o som e as explicações em quatro línguas, com as imagens, para bater tudo certo”, conta ao SAPO24.
O Mosteiro da Batalha, o Museu do Caramulo e o Palácio da Pena, por sua vez, têm as suas coleções e espaços expostos no Google Arts and Culture e a experiência tem-se demonstrado positiva.
“O vitral da sala do capítulo, que não foi deteriorado pelas vicissitudes do tempo, está com uma resolução tal que nem quem estiver a olhar para o vitral a olho nu consegue ter aquela visão”, afirma o diretor do Mosteiro da Batalha.
O mesmo entusiasmo é partilhado pelo diretor do Museu do Caramulo, que conseguiu colocar no Google peças que não tinha expostas. “Eles têm um programa chamado Art Camera, que fotografa as peças (...) e isso foi uma ajuda brutal para nós conseguirmos catalogar, fotografar e registar devidamente as mais de 500 peças do museu" — que vão passar a estar expostas, "para que as pessoas possam ver”, através da internet, explica.
Outra vantagem que todos os diretores apresentaram face às visitas e exposições digitais é a diminuição das distâncias geográficas. “É uma alternativa para quem está mais longe e que não se consegue deslocar”, afirma Elsa Luís.
Estas plataformas também conseguem contornar outro tipo de vicissitudes: Este ano celebra-se o terceiro ano do Festival “Artes à Vila”, que tem “workshops, teatro e, sobretudo, música” em todos os espaços do Mosteiro da Batalha. Devido à pandemia, o cancelamento esteve em cima da mesa. No entanto, a organização optou por continuar com o festival — “só que em streaming”. Assim, no dia 27 de junho, vai-se mostrar “que a cultura está viva, que a música se pode continuar a fazer e que os artistas podem continuar a ser apoiados”, conclui Joaquim Ruivo.
O digital é só um convite. Porque “não há a emoção que existe nas visitas ao vivo”
O digital está a ser uma ferramenta imprescindível para os museus e irá continuar a sê-lo, pois de acordo com o diretor do Palácio da Ajuda, José Alberto Ribeiro,”sites mais apelativos e dinâmicos, que permitam a inclusão de atividades virtuais (...), chamam muito a atenção do público”.
No entanto, “não se pode estar apenas a ver digitalmente”, dado que “não há a emoção que existe nas visitas ao vivo”, nota o diretor do Mosteiro da Batalha.
João Alpuim Botelho, diretor do Museu Bordalo Pinheiro, também é dessa opinião. “A grande diferença entre o virtual e a visita presencial são os objetos, as coisas físicas. É uma experiência completamente diferente”.
A título de exemplo, é para que as pessoas não percam “o hábito do museu” e simultaneamente percebam a diferença entre o presencial e o digital que os visitantes do Museu Bordalo Pinheiro irão receber uma cópia da primeira página de um jornal bordaliano com a sua data de nascimento, conta João Alpuim Botelho.
“Nós acreditamos que esse é o grande papel dos museus [mostrar a diferença entre o presencial e o virtual] e chamamos um bocadinho a atenção para isso com esta campanha de oferecer a página”, explicou.
O digital é visto, assim, como um “complemento” ao trabalho do museu e como um “convite” à visita presencial — pois isso é o mais importante: a ida das pessoas aos museus.
“Cada crise gera uma oportunidade. Não sei qual é a profundidade desta, mas a verdade é que isto pode ser uma oportunidade para os portugueses voltarem a visitar o seu património”, acredita o diretor do Mosteiro da Batalha.
O convite está feito e o roteiro das próximas visitas pode já começar a ser construído com base nas propostas que lhe deixamos ali mais acima.
Este artigo contou com a pesquisa de Carolina Muralha, e com a edição e apoio à multimédia de Inês F. Alves.
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