A rebelião da Baixa de Cassange

O quadro regional

A tempestade que todos os sinais anunciavam para o Norte de Angola veio a atingir primeiro, não a região à partida mais afetada – o Baixo Congo –, mas uma outra, relativamente marginal, a Baixa de Cassange. Do ponto de vista geográfico, a zona é assim descrita por Aida Freudenthal:

«Vasta região do Norte de Angola, integrada na bacia hidrográfica do rio Zaire, profusamente irrigada pelo Cuango e seus afluentes Cambo, Luhossa, Lohanda e Lui, a Baixa constitui uma depressão de cerca de 75 mil km quadrados, com uma altitude média de 600-700 m, delimitada por escarpas e pontuada por alguns morros e montes que não ultrapassam os 1200 m. As chuvas regulares durante sete meses alimentam uma vegetação arbustiva de savana e em certos casos de “mata de panda”.

«O vale do Cuango define uma fronteira natural e histórica confinante a leste com a Lunda, sendo a região habitada há séculos pelos Bangalas, Bondos, Jingas e Holos do grupo etnolinguístico kimbundu, e pelos Basuku do grupo kikongo.1»

Situado no hinterland profundo de Luanda, Cassange constituíra dos séculos XVII a XIX uma unidade política com um papel de relevo nos intercâmbios mercantis das populações africana com os portugueses, servindo de barreira a estes últimos, no comércio com as zonas mais a leste, nomeadamente a Lunda. Em começos do século XIX, o seu monopólio dos fluxos mercantis diretos com Luanda desfez-se; mas a chamada «feira de Cassangmanteve-se como um ponto importante de conflncia das caravanas africanas e da troca com os comerciantes portugueses, ao longo de grande parte do século XIX. Do ponto de vista político, Cassange tendeu a desintegrar-se, sobretudo a partir de meados de Oitocentos, enquanto, por outro lado, se começava a fazer sentir a presença militar e administrativa portuguesa: datam de 1850-1851 as primeiras campanhas de ocupação da zona, que levaram à criação do distrito de Tala Mugongo. Seguiram-se alguns anos de débil soberania lusa, pontuados de incidentes, até à retirada das respetivas forças, em 1863. Só em 1911 se fará a ocupação definitiva, nos quadros das campanhas de «pacificação» do território, empreendidas desde finais do século XIX. Por essa altura, a «feira de Cassangperdera toda a sua importância como entreposto comercial, substituída por Malange, no planalto que sobrepujava a Baixa, onde a linha de caminho de ferro com origem em Luanda chegara em 1911. De Malange ficaCassange a depender doravante, do ponto de vista administrativo2.

No campo económico, o domínio sobre o território de Cassange só mais tarde se tornará efetivo, depois do colapso, em 1910, do comércio de borracha (que alimentara as caravanas dos Bangalas e dos Jingas, desde os últimos anos do século xix)3 e sobretudo depois de tomadas as primeiras medidas de integração das sociedades da região nas estruturas coloniais. O principal marco, neste âmbito, está no decreto n.º 11994publicado pelministro Jo Belo a 30 de julho d1926, pelo qual se procurava relançar o velho projeto de fomento da produção de algodão nas colónias. A regulamentação nele adotada assentava em três pilares: o incremento da cultura do algodão, confiada, no essencial, aos próprios «ingena, junto dos quais se deveria fazer uma intensa «propaganda», mostrando as suas vantagens, fornecendo sementes, aconselhando, fiscalizando e utilizando «outros quaisquer processos» achados convenientes (artigo 13.º); a concessão às fábricas de descaroçamento e prensagem do algodão de «zonas de ação», com mais de 50 quilómetros na sua maior extensão, nas quais teriam o exclusivo da compra do produto aos «indígenas» (capítulo III do decreto); e o controlo dos mercados pela administração pública, nomeadamente através da fixação anual dos preços pelos quais o algodão seria pago aos «indígenas» e da fiscalização das transações (artigos 19.º, 22.º e 23.º). Como sublinhou mais tarde um dos principais defensores da política colonial do Estado Novo, Silva Cunha, nada na letra destas disposições dava carácter obrigatório à cultura do algodão4: nos termos expressos do diploma, tratava-se de persuadir, e não de coagir, os «indígenas». Mas é pouco provável que nos meios coloniais portugueses se ignorasse que o sistema seguido tanto na África Equatorial Francesa como no Congo Belga, em que o decreto se inspirava, estava baseado em métodos de coerção, com o recurso a um «pequeno exército de boys-cotton (instrutores) encarregado de forçar a cultura do produto»5. Neste sentido ia, aliás, a norma que transformava os técnicos das empresas concessionárias em «agentes de autoridade», encarregados das ações de «propaganda e ensino» junto dos «indígenas» (artigo 13.º, § 1.º).

Nesse mesmo ano de 1926 se constituiu a Companhia Geral dos Algodões de Angola (Cotonang), de nacionalidade portuguesa, com capitais luso-belgas, que virá a ter um papel fulcral na Baixa de Cassange.

