Na madrugada de domingo (27 de outubro), em Portugal continental e na Região Autónoma da Madeira, quando forem 2h00 os relógios devem ser atrasados 60 minutos e passar para a 1h00. Na Região Autónoma dos Açores, a mudança é feita à 1h00 da madrugada (passando para as 00h00). A hora legal voltará a mudar a 30 de março 2025. Prepare-se, porque as consequências desta regra são mais extensas do que pode parecer e têm impacto na saúde.
Apetite, sono, tensão arterial, humor ou temperatura do corpo tudo é ditado pelo ritmo circadiano (cerca de 24 horas), controlado por um cronómetro minúsculo situado no cérebro, que, em função da luz, informa a hora ao resto do corpo. A noite não é igual ao dia, nem para os olhos, nem para o fígado, nem para a pele ou para o pâncreas.
É por este motivo que o nosso organismo responde melhor à hora solar do que ao relógio de pulso e também a razão pela qual muitos cientistas defendem que a hora de inverno deveria manter-se todo o ano - não há grande consenso entre a opinião científica e a população em geral, que prefere a hora de verão. Os especialistas acreditam que a habituação à mudança da hora pode demorar entre cinco e dez dias.
A luz, que os olhos percebem através da retina, dirige este mecanismo do corpo humano. Durante a estação mais fria do ano, gera-se um desequilíbrio na produção de melatonina e cortisol (hormonas que regulam o sono e o estado de alerta), uma vez que os dias são mais curtos e as pessoas tendem a reduzir a exposição solar. Por este motivo, alguns especialistas defendem que o atraso de uma hora no inverno afeta sobretudo idosos e adolescentes, que têm relógios biológicos menos flexíveis.
Crianças em idade escolar e idosos mais afetados
As crianças pequenas e em idade escolar estão entre as mais afetadas pela mudança da hora, já que é mais difícil para eles dormirem e acordarem à hora habitual, o que pode causar birras, irritação e desconcentração. As crianças dormem mais do que os adultos e têm horários mais rígidos, ao forçar a adaptação repentina ao novo horário dessincronizado o seu relógio biológico.
Os portugueses dormem pouco e mal, deitam-se tarde e acordam cedo. Metade da população dorme menos de seis horas e meia por dia, dizem os dados publicados, e a forma como o mundo escolar e laboral estão organizados contribui muito para isso. Não é à toa que Portugal com maior consumo de medicamentos para os distúrbios do sono, que é já considerado um problema de saúde pública.
"A falta de sono é uma negligência séria, tão séria como não alimentar devidamente uma criança", segundo a neurocientista Luísa Lopes. Os estudos do ritmo circadiário ainda estão no início, e se as perguntas são muitas, as respostas ainda são curtas. Por exemplo, será que as pessoas que trabalham por turnos - enfermeiros, pilotos, jornalistas, operários fabris -, sobretudo aqueles que têm turnos rotativos, vão estar mais vulneráveis a doenças neurodegenerativas daqui a 20 ou 30 anos?
Há estudos com enfermeiras que apontam para isso. Resultados preliminares de estudos em animais a quem são provocadas mudanças de ritmo apontam para alterações nas zonas da memória. Embora haja muita gente a conviver bem com o trabalho por turnos, outras queixam-se de problemas associados: falta de sono, falta da memória, falta de concentração, problemas ligados à ansiedade. Qual a relação destas sensações com o sistema imunitário? Toda. A este nível existem estudos com pilotos, por exemplo.
Mas a luz também influencia o que comemos. A dessincronização entre a hora das refeições e o relógio biológico faz com que as pessoas não descansem adequadamente, o que produz alterações hormonais que resultam no aumento da sensação de fome. O que, a longo prazo, aumenta também o risco de desenvolver alterações metabólicas e doenças como a obesidade ou o cancro.
O cansaço também leva as pessoas a escolherem alimentos com alto teor calórico, que contêm alguma energia extra. Alguns nutricionistas recomendam que, para manter o equilíbrio dos níveis de energia e evitar o cansaço, os horários das refeições devem ser ajustados. É que a mudança da hora faz com que algumas pessoas tenham mais fome a horas 'impróprias', comam mal e em maiores quantidades.
