Precisamos das relações para viver, mas os divórcios aumentam, as separações são constantes e a um nível mais global as pessoas estão cada vez mais sós ou mais em guerra.

Nascemos inerentemente programados para estar em relação, como forma básica de sobrevivência física e emocional. Biologicamente, necessitamos ser cuidados e alimentados, nascemos total e absolutamente dependentes de uma relação de cuidado físico e funcional, mas não só! Apenas sobrevivemos e vivemos se nos sentirmos amados, seguros, conectados, acarinhados, se as nossas necessidades emocionais e afetivas, que todos temos desde bebés, forem preenchidas, pelo menos, suficientemente bem. Pode chocar o leitor, mas esta é a verdade: um bebé minimamente alimentado, mas que não tem contacto físico, segurança e amor, morre. E se não morrer fisicamente, porque o instinto de sobrevivência é fortíssimo, vive provavelmente como um zombie o resto da sua vida e tal pode não ser uma morte, mas também não é vida.

Todo o nosso sistema físico, neurológico, imunológico, endocrinológico, psicológico e emocional está intimamente conectado. Sermos amados, sentirmos pertença e segurança, estarmos em relações saudáveis que favorecem uma relação saudável connosco próprios, onde há aceitação e empatia é preditor de mais saúde física e mais e melhor vida. O contrário será também verdade, menos e piores relações com desconexão, isolamento, desrespeito, agressão e trauma diminuem a nossa qualidade e esperança média de vida e aumentam a probabilidade de doenças físicas, psicossomáticas, em especial as autoimunes.

Precisamos tanto uns dos outros e nunca estivemos tão desconectados - uns dos outros e de nós próprios - e os casais que entram no meu consultório sentem e concluem precisamente isto.

Os adultos de hoje desejam e necessitam profundamente ser valorizados, aceites, vistos inteiramente pelo ser único que são e não por supostos ou expectativas idealizadas. Anseiam por ver isso nos olhos do seu companheiro/a como de água num deserto e utilizam as estratégias mais defensivas, protetoras e atacantes para o alcançarem, num misto de medo da vulnerabilidade de expressarem estas necessidades, com o medo de perderem e serem abandonados ou rejeitados se o fizerem. O resultado real é muitas vezes exatamente o temido, ficando desligados e sós, entre o conflito aberto ou o silêncio vazio e doloroso.

Muitas vezes, os filhos fazem o oposto nas suas relações parentais e conjugais do que os pais fizeram com eles, mas, por baixo desse oposto na forma, está uma mesma base de insegurança, medo, e desconexão.

Estes casais ficam aprisionados nas suas emoções, acumulam-nas e suprimem-nas, desconectam-se delas, de si mesmos e dos outros e apenas se conectam quando já não aguentam mais e explodem e magoam o outro e a si mesmos.

Os casais constituem-se, assim, com medo de mostrar a sua vulnerabilidade e emoções, muitas vezes porque aprenderam desde bebés que a expressão das emoções levava a uma rejeição ou agressão do cuidador, que tão bem os cuidou fisicamente, mas não os aceitou emocional e incondicionalmente, como referido acima. Para continuarem a sobreviver nessa dinâmica não tinham outra forma senão anulá-las, como defesa inteligente e adaptativa (até deixar de ser). Esta aprendizagem, de não preenchimento das necessidades emocionais desde muito pequeninos, não significa que os cuidadores tenham essa intenção, muito pelo contrário. A maioria dos cuidadores não são abusadores, são até muito bem-intencionados e sentem verdadeiro e profundo amor. Contudo, também eles não aprenderam a conectar-se consigo mesmos e com os outros e vão-se dando passagens transgeracionais destas aprendizagens de forma inconsciente e com a melhor das intenções.

O mesmo acontece e replica-se nas relações de casal. A replicação não é feita exatamente da mesma maneira: muitas vezes, os filhos fazem o oposto nas suas relações parentais e conjugais do que os pais fizeram com eles, mas, por baixo desse oposto na forma, está uma mesma base de insegurança, medo, e desconexão, o que leva a resultados muito semelhantes.

Estes ciclos são muito duros e dolorosos, rígidos e na maior parte inconscientes, mas a grande diferença entre ser criança dependente e adulto maduro está precisamente na possibilidade corajosa e consciente de os quebrar e em perceber que as aprendizagens que tivemos nos marcaram, influenciaram e até feriram, mas que não nos definem para sempre: enquanto adultos mais independentes podemos mudar, transformar, melhorar, libertar e amar melhor.

O primeiro passo é a consciência e esta por si só já exige uma tremenda coragem, pois é a porta de abertura para sentir e olhar para nós, para o que passamos, o que doeu e o que ainda dói, o que foi bom e que foi mau, o que aceitamos e que limites precisamos impor. De toda a consciência, a mais importante talvez seja a emocional. Sentirmos as nossas emoções, o nosso corpo, deixá-las fluir dentro de nós, experienciá-las e dar-lhes um significado pode ser mais doloroso do que qualquer dor física, e talvez seja também por isso que fazemos tantos esforços enquanto sociedade global para não as sentirmos. Já tive vários pacientes em consultório com as mais variadíssimas e graves doenças e dores físicas, mas todos eles, sem exceção, referem que a dor emocional é sempre a pior que já sentiram. E creio que é a pior porque é a mais profunda, a mais antiga, a mais primária, a que dói até à alma.

Estar em relação pode passar a ser um crescimento a dois, um renascimento a dois. Onde o que o outro nos dá não é a compensação de vazios, faltas e feridas, mas uma partilha genuína desta experiência.

Quando um casal consegue partilhar esta consciência e contacto emocional, de forma vulnerável, respeitosa e empática cria-se um nível de conexão extraordinariamente especial, na minha opinião: mágico.

Neste espaço de segurança e intimidade que é possível ser criada, há reparação. É na conjugação entre dor e coragem, vulnerabilidade e aceitação, entre sentir, ver e ouvir com verdade que o amor pode reparar, que a conexão se dá e que se preenchem necessidades de forma natural, não em dependência, mas numa interdependência saudável e humana, num encontro genuíno de dois seres humanos que se amam, quer sejam casais ou famílias.

Estar em relação pode passar assim a ser um crescimento a dois, um renascimento a dois. Onde o que o outro nos dá não é a compensação de vazios, faltas e feridas, mas uma partilha genuína desta experiência, com possibilidade de se prolongar para toda a vida e muito para além dela… para outras vidas.

Em cada relação há potencial de dor e amor, os dois são parte, um leva ao outro, mas esperemos que seja sempre o amor, aquele que é suficientemente bom para transformar a dor, a prevalecer.

Por isso se puder, pare, escute, olhe e sinta de verdade, para dentro de si e para dentro do outro e deixe a magia acontecer.

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Vanessa Damásio é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Familiar e Conjugal. Realizou a fase inicial da sua formação académica no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) em Lisboa, continuando a sua Licenciatura e Mestrado em Madrid, na Universidad Pontificia de Comillas. É apaixonada pelo trabalho com pessoas, na compreensão da unicidade de cada ser humano e nas relações que estabelecem. É Sócia Fundadora da Psinove – Inovamos a Psicologia, tendo funções de gestão, formação, e psicoterapia com adultos, adolescentes, famílias e casais.