Mas nem o decreto nem a ação da Companhia tiveram efeitos imediatos. Nos anos seguintes, a cultura do algodão não se impôs, para o que terá contribuído sobretudo a alteração das condições do mercado internacional do produto, cuja cotação atingiu o seu ponto mais alto em 1926, baixando depois – o que tornava pouco atrativa a cultura para as possíveis empresas concessionárias6. Até 1932, não há qualquer aumento da importação de algodão colonial na metrópole, tanto em valor como em quantidade7.

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ao longo da década de 30 foram sendo estabelecidas as condições institucionais necessárias ao aumento sustentado do fornecimento do produto à indústria têxtil portuguesa, em substituição do estrangeiro – nomeadamente pelo acréscimo da área das concessões algodoeiras (decreto n.º 20881, de 13 de fevereiro de 1932, artigos 2.º, 4.º e 14.º). Em 1938, o decreto n.º 28697, de 25 de maio, criou a Junta de Exportação do Algodão Colonial (JEAC), destinada a coordenar nas colónias a ação das atividades de produção e comércio de algodão, cabendo-lhe promover a melhoria da sua qualidade e o aumento da área cultivada. À Junta competia ainda propor aos governadores coloniais o preço de compra do algodão aos «indígenas» e velar para que essa compra se fizesse nas condições legais e pelo preço estabelecido.

A partir de 1933, a percentagem da importação de algodão colonial na metrópole, em relação ao estrangeiro, foi crescendo, chegando aos 57% em 1939 e atingindo, durante a Segunda Guerra Mundial, números superiores a 80%, de 1942 em diante – para o que contribuíram decerto as perturbações do comércio internacional provocadas pelo conflito, dificultando o abastecimento no exterior. A maior parte deste algodão colonial provinha de Moçambique, com Angola em segundo plano8.

Este acréscimo da produção não se devia aos esforços de «propaganda» do cultivo junto da população. Reconhece-o o já citado Silva Cunha, admitindo que, embora na lei não se prescrevesse a obrigatoriedade da cultura, «na prática» sucedia «frequentemente que as autoridades, por zelo (ou excesso de zelo) por vezes» ultrapassassem os «limites legais», procedendo «de facto como se o regime estabelecido fosse o da obrigatoriedade de culturas»9. Segundo um testemunho insuspeito, vindo do lado das empresas concessionárias, era «inegável» que o algodão só se obtinha «com uma pressão extrema por parte das autoridades», não passando «numa palavra […] de um esquema compulsivo». Nesta perspetiva, seria inútil tentar o incremento do cultivo pelo aumento do preço pago ao produtor: vendo-se com mais dinheiro, «sem qualquer possibilidade de o aplicar adequadamente», os «nativos» teriam «tendência para cultivar menos algodão, a não ser que aumentasse a pressão das autoridades…»10.

Esta ideia estereotipada de que os «indígenas» africanos não respondiam, ou respondiam de forma contraditória, aos estímulos mercantis era obviamente falsa: para a desmentir, basta lembrar que, quando as condições o propiciavam, muitas dessas populações emigravam, em busca de melhor tratamento e melhor paga. Na realidade, os «nativos» resistiam à cultura do algodão, porque esta não compensava, tendo em conta, para além dos baixos preços tabelados, a intensidade de trabalho que exigia, ao longo do ano, prejudicando as culturas alimentares. Vencer essa resistência exigia uma pressão permanente sobre a população africana, exercida pelos capatazes dos concessionários e pelos «cipaios», com o apoio dos técnicos da JEAC, cuja função principal era o fomento da produção. Mesmo quando adotavam uma posição paternalista em relação à população africana que administravam, as autoridades coloniais locais viam-se obrigadas, em geral, a executar esta política, punindo os recalcitrantes, em nome dos interesses superiores do Estado11. Ao longo da década de 40, a condição dos «nativos» a quem era imposta a cultura do algodão foi-se ainda agravando, pelo contraste entre a estabilidade dos preços pagos ao produtor, fixados administrativamente a um nível muito baixo, e o aumento dos preços dos bens de consumo, que tiveram um acréscimo de 300% a 400%12.

Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, sendo Marcello Caetano ministro das Colónias, foi publicado o decreto n.º 35844, de 31 de agosto de 1946, que, mantendo as características fundamentais do sistema em vigor (as zonas concessionadas e o regime fiscal de proteção tendente à reserva do mercado metropolitano para o algodão colonial), visava aperfeiçoar os processos de produção, nomeadamente pela «concentração de campos de cultura» e pelo reforço das funções técnicas da JEAC, à qual competiria orientar as concessionárias na formação das concentrações e demarcar, dentro de cada zona algodoeira, as regiões em que se poderia cultivar o algodão. Esta mutação deveria elevar «gradualmente» o «indígena […] a uma fase mais próspera da atividade agrícola», caminhando-se para o «ruralato indígena», com a eventual construção de novos aldeamentos13.

