A Awaytomars funciona como uma comunidade, aberta a pessoas em todo o mundo, que de seis em seis meses contribuem com ideias para a criação de coleções. Na que foi hoje apresentada na ModaLisboa, para o próximo outono/inverno, “o conceito foi bem diferente do habitual”.
“Em vez de pedir aos membros da comunidade para enviarem ideias, pedimos para enviarem roupas que não usassem. Foi daí que começou a coleção”, explicou Alfredo Orobio, um dos designers de moda da marca, à Lusa no final do desfile, no Pavilhão Carlos Lopes, contando que receberam “roupa do mundo inteiro: dos Estados Unidos, do Brasil, do Japão ou do Reino Unido”.
As roupas recebidas, além de “muitas”, foram “variadas”, o que, segundo Marília Biazi, que faz dupla com Alfredo Orobio, “foi bom”, porque permitiu que pudessem “fazer uma curadoria e perceber o que era bom para colocar no desfile e o que não era”.
Algumas peças “eram perfeitas, ainda com etiqueta de preço”. “Não tinham sido usadas e foram descartadas. Quisemos mostrar hoje um problema, mais do que uma coleção de moda”, disse Alfredo Orobio.
No meio de todas essas peças havia “coisas provocadoras”, como t-shirts da União Europeia e bonés do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “E quisemos incorporar essa provocação na passerelle”, referiu o designer de moda.
Essas peças não podiam ter chegado “num momento mais perfeito”. Os dois vivem em Londres e na próxima semana acontece, para Alfredo, “a votação mais importante para o ‘Brexit'”.
“Eu sou descendente de portugueses e espanhóis, a Marília de italianos, somos brasileiros, moramos em Londres. A Awaytomars é europeia, nascemos nesse conceito e não faz o mínimo sentido vivermos neste limbo, não sei o que vai acontecer amanhã”, afirmou o designer de moda.
Os dois pisaram a passerelle envergando t-shirts nas quais o símbolo da União Europeia aparecia apenas pela metade. “Foi uma provocação e a ideia de trazer os bonés de Donald Trump [para o desfile] também foi uma provocação”, assumiu Alfredo.
Com o desfile de hoje quiseram sobretudo alertar para o “excesso de consumo, descarte imediato e desvalorização do produto” da geração a que pertencem.
“O que trouxemos hoje para a passerelle foram produtos que foram descartados, aos quais demos vida e que colocámos no lugar de maior prestígio da moda que é a passerelle”, reforçou.
Ao longo dos últimos seis meses, enquanto preparavam a coleção, os dois foram “visitar os locais onde estas roupas vão parar depois de descartadas”. “E ficámos impressionados. É uma quantidade enorme de matéria-prima que pode ser usada e está ali jogada”, partilhou.
Alfredo Orobio lembra a “sensação do momento” Marie Kondo [autora de livros e com um programa de televisão] “que prega a limpeza dos armários e a arrumação”. “Ela diz que se [uma peça de roupa] não te dá felicidade deitas fora, mas ela não dá solução para aquele problema”, lembrou, salientando que isso é “o contrário” do que a Awaytomars prega e quer como marca de moda.
Para Alfredo e Marília “o ‘upcycling’ [reutilização criativa] é a maneira mais eficaz de se ser sustentável hoje em dia”. “Produzimos tanto que precisamos de dar um meio e um fim para isto”, alertou Marília.
Os dois lembraram que há algumas gerações não era assim. “As nossas avós quando havia uma t-shirt ou uma meia com buracos remendavam, de um vestido faziam uma saia e uma blusa, tinham sempre solução para os problemas. A nossa geração não tem solução, só descartamos”, afirmaram.
Nas próximas coleções, pretendem manter o recurso a peças de roupa descartadas. “Foi uma experiência criativa muito interessante, um ponto de partida muito rico, mostrar às pessoas que há vida além da vida da roupa, do que se considera que a roupa vive e com certeza que isso vai continuar dentro das coleções”, adiantou Alfredo.
Hoje, na ModaLisboa foram também apresentadas as coleções para a próxima estação fria de Constança Entrudo, João Magalhães, Imauve, David Ferreira, Carlos Gil e Kolovrat. O dia termina com as propostas de Luís Carvalho e da Ernest W. Baker.
A 52.ª edição da ModaLisboa termina no domingo.
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