No dia 30 de maio de 1940, o senhor Adelino Silva, residente em Lisboa, na Rua de Entrecampos, enviou uma missiva ao presidente do Conselho de Ministros, o professor Oliveira Salazar, na qual lhe dava conta de um acontecimento bizarro. De acordo com a descrição do senhor Adelino, nesse mesmo dia, por volta das 18.30 h., terão chovido folhetos germanófilos na Rua do Ouro… 

“Chovido” parece ser um termo inadequado; mas a verdade é que, literalmente, os folhetos caiam do céu às centenas e espalhavam-se pelo chão, causando o espanto dos transeuntes e, provavelmente, a galhofa dos petizes. Para provar o que dizia, o senhor Adelino incluía na sua missiva um desses panfletos, da autoria de um autointitulado “Grupo de Patriotas Anti-Anglófilos”. De onde haviam sido lançados, nunca se soube; as hipóteses mais credíveis falaram do cimo de um prédio da Rua do Ouro ou do elevador de Santa Justa.

Não sabemos a reação do professor Salazar ao ler a preocupada carta, se é que tal missiva lhe chegou às mãos. O mais certo, é o presidente do Conselho de Ministros já saber de tal acontecimento, sem ser necessário que particulares lho dissessem. Aquilo era, de facto, uma coisa inusitada; não pelo objeto em si estar a ser distribuído a rodos, nem pela mensagem, pois ambos eram corriqueiros; o mais estranho era o método. De facto, num país inundado de panfletos, folhetos, postais, prospetos e publicações de propaganda de cada um dos lados, tal chuva .de material era uma novidade e uma exceção. E, enfim, exceção deve ter continuado a ser, pois não temos notícia de que tal metodologia de distribuição de propaganda se tenha repetido em qualquer parte do território nacional. 

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Infelizmente, não nos chegou qualquer exemplar do tal folheto voador; mas a mensagem germanófila que difundia era a do costume. Antes de mais, embora reconhecendo que a maioria da opinião pública nacional apoiava os aliados -o que é significativo numa fase do conflito em que as coisas estavam a correr mal para os Aliados-, o tal Grupo de Patriotas defendia que era hora de os portugueses “se exprimirem”; referia que ao inimigos do Estado Novo apoucavam a Alemanha nazi como forma de reverter a o regime salazarista vigente e fazer a pátria regressar ao “abjeto” passado político dos partidos que tinham arrastado Portugal para a guerra (a Primeira Guerra, claro). Acusavam também o clero de “depreciar o nazismo”, e garantiam que a simpatia pró-inglesa dos portugueses era devida ao alto analfabetismo, que os impedia de perceber os males que a aliança anglo-lusa provocara ao nosso país. Pelo contrário, os alemães eram “gente que nunca nos fizera dano”, e que lutavam “de alma e coração” por uma causa “nobre, justa e humana”. Estavam assim identificados, nesses panfletos voadores de maio de 40, as três causas da anglofilia nacional: os reviralhistas da República, a obsessão católica e o analfabetismo.

A mensagem germanófila expressa nestes panfletos, dava o tom ao que seria a mensagem tipo (com variações, decerto) da propaganda alemã neste tipo de material. Pelo contrário, a propaganda aliada, não só elogiava a multissecular amizade e a aliança anglo-lusa, como elogiava o pundonor, a dignidade e a pujança aliada (em contraste com a bazófia dos lideres nazis, sempre desmentida pelos factos), bem como denunciava ainda as vilezas praticadas pelos nazis nos países que ocupavam. De um modo geral, o tom -em ambos os lados- era este. Enfim, aquilo que hoje se chama de “propaganda negra”…

(…)

Devido às suas características, este tipo de material - cartazes, brochuras, folhetos, postais, panfletos - tinham sempre uma mensagem breve e clara, quase como um slogan, compensando essa aparente singeleza com um grafismo apelativo. Todos os panfletos e folhetos que nos passaram pelas mãos têm um grafismo agradável, frequentemente colorido e com imagens claras. A mensagem é direta, a não ser quando envolta numa narrativa quase novelesca, se bem que neste caso tal seja mais evidente em brochuras envolvendo algumas páginas. 

Precisamente devido a essas características, os grandes temas da propaganda dos dois lados, giravam em torno de alguns temas simples e básicos, temas esses que, no fim, se enquadravam, claro, quer nas temáticas mais gerais da propaganda aliada e nazi, quer na especificidade do contexto e do público português.

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Autor: Sérgio Luís de Carvalho

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Assim, para os aliados, os grandes temas dos folhetos, postais e afins, tinham a ver com:

  • A resistência inquebrantável e animosa do povo inglês;
  • O poderio do seu exército, escorado num vasto império (o que, associado com o item anterior, era garantia de invencibilidade);
  • A popularidade dos seus líderes (com destaque para Churchill);
  • Os falhanços/derrotas nazis, explorando as contradições do triunfalista discurso dos seus dirigentes;
  • A amizade anglo-lusa, de que é paradigma a velha aliança;
  • A tirania nazi, seja em sua casa, seja nos países ocupados e a pressão sobre os neutros.

Para os alemães, o discurso explícito neste tipo de material, sedimentava-se nos seguintes tópicos:

  • As excelências do regine nazi e da vida na Alemanha;
  • As grandes realizações alemãs (técnicas, artísticas e por aí fora);
  • O poder das armas alemãs e os seus imparáveis triunfos;
  • O anticomunismo;
  • O cinismo e a vileza ancestral dos ingleses, exploradores de Portugal.

Claro que estes temas foram evoluindo ao longo do conflito. Nos primeiros anos, até 1942, sobretudo, quando o exército nazi parecia invencível,  a propaganda nazi enfatizava as vitórias e a infalibilidade dos discurso dos seus líderes. Sendo simplista, a propaganda alemã era mais “pró” que “anti”, embora não olvidasse nunca a vertente anti-inglesa.

Em contrapartida, nesse período, a propaganda aliada centrava-se na força e na resiliência do povo britânico, garantia de que, no final, este povo e este império não podiam perder.