Em termos gerais, o regime assim fixado deu um primeiro impulso à racionalização da produção de algodão colonial, pela maior intervenção dos serviços técnicos da JEAC, maior investimento em ferramentas e melhores transportes, com o consequente acréscimo da produtividade por hectare14. Em Angola, em 1955, assinalava-se o aumento da produção de 1941-1942 para 1953-1954, passando-se de 12 690 toneladas para 17 292, enquanto o número de cultivadores descera de 91 774 para 57 435, nos mesmos anos, e a área das culturas subira. No mesmo texto, referia-se que o preço pago pelo algodão em caroço continuava tabelado; se assim não fosse, «muitíssimos maiores» teriam sido «os resultados financeiros» dos «cultivadores indígenas»15. De facto, na viragem da década de 40 para a de 50, quando as cotações mundiais do algodão subiram fortemente, os preços de compra do produto aos cultivadores conheceram apenas aumentos pontuais em 1947, 1949 e sobretudo em 195116. No essencial, a condição dos «indígenas» nas zonas algodoeiras continuava sujeita à sua relação, profundamente desigual, com as empresas concessionárias, a que as autoridades administrativas estavam obrigadas a dar «assistência», sob a forma de uma «persistente ação junto dos indígenas com o objetivo de se conseguir o maior desenvolvimento agrícola dentro da sua área de jurisdição»17.

Nos meados da década de 50, quando de novo se debateu o regime algodoeiro nos meios governamentais – dando origem ao decreto n.º 40405, de 24 de novembro de 1955 –, estiveram em consideração exclusivamente os interesses das concessionárias e os da indústria têxtil metropolitana, que não coincidiam. De novo, no que aos «indígenas» dizia respeito, havia a tentativa de promoção de cooperativas de produtores, o que, segundo várias análises, teria constituído um importante avanço; mas a verdade é que delas se conhece apenas um caso de sucesso – o da cooperativa criada em Cabo Delgado, na fronteira norte de Moçambique, que chegou a contar mais de três mil membros18.

Maior peso do que a alteração legislativa de 1955 terá tido, para finais da década, a quebra da cotação internacional do algodão, que, a partir de 1958, caiu para valores inferiores ao preço estabelecido para o algodão colonial – o que punha em causa o modo de funcionamento de todo o sector, levando o Governo português a tomar medidas de compensação da indústria têxtil metropolitana, pelos decretos-leis n.ºs 42374 e 42375, ambos de 9 de julho de 1959.


Foi neste quadro institucional que se desenvolveu a atividade da Cotonang, a mais antiga empresa algodoeira do território português e a mais importante de Angola, onde, na década de 40, tinha cerca de 35 mil cultivadores sob o seu controlo, produzindo de 8 mil a 10 mil toneladas de algodão em caroço (65% a 75% do total angolano). Das 18 zonas concessionadas em Angola em 1946, cabiam-lhe cinco, compreendendo a região de Malange, que incluía a Baixa de Cassange19. Na primeira metade da década de 50, deu-se um aumento da área cultivada sob a supervisão da Cotonang, que atingiu 25 mil hectares em 1952 e 34 mil em 1954, com uma produção anual de 12 mil toneladas de algodão-caroço20. Essa área baixou nos anos seguintes: em 1959 e 1960, passou a 31 179 e 30 256 hectares, respetivamente (incluindo parte da Lunda, para além de Malange) com cerca de 34 mil cultivadores (numa população total que rondaria os 170 mil habitantes). Quanto à produção, foi de 13 570 toneladas em 1959 e de 9503 no ano seguinte, devendo esta quebra abrupta imputar-se a chuvas excessivas e ao efeito de insetos nocivos (um ponto a reter, na análise da rebelião da Baixa de Cassange, que ocorreu pouco depois). Por esta altura, a Cotonang tinha 74 mercados onde comprava o algodão aos «indígenas»; e empregava 100 «civilizados»21. Para além dos seus «propagandistas» e dos seus «monitores», que controlavam a área cultivada e o andamento dos trabalhos, a companhia contava sobretudo com a ação coerciva das autoridades administrativas e dos funcionários da JEAC, cujo auxílio não se cansava de louvar nos seus relatórios e nas declarações públicas dos seus dirigentes22.

Desastres da Guerra
Desastres da Guerra créditos: Temas e Debates

A rebelião

A rebelião da Baixa de Cassange tem como pano de fundo o regime de cultura forçada do algodão, cujas características gerais acabámos de descrever, e a ação que a Cotonang levava a cabo no seu âmbito.

Numa visão retrospetiva, os documentos portugueses da época – todos dos primeiros meses de 1961 – dão conta da existência de sinais de agitação na Baixa de Cassange já no ano anterior. Uma informação da PIDE datada de 27 de fevereiro de 1961 situa a «origem dos incidentes […] mais ou menos por altura da independência do Congo ex-Belga» – altura em que «os indígenas do posto de Milando e limítrofes passaram a aparentar uma humildade fora do costume o que causou uma certa desconfiança aos brancos residentes naquelas áreas […]». A «pedido» dos «agentes brancos», os «capatazes da Cotonang indagaram», tendo descoberto que os «indígenas» andavam «a matar toda a criação branca ou com malhas brancas, procedimento este aliás que já se vinha arrastando desde há cerca de 12 anos e que segundo diziam era determinado pelo seu Deus que não queria que os indígenas tivessem criação com aquelas características». Segundo outra versão que então aparecera, «quem mandava matar a criação era o “PESSA”, o que diziam significar “P.S.A.”PARTIDO SOLIDÁRIO AFRICANO»23. Provavelmente, a suposta alteração no comportamento dos africanos por altura da independência do Congo Belga era, neste caso, sobretudo o reflexo da inquietação dos colonos, face ao que ali se passava. Quanto às causas apontadas, remetem para duas ordens de fatores que iremos encontrar repetidamente referidas na descrição da rebelião – a ação de um movimento messiânico que, segundo a informação, estaria presente na região havia já vários anos; e a influência das organizações políticas do Congo-Léopoldville, nomeadamente do PSA, dominante no território com que a Baixa de Cassange fazia fronteira. Mas a informação da PIDE não consegue conjugar os dois elementos numa explicação coerente.

Por seu lado, os serviços técnicos da «Junta do Algodão de Angola», numa informação redigida a 5 de fevereiro de 1961, assinalam «uma certa agitação no meio indígena do sector algodoeiro de Milando» em começos de janeiro; mas admitem que «o movimento se houvesse iniciado há mais tempo»24. De facto, testemunhos recentes de africanos da zona reportam o início da revolta a outubro de 1960, quando os camponeses se teriam recusado a receber sementes de algodão para semearem em janeiro25.

Fosse como fosse, parece claro que só mesmo no final deste ano a Cotonang, a JEAC e as autoridades administrativas começaram a aperceber-se da gravidade da situação: segundo a citada informação da JEAC, «só após o Natal se notou a agitação», quando regressaram a Milando o agente da Cotonang, vindo de Malange, e o chefe do posto de Milando, vindo de Cunda. Essa «agitação» manifestar-se-ia «por uma certa relutância ao trabalho»; e coincidia «com a época de maior insistência para o pagamento da taxa de pessoal [sic] anual». Para a JEAC, era claro que ela resultava da «infiltração de indígenas provenientes do Congo ex-Belga», supondo-se que «esses elementos» entravam «pelas fronteiras do rio Cuango e seu afluente Tinguila»26.

A passagem de formas de resistência passiva a atos mais concretos de rebelião ter-se-á dado a 4 de janeiro, na área de Milando (um posto com uma extensão de oito mil quilómetros quadrados e uma população de 14 mil africanos, para 53 europeus somente27: na sanzala do soba de Quivota, a 10 quilómetros da sede do posto, os «indígenas» amarraram os capatazes da Cotonang (ou, noutra versão, apenas pretenderam amarrá-los), declarando-se depois dispostos «a atacar quem os obrigasse a trabalhar no algodão ou nos serviços do Estado», a «desobedecer ao chefe do posto» e a «não pagar o imposto anual»28. A recusa de pagar o imposto estava decerto relacionada com a já assinalada quebra da produção do algodão na Baixa do Cassange, em 1960, que diminuíra drasticamente os rendimentos monetários dos cultivadores; mas punha estes últimos em confronto direto, não só com a Cotonang, mas também com os agentes do Estado, no exercício de uma das funções fundamentais da soberania.

Poucos dias depois – entre 8 e 10 de janeiro – o chefe do posto de Milando insistiu, mandando «ao soba de Quivota e sobetas, um bilhete (mucanda) em que lhes dizia para eles e os indígenas irem pagar os impostos e registar as armas que possuíam. Estes, porém, não só não acataram a ordem como devolveram o bilhete dizendo que já não pagavam impostos nem recebiam ordens dos portugueses porque já tinham o seu Estado, que era o “PESSA”»29.

A 11 de janeiro (ou, noutras versões, já a 12), o chefe do posto, acompanhado do agente da Cotonang, com alguns cipaios armados, dirigiu-se à «sanzala Ganga-Muxica, onde os indígenas estavam reunidos». Mas, tendo sido avisados das intenções hostis destes últimos, retrocederam, dada a desproporção de forças, uma vez que não eram mais do que «dois brancos e alguns cipaios», não podendo «fazer frente aos indígenas em número aproximado a trezentos». Pediram então auxílio ao administrador de Caombo e ao próprio encarregado do Governo do distrito, em Malange30.

Entretanto, ainda a 11, ou, mais provavelmente, já a 12 de janeiro, interveio uma patrulha militar que estava de passagem, comandada pelo tenente Silva Santos, que, depois de conferenciar com o chefe do posto, se dirigiu à sanzala da Ganga-Muxica, onde se concentravam os «indígenas» amotinados e munidos de «armas gentílicas» (catanas, azagaias e canhangulos). Estes ter-lhe-iam dito: «Nós não queremos matar; mas se o branco vem matar-nos, matamos também.» Tenente e chefe dos rebeldes, depostas as respetivas armas, parlamentaram31 – o que significava que a autoridade militar presente aceitava ouvir as reclamações das populações revoltadas.

Em Malange, o assunto foi ponderado na noite de 12 para 13 e, «já com o conhecimento do Encarregado do Governo do Distrito e do Governo Geral [de Angola], seguiu um destacamento para o Milando», aonde chegou na manhã de 13, bem como o administrador da circunscrição de Caombo. Este último «tentou entrar em contacto com os indígenas da sanzala Quivota mandando-os comparecer no posto [de Milando]; responderam por escrito [num bilhete redigido por um catequista] que nada tinham que comparecer porque já tinham o seu Governo chefiado por Kasavubu que, por intermédio da “Maria” lhes mandou dizer que não deviam pagar impostos, dar pessoal para serviços públicos, nem fazer algodão; mais escreviam que faziam algodão se a “Maria” os mandasse mas pagarem imposto e receberem ordens do Estado é que não fariam […]»32.

Para além da referência a Kasavubu, então Presidente da República do Congo-Léopoldville, aparece-nos aqui também invocada a personagem de «Maria», assim caracterizada numa das informações da PIDE:

«Quanto a esta figura de mulher, não está perfeitamente definida, mas constatou-se que na área do posto de Loremo [sic, por “Luremo”], existe uma soba preta de nome gentílico NGURIACAMA, a qual é conhecida pela RAINHA DOS MUSSUCOS [ou Basuku] e que tem a idade aproximada de 30 a 35 anos. Esta preta, que segundo se sabe, tem também o nome de MARIA, é adorada pelos mussucos sobre os quais exerce grande influência […].

«Segundo informações também recebidas, esta preta leva uma vida mais ou menos errante, pois aparece e desaparece, constando que a sua zona de ação, tanto é no território nacional como no Congo ex-Belga, de onde ao que parece emanam as suas ideias de insubordinação e agitação e protege e dá asilo a todos os portugueses agitadores.33»

Livro: "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)"

Autor: Valentim Alexandre

Editora: Temas & Debates

Data de lançamento: 22 de julho

Preço: 17,91€

É compreensível a atitude da polícia, tentando a todo o custo encontrar, sob o nome de «Maria», uma qualquer personagem real, que pudesse eventualmente vir a responsabilizar e a prender; mas é mais provável que se tratasse de uma figura mítica, ou mitificada, no seio do movimento messiânico que percorria a região (um ponto a que voltaremos mais adiante).

Reagindo à resposta dos rebeldes, o administrador de Caombo fez intervir a força militar – que encontrou a «sanzala deserta e um capataz indígena da Cotonang, assassinado a tiro e que se supõe que vinha fugindo da região insubordinada» (não sendo portanto claro – acrescentamos nós – quem era o responsável pelo assassínio, nem as circunstâncias em que fora praticado). Entretanto, as forças militares «receberam ordens do encarregado de Governo, através do administrador, para evitar derramamento de sangue ou qualquer ato de violência até à sua chegada, [pelo que] nada fizeram». Tendo regressado a Milando, «a patrulha militar […] tomou providências para proteção do posto e população europeia com receio de qualquer ação dos indígenas», que não veio a acontecer34.

O encarregado do governo de Malange – Júlio Monteiro Júnior, um cabo-verdiano com carreira na administração colonial, em particular na sua terra natal35 – chegou a Milando a 14 de janeiro. Nas suas «instruções secretas» ao administrador de Caombo, de dia 11, recomendara já a contemporização com as populações africanas: mesmo se se verificasse alguma influência externa, o problema central era o do cultivo forçado do algodão. As forças militares tinham também sido instruídas para se limitarem a marcar a sua presença, sem atacarem. Em ofício para o governador-geral de Angola, Silva Tavares, datado de 13, manifestara a sua intenção de analisar as razões dos protestos dos agricultores e de lutar contra os abusos da Cotonang, protegendo a população36.

Partindo destes pressupostos, Júlio Monteiro procurou sanar o conflito. A sua ação em Milando foi assim descrita na informação do funcionário do JEAC já citado37:

«Chegado a Milando, o encarregado do Governo ali mandado pelo governo-geral […] parlamentou com diversos indígenas não sublevados fazendo-lhes promessas apaziguadoras para os manter calmos. Como se tratava [d]e indígenas não sublevados e que, portanto, disseram que acatavam as suas determinações, o snr. Encarregado de Governo ficou convencido de que se tratava de exagero da autoridade administrativa e dos próprios militares quanto à insubordinação dos indígenas, dizendo não haver, portanto, motivo para qualquer castigo, que aliás de todo proibiu.

«Regressou o snr. Encarregado do Governo a Malange passando pelo Cunda e onde soube […] que os indígenas das sanzalas Taca, Quibunda e Muzangala do setor do Cunda, região do Quizenga, se haviam já sublevado, informação que pôs em dúvida. Perante a insistência do funcionário da Junta do Algodão e do agente da Cotonang, acabou por os aconselhar a que pactuassem com os sobas daquelas sanzalas, levando-lhes garrafas de vinho do Porto ao que ambos se recusaram por considerarem perigosa e desjustificante [sic] tal atitude. O encarregado do Governo em todas as suas manifestações e desabafos considerou então a cultura do algodão como a causa destas insubordinações, aconselhando a deixarem os indígenas à vontade quanto a fazerem ou não esta cultura.»

Todo este relato é tendencioso. Para minimizar a relevância do acordo obtido por Júlio Monteiro, afirma-se que ele se limitou a falar com «indígenas não sublevados», o que é pouco verosímil. A alegada recomendação de apaziguar os sobas revoltados, levando-lhes garrafas de vinho do Porto, visa claramente a desacreditar a ação do encarregado do governo de Malange, por ser obviamente desadequada à gravidade das circunstâncias. O ponto essencial vem relegado para o fim do relato: a necessidade de «deixarem os indígenas à vontade quanto a fazerem ou não» a cultura do algodão. Esta era, na realidade, a questão crucial, em que a política de Júlio Monteiro encontrava a oposição tanto da Cotonang como da JEAC.

Sobre ela versavam decerto as promessas feitas aos sublevados – só assim os podia aquietar. Mas esse era também o ponto fraco da linha seguida por Monteiro: essas promessas não poderiam ser cumpridas, a menos que se desse uma mudança drástica do regime algodoeiro, que só as instâncias superiores poderiam empreender. Isto explica a sua partida para Luanda, a 17, «munido de vasta documentação para provar que a cultura algodoeira era responsável pelo sucedido»38.

Na sequência da intervenção de Júlio Monteiro, a situação tornou-se menos aguda no Milando: numa informação posterior da PIDE, afirma-se que ela era «calma», pelo menos «aparentemente», tendo os «indígenas» regressado «aos seus povos» – mas continuando «resolvidos a não trabalharem mais na cultura do algodão, cujas lavras abandonaram»39.

Mas a «efervescência» não se limitava ao Milando, atingindo vários outros postos da Baixa de Cassange, nomeadamente a zona mais setentrional, habitada pelos Holos, um grupo étnico que se repartia por Angola e pelo Congo-Léopoldville, nas duas margens do rio Cuango. Aí, a norte do posto de Tembo Aluma, junto à fronteira, verificavam-se «acontecimentos idênticos aos de Milando – os indígenas abandonaram do mesmo modo a cultura do algodão e recusam-se a voltar ao trabalho»40. Tendo tomado conhecimento desta situação a 22 de janeiro, o chefe do posto pediu providências para Luanda, onde se encontrava o encarregado do governo de Malange; não as obtendo, de momento, requisitou o auxílio de uma patrulha militar que passava na região, vinda de Milando. Esta partiu de facto para Tembo Aluma, mas na companhia do «administrador da circunscrição de Nova Gaia (Songo), que para ali seguia na qualidade de enviado especial do governo do distrito, incumbido verbalmente de observar no Marimbanguengo [ou sobado de Marimba Nguengo] o que ali se passava»41. Tratava-se de Angleu Teixeira, um administrador respeitado pelos africanos42, que vinha encarregado de ouvir as suas queixas e de usar «meios suasórios para restabelecer a calma nos espíritos e a ordem alterada»43. Angleu Teixeira terá deixado a patrulha militar a distância, para conferenciar, só e desarmado, com os sublevados. Estes seriam várias centenas (de 200 a 600, consoante as versões), estando alguns armados de «zagaias e outras armas “gentílicas”» e com insígnias do PSA – Parti Solidaire Africain – do Congo44. A resposta que Angleu Teixeira recebeu do seu interlocutor, o soba Bumba, foi taxativa:

«Toda esta confusão não é nossa. Nada queremos de vocês, brancos, a não ser que nos deixem viver a nossa vida à parte. Hoje só obedecemos ao Kasavubu cuja ordem nos veio por emissários que mandou e que nos disseram:

  • «1.º Não devem pagar impostos ao Estado.
  • «2.º Não devem trabalhar para os brancos.
  • «3.º Só devem trabalhar a vossa mandioca.
  • «4.º Estas são as ordens do Pessa, da Maria e do Kasavubu.

«Se vocês brancos querem guerra não a façam a nós, mas sim ao Pessa, à Maria e ao Kasavubu que são os responsáveis por tudo. Podem-nos matar, mas nós somos inocentes. Esta foi a ordem que nos veio de Fátima que foi quem criou o mundo e todos os homens pretos e brancos. O Governador-Geral de que nos falas que se entenda com o Kasavubu […]. Lembro-te que isto teve início no Cassule Cuenda e as ordens vêm da Maria. Nós é que nada inventámos e só cumprimos ordens. Façam com que venha outra ordem e tudo ficará como dantes. Tu podes vir quando quiseres, mas de dia, e não me tragas mais tropas, cipaios ou capitas.45»

A presença das insígnias do P.S.A. e as referências ao «Pessa» nada tinham de extraordinário: estava-se na zona de fronteira, e no território vizinho, habitado também pelos Holos, era esse o partido dominante. Também a invocação de Kasavubu era natural: pelas vias tradicionais ou pelas emissões de rádio, as notícias corriam depressa em África, não podendo duvidar-se de que na Baixa de Cassange se conhecia a evolução geral do Congo-Léopoldville, de onde os belgas se tinham visto forçados a partir. A referência a «Maria» – aqui associada a Fátima – mostra o peso de um messianismo de carácter sincrético na rebelião (tema a que voltaremos mais adiante).

Regressado a Malange com o destacamento militar, o administrador Angleu Teixeira pediu providências para Luanda, defendendo que se tornava «necessário capturar Cassule Cuenda, executar uma ação de força sobre a tribo amotinada, capturando os sobas Bumba e Bimbe, bem como os principais indígenas». Mas ainda então o encarregado do governo de Malange preferia «resolver o conflito por meios pacíficos»46.

