"À Primeira Vista", com o nome original "Prima Facie", é um monólogo escrito por Suzie Miller que estreou em Sidney em 2019. Fez depois uma digressão pela Austrália em 2021, foi apresentado no West End, em Londres, em 2022 e chegou à Broadway em 2023.
Pelo caminho, ganhou o prémio Australian Writers’ Guild Award for Drama, em 2020, o David Williamson Award for Outstanding Theatre Writing e o Major Australian Writers’ Guild Award.
Em 2022 foi nomeado para cinco prémios Lawrence Olivier, tendo arrecadado o de melhor peça e melhor atriz e 4 Tony em 2023, onde Jodie Comer ganhou, mais uma vez, o galardão de melhor atriz.
No mesmo ano, o espetáculo foi nomeado para mais de 20 prémios, tendo sido reconhecido com o de melhor peça e melhor atriz nos WhatsOnStage Awards e o de melhor atriz dos Drama Desk e Evening Standard.
A Portugal chega em 2024 e surge depois de uma visita a Londres da protagonista Margarida Vila-Nova com uma amiga psicóloga, segundo contou a própria ao SAPO24 no ensaio de imprensa.
"O sonho tornou-se realidade há cerca de um ano, quando a produtora conseguiu os direitos do espetáculo. Mais tarde juntou-se o Tiago [Guedes], com quem eu queria muito trabalhar" - recorda.
"No dia em que começaram os ensaios, aí sim, tremeram-me as pernas, pela responsabilidade de tocar neste tema que queria muito discutir e debater" - refere.
O tema consiste na história de uma jovem advogada proveniente de uma família humilde de classe trabalhadora, que trilhou a sua ascensão por exclusividade do seu próprio mérito e trabalho, estabelecendo-se como uma reconhecida advogada de defesa, amplamente reconhecida pela classe profissional. Ao longo da peça, a atriz transporta sozinha o público para a história desta mulher que começa no topo da confiança profissional e acaba vítima do próprio sistema em que trabalha.
Como conhece as regras do jogo, Teresa consegue levar o público passo a passo a tudo o que vai acontecer e descreve emocionalmente toda a experiência, num espetáculo que, além de levar ao debate sobre a justiça e funcionamento dos tribunais, leva também a questionar a forma de viver um episódio de violência, mesmo quando este é familiar.
"Vir ao teatro é uma experiência coletiva. Todos nós saímos daqui e falamos uns com os outros e levamos a palavra à escola, ao trabalho, à faculdade e é muito importante falar sobre o tema", diz Vila-Nova.
Sendo uma peça extremamente física, a atriz conta que teve de ser preparar com antecedência para o desafio. "Dois meses antes comecei a correr e aumentei a prática de ioga para estar fisicamente apta a fazer o espetáculo em mais de um mês e meio de ensaios. É necessário um carrossel de emoções e de plasticina emocional que dura 1h20. É um exercício de resistência conduzido pelo Tiago Guedes [encenador], que é altamente rigoroso e digno".
Convidado pela própria atriz para encenar a peça, Tiago Guedes sublinha que primeiro foi necessário adaptar o texto ao universo nacional, sendo que o original conta com o sistema de leis anglo-saxónico. Para tal foi necessário a peça ter um consultor jurídico.
Apesar de ter de saber de leis ser um desafio, talvez o que considere maior seja o de transmitir ao público da crueza da violência vivida pela personagem. "O que se passa é uma violação", atira.
Para abordar a violência, em especial os momentos mais dramáticos, optou por "esconder" a personagem entre o cenário nessas partes da ação. "O objetivo é convocar as pessoas a irem ao interior do seu abstrato, ou seja, dentro das projeções internas. Para mim foi claro desde o início que seria mais forte se as pessoas projetarem na cabeça aquilo que estão a ouvir".
Confrontado com o facto da autora ser uma mulher e do encenador ser um homem a falar sobre um assunto predominantemente feminino, admite que "fazia sentido ser [também] uma mulher a encenar esta peça". Porém, reforça estar "farto de divisões no mundo": "Existe uma necessidade muito grande de estabelecer ligações sobre o assunto que está aqui a ser falado que é maior do que homens ou mulheres. Uma violação contra a pessoa não pode acontecer seja qual for a pessoa, independentemente de ser um homem ou uma mulher a abusar. O importante é pensarmos que quando há um abuso é quando alguém diz não. Daí a perspetiva masculina também ser importante".
"Até pela situação mostrada na peça das leis serem feitas por homens e isso ter de ser mudado no mundo", acrescenta.
"O objetivo do espetáculo não é ser contra os homens"
Nesta perspetiva, a protagonista também diz que: "O objetivo do espetáculo não é ser contra os homens". Acrescenta sobre o colega encenador que este "é o primeiro homem a levantar-se pela causa. E é muito interessante, tendo sido este um espetáculo escrito por uma mulher ter a perspetiva de um homem".
"Isto não é uma bandeira pelas mulheres, é um espaço de criatividade artística e de contar uma história que traz o debate", sublinha.
Sobre os momentos mais íntimos, reforça que "por vezes não nos colocamos no lugar do outro e algumas opções de encenação foram feitas no sentido de deixar o público a pensar sobre o que se está a passar naquele momento. Imaginarem o que é estar daquele lado. É esse o convite que queremos fazer".
Na preparação, a atriz conta que teve contacto com um grupo de trabalho que está muito próximo de vítimas de agressão sexual e deparou-se com as mais variadas experiências. Além disso, contou com o aconselhamento de advogados para conseguir interpretar uma. "A defesa, a acusação, o procurador. É uma peça cheia de legalidade que eu não conhecia antes de começar a estudar o texto".
"Tenho a certeza que vamos encontrar o eco na plateia, tenho a certeza que no final vai haver homens e mulheres na plateia que se vão identificar. Vai haver empatia e é isso que eu quero encontrar. Deve uma cumplicidade entre todos nós", reforça, apontando para a representação de cada um como um fator essencial na sociedade.
Trabalhar num projeto premiado
Sobre trabalhar num projeto altamente premiado, atriz e encenador não dão grande importância. "Nunca entrei num projeto pelos prémios", confessa Margarida.
"Para mim é uma honra poder atuar no Maria Matos, para mais de 400 pessoas. Isso é o meu orgulho. Os prémios são uma realidade tão longe da nossa que penso só no privilégio de poder fazer esta peça na minha cidade e no meu país, na minha língua, com uma equipa espetacular", sublinha.
Já o encenador, que nunca viu a peça original, interpretada por Jodie Comer, diz ter tratado o texto como qualquer outro: "O que pensei foi que estava a fazer um monólogo para uma sala de 400 pessoas. Vi uns vídeos e percebi qual era o universo. Não me deixei contaminar. Não quis poluir a mente".
A autora deste texto, Suzie Miller, é uma dramaturga e argumentista contemporânea, vencedora de diversos prémios internacionais. Trabalha em Londres, no Reino Unido, e em Sidney, na Austrália, mas a sua obra tem sido apresentada em todo o mundo. Tem formação em direito e ciência dos direitos humanos, e licenciou-se em dramaturgia no National Institute of Dramatic Art, na Austrália.
Pela primeira vez em Portugal, a peça estreia esta quarta-feira, dia 24 de julho, no Maria Matos, em Lisboa, onde promete ficar até dia 10 de agosto. Esta é uma peça produzida pela Força de Produção e os bilhetes já estão à venda aqui e custam 20 euros. Os espetáculos são sempre às 21h00.
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