O ritmo circadiano influencia o metabolismo e a velocidade com que o organismo digere e absorve os nutrientes. Por isso, a última refeição do dia deve ser feita mais cedo, o mais tardar às sete da noite, ou seja, quatro horas antes de dormir, para evitar problemas como refluxo ou azia e não ficar predisposto a despertares noturnos.
Recentemente, cientistas descobriram que a sincronização dos relógios do corpo pode prevenir o envelhecimento. Um estudo publicado na revista Science mostra que a falta de coordenação entre o cronómetro central do cérebro e os relógios periféricos, localizados nos órgãos e tecidos, leva ao envelhecimento precoce e à perda muscular.
Numa experiência em ratos arrítmicos, os investigadores criaram um módulo de relógio básico, envolvendo um relógio central e um periférico (muscular). A reconstituição da rede do relógio cérebro-músculo foi suficiente para preservar as funções do organismo diárias fundamentais e prevenir o envelhecimento muscular precoce. Ou seja, quando os animais são gerados sem estes temporizadores moleculares, envelhecem prematuramente e morrem muito mais cedo, como se um humano morresse aos 40 anos de idade.
À espera da decisão da União Europeia
Em 2018, foi apresentada uma proposta para acabar com as mudanças de hora (horário de inverno e horário de verão) na União Europeia. Nesse ano, uma consulta pública da Comissão Europeia mostrou que 84% dos inquiridos, num universo de 4,6 milhões de respostas, era a favor de acabar com as mudanças de hora sazonais.
Mais de três quartos (76%) dos participantes consideraram ainda que a mudança de hora duas vezes por ano é uma experiência "muito negativa" ou "negativa". O desejo de pôr fim a esta regras foi suportado em argumentos como um impacto negativo na saúde, o aumento de acidentes de viação ou a falta de poupança de energia. Só 0,33% dos portugueses votaram, destes 79% era a favor de manter o horário de verão para sempre.
Na altura, o primeiro-ministro, António Costa, fez saber que Portugal pretendia manter mudança da hora, uma decisão tomada com base num relatório do Observatório Astronómico de Lisboa, que recomendou ao governo manter a mudança da hora e considerou que a transição para o regime de inverno devia acontecer mais cedo, em setembro.
Em 2019, sob proposta do Conselho Europeu, o Parlamento Europeu votou a favor a medida - 410 votos a favor, 192 contra e 51 abstenções -, propondo que avançasse apenas em 2021. A ideia era dar tempo aos países da UE para realizarem consultas públicas e avaliarem internamente os impactos da abolição das mudanças de hora sazonais, mas até hoje não foi tomada qualquer decisão nem estabelecidos prazos relativos a esta matéria, pelo que se mantém o atual sistema de adiantamento ou atraso dos relógios.
O que estava previsto é que cada Estado-membro decidisse se queria aplicar a hora de verão ou de inverno e comunicasse a sua escolha à Comissão Europeia, a quem competia verificar se as disposições previstas nos diferentes países salvaguardavam o bom funcionamento do mercado interno.
Acontece que o Conselho Europeu ainda não chegou a um entendimento sobre a proposta de diretiva da Comissão e, para avançar, Conselho e Parlamento Europeu têm de estar de acordo. Para a diretiva passar precisa de maioria qualificada dos dois lados.
O atual regime de mudança de hora é regulado por uma diretiva europeia de 2000, que define que todos os anos os relógios devem ser adiantados e atrasados uma hora no último domingo de março e no último domingo de outubro, respetivamente, marcando a hora de verão a hora de inverno.
Atualmente, existem três fusos horários na UE: hora da Europa Ocidental (TMG): Portugal, Irlanda e Reino Unido; hora da Europa Central: 17 Estados-membros; hora da Europa Oriental: Bulgária, Chipre, Estónia, Finlândia, Grécia, Letónia, Lituânia e Roménia. Para Açores e Ilhas Canárias vigoram disposições especiais.
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