Nos dias seguintes, para o final de janeiro, cresceu a pressão sobre os partidários da linha de contemporização (que eram vários, em diversas funções, e não apenas Júlio Monteiro, como já veremos). Para tal contribuiu, antes de tudo o mais, o alastrar da revolta. Em telegrama para Luanda, no início de fevereiro, o governo de Malange fazia assim o ponto da situação:

«Agitadores tribu maolos partindo Luremo distrito Lunda agiram Milando Quivota Cameia Quizenga Cundariabza todos postos Milando assim como Marimba Nguengo posto Tembo Aluma. Todas essas localidades difícil acesso motivos Vexa conhece. Sabe-se outros sobas maolos comprometidos movimento tende alastrar-se lugares Chiquita Marimba bem como zona tribu bangalas como Songoxandel Quitapa Chige. Posto Milando onde estaciona patrulha nada mais aconteceu.47» Ainda no dia 2 de fevereiro, o governo de Malange informava «que na povoação de Cunda do posto Milando indígenas armados exigiram saída brancos porque não queriam mais brancos»48.

Esta era uma forma elíptica de dar conta de uma situação muito complexa em Cunda, repleta de incidentes, que vai ter um peso determinante na evolução dos acontecimentos na Baixa de Cassange. Segundo uma informação da PIDE, esse era um dos focos principais de agitação – sabendo-se «que um dos grandes instigadores dos indígenas para largarem o trabalho, era o soba Cunda». Este teria mandado «emissários seus pelas sanzalas do seu sobado e sobados limítrofes, aconselhar os indígenas a deixarem de trabalhar, sob pena de verem comprometida indefinidamente a independência do seu território e arrancar o algodão já meio crescido, dizendo-lhes que a terra era deles e que não trabalhassem enquanto que na mesma se mantivessem os brancos e ainda que todo aquele que continuasse a trabalhar seria trespassado por azagaias. Simultaneamente instigaram os indígenas a uma desobediência total e absoluta aos brancos, aconselhando-os a não terem medo destes nem das suas armas porquanto estas não feriam nem matavam, mas deitavam água […]»49.

Do lado da JEAC, sublinhava-se também a especial gravidade da «insubordinação» «nos arredores da povoação do Cunda dada a densidade e grau de evolução dos indígenas» – gravidade que se manifestava «em insultos à população branca, agressões à pedrada e ameaças de saque e de morte aos comerciantes» (tal como acontecera já «no Quizenga onde quiseram matar os capatazes destruindo-lhes as casas e haveres»)50.

Desta virulência resultava um elemento novo, que ganha relevância nos dias iniciais de fevereiro – o alarme dos colonos. Estes, «vendo os indígenas em constantes reuniões e manifestações ruidosas», tinham-se resolvido a «pedir ao Governo do Distrito a proteção para as pessoas e bens, por recearem que de um momento para o outro os indígenas começassem a assaltar estabelecimentos e residências, já que não era desconhecida a sua situação de miséria»51.

Mais concretamente, em finais de janeiro ou já no primeiro dia de fevereiro, comerciantes de Cunda foram a Malange reclamar providências. Não sendo possível, no imediato, fazer seguir tropas da Companhia de Caçadores Especiais, estacionada nesta cidade (por necessitar de autorização do Estado-Maior, em Luanda, segundo se alegava), foi decidido desviar para Cunda duas patrulhas que deviam dirigir-se a Tembo Aluma e Milando. Comerciantes e agentes da Cotanang regressaram então a Cunda, a 1 de fevereiro, tendo constatado «que as sanzalas ao longo da estrada estavam totalmente desertas». na Baixa de Cassange, depararam-se com um ambiente muito agitado:

«Quando chegaram à Baixa, logo na primeira sanzala, viram que os pretos cantavam e dançavam ruidosamente o seguinte canto «MANIPUTO TUGE GINGILA», cujo significado é o seguinte: – (O GOVERNO É MERDA DE PASSARINHO). Nas sanzalas seguintes os indígenas vieram para a estrada a insultarem-os [sic] dizendo-lhes novamente que se fossem servir das suas mães e que lhes dessem as suas mulheres; outros disseram que lá estavam à sua espera e outros que não queriam os brancos. Em frente às sanzalas os mesmos encontraram montes de sementes de algodão espalhadas na estrada, sementes essas que tinham recebido.

«No Issanga Teca, viram que em cima de um monte de sementes os indígenas tinham colocado uma máscara de madeira cujo rosto estava pintado de branco com um fundo em vermelho vivo (significando que a intenção, era cortar a cabeça aos brancos). Seguindo o seu caminho verificaram que entre Muhanha Bangilo e Cunda, uma ponte estava destruída a qual tiveram que arranjar para poderem passar e enquanto eles faziam esta reparação os indígenas da área do Cunda, dançavam e cantavam ruidosamente.52»

Em Cunda, onde se encontravam já «o secretário de Cambo e a patrulha de rotina comandada pelo tenente Silva Santos», registou-se um incidente menor com os «calcinhas» – na terminologia da informação da PIDE que vimos citando (sendo esta uma forma depreciativa, comum em Angola, de referir os africanos europeizados)53. É este um dos raros casos – a que poderá acrescentar uma ou outra referência à intervenção de catequistas – em que na documentação sobre a revolta se alude a este estrato da população local. Em toda a região, os «assimilados» não seriam mais de quatrocentos54; e o seu papel na rebelião foi de toda a evidência muito marginal, sem comparação com o desempenhado pelas autoridades tradicionais, nomeadamente sobas e sobetas, esse sim, muito relevante.

