João da Mata de Chapuzet, que “foi um dos melhores governadores de Cabo Verde” foi traído pela mulher, Felícia Mariana, que era sua sobrinha, e teve um caso amoroso, às vista de todos, com o cirurgião Domingos da Costa Lima.
Em declarações à Lusa, Germano Almeida disse que o episódio verídico veio parar-lhe às mãos por intermédio do historiador Daniel Pereira.
O historiador encontrou o processo de querela sobre a infidelidade de Felícia Mariana e passou-o a Germano de Almeida dizendo-lhe: “Eu não tenho que fazer com isto, mas talvez tu possas fazer alguma coisa”, contou o autor.
Germano Almeida iniciou, então, investigações, no que “a Internet muito facilitou”, e encontrou “bastantes coisas” no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, sobretudo “acerca do médico”, e foi a partir daí que começou a escrever.
O governador perante a infidelidade da mulher, e face “ao escândalo”, recorreu à “indefetível Justiça de Sua Majestade”, que sentenciou a prisão do jovem cirurgião “nas masmorras do presídio de Cacheu [na Guiné-Bissau], onde aliás viria a morrer passado um ano”, escreve Germano de Almeida.
Questionado sobre a ironia que perpassa na sua narrativa, o autor afirmou: “Penso que a questão da ironia é uma forma de estar, e reflete-se na minha maneira de escrever”.
“Para mim, o mais interessante é a figura do governador, que foi um dos grandes governadores de Cabo Verde. O Chapuzet foi para Cabo Verde numa época muito má, de muitas crises, muita fome. Cuidou muito das terras cabo-verdianas, do homem cabo-verdiano. Ele atreveu-se a vender a urzela que era [monopólio] do rei, para sustentar o povo cabo-verdiano. Era um homem bom para nós, no entanto quando descobriu que a mulher lhe estava a ser infiel, perdeu a cabeça. Este é que é o lado bem interessante – o homem diante de uma coisa destas não hesitou em mandar o médico para o local onde ia morrer”, disse o escritor à Lusa.
O livro “Infortúnios de um Governador nos Trópicos” é apresentado na terça-feira, às 18:30, no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa.
Germano Almeida, distinguido em 2018 com o Prémio Camões, nasceu na ilha da Boa Vista, em Cabo Verde, em 1945.
Licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa, vive atualmente em São Vicente onde, desde 1979, exerce a profissão de advogado.
Literariamente, iniciou-se com a publicação de “estórias” na revista Ponto & Vírgula, assinadas com o pseudónimo de Romualdo Cruz, que foram editadas em 1994, com o título “A Ilha Fantástica”.
O seu primeiro romance, “O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo”, foi publicado em 1989, marcando uma viragem relativamente aos tradicionais temas cabo-verdianos. Desde então publicou 19 títulos, incluindo os da trilogia do Mindel, entre 2018 e 2021.
“Infortúnios de um Governador nos Trópicos” é o segundo romance histórico do autor. O primeiro, “A Morte do Ouvidor” (2010), toma por objeto o caso do coronel António Bezerra de Oliveira e dos seus nove cúmplices, acusados de terem assassinado o ouvidor João Vieira de Andrade, em 1764. Ao ouvidor correspondia na altura uma função similar, embora embrionária, dos atuais tribunais de relação, tendo responsabilidade por uma comarca sob direito régio.
Numa nota de abertura neste seu segundo romance histórico, o autor chama a atenção para “que deve ser considerado ficção tudo o que não puder ser historicamente comprovado”.
“Sobretudo, é da minha exclusiva responsabilidade a caracterização das personagens, ainda que a partir de certos elementos por elas deixados ou por mim intuídos”, remata.
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