Entretanto, foram-se reunindo em Cunda «dezenas de indígenas armados de espingardas, gumbas, bengalas e azagaias», formando um grupo de cerca de quatrocentos, que marchou «para o centro da povoação […] em altos berros e dizendo “que o dia tinha chegado”, em atitudes ameaçadoras»55. Segundo outro relato, os «indígenas […] insultaram os soldados e a própria autoridade administrativa, ameaçando de morte todos os brancos e ofendendo as mulheres destes, dizendo que as violariam. Diziam que as armas dos brancos só deitam água, levando o seu fanatismo ao ponto de se exporem abertamente às armas dos militares e pedindo mesmo até que os soldados atirassem sobre eles, muitos virando as costas na persuasão certa de que nada sucederia e que as armas eram inofensivas […]56».

A patrulha comandada pelo tenente Silva Santos não interveio – fosse por eventuais ordens de contenção que tivesse; ou, como se aventa numa das informações da PIDE, por considerar que, embora pudesse «suster e dizimar aquela concentração que era de cerca de 400 negros», não conseguiria «aguentar cerca de seis mil negros concentrados num raio de mil metros em volta do Cunda», por não ter pessoal nem munições para isso57. «Não se recebendo reforços da capital do distrito, acabou por decidir-se, com o apoio de todos os europeus do Cunda […] regressarem todos a Malange, incluindo os militares e onde chegaram na manhã do dia 2 de fevereiro.58» De entre os evacuados, os comerciantes foram então à Associação Comercial de Malange, a partir da qual pediram «imediatas providências», por «estarem receosos do que aconteceria às suas casas». Tratava-se de uma iniciativa importante, do ponto de vista político: em Angola, as chamadas «associações económicas» tinham um grande peso, substituindo em algumas das suas funções, face aos poderes públicos, os partidos proibidos pelo Estado Novo.

Implícita ou explicitamente, os comerciantes de Cunda – e, com eles, a Associação Comercial de Malange – davam voz ao «geral descontentamento» que reinava «em todo o distrito» (entre os colonos, entenda-se), pela atitude de Júlio Monteiro perante a revolta e, mais do que isso, pela sua «acentuada tendência para proteger os negros», manifestada «em várias circunstâncias», o que para as «populações brancas», seria uma «consequência daquele ser também de cor». Daquela «tendência» a PIDE dava vários exemplos: o de ter «feito rever processos já arquivados», em que os «indígenas» se queixavam «dos funcionários administrativos lhes terem batido, daí resultando alguns castigos para estes»; o de ter discordado da aquisição de armas pelos comerciantes (já autorizada pelo secretário do governo de Malange), argumentando que o que eles deviam fazer era dar «mais dinheiro aos pretos que é o que eles precisam»; e o de ter evitado a entrega àquela polícia de vários suspeitos de serem «agitadores», entre eles um catequista da missão católica. De tudo isto – ainda segundo a PIDE – teria resultado «um descontentamento e desconfiança coletivos e apreensão geral, sobre o futuro dos brancos que assim não veem da parte do Governo qualquer garantia de prosseguirem na sua obra de civilização e de engrandecimento da Pátria»59.

Deve acrescentar-se que a apontada «tendência» para «proteger» os negros não era apenas o resultado da idiossincrasia de Júlio Monteiro: ela refletia a política de aproximação às populações «nativas» que se esboçou por finais da década de 50 em várias das colónias portuguesas (dando lugar ao que, no livro Contra o Vento, apelidámos de «reformismo mitigado»), em geral atacada pela PIDE e malvista por uma parte dos colonos.

Foi neste contexto, marcado pelo descontentamento destes últimos, que, ainda no dia 2 de fevereiro, o governador-geral de Angola, Silva Tavares, remeteu ao Ministério do Ultramar o já citado telegrama, assinalando o agravamento da situação na Baixa de Cassange. Na informação do governo de Malange nele transcrita, sublinhava-se o perigo de que as «populações não indígenas[,] tomadas de pânico», fugissem da região, «tanto mais que [os] comerciantes europeus» se mostravam «muito alarmados conduzindo-se [de] forma [a] criar pânico». Para obviar a estes perigos, propunha-se o «envio imediato [de] patrulhas militares» para várias localidades (Tembo Aluma, Marimba, Cunda, Songoxandel, Xamuteba e Mucumba); e sugeria-se que «aviões grandes» da TAP sobrevoassem com «frequência [as] zonas referidas», como demonstração de força e de presença, significando que «não abandonamos [o] assunto60».

Parece claro que estas providências se destinavam pelo menos tanto a acalmar os colonos como a sufocar a revolta, que se supunha poder ser contida pela presença de algumas patrulhas e pelo efeito de «atividades administrativas» que estavam «sendo estudadas e em curso» (como se diz no telegrama de Malange). Decerto, a população branca da Baixa de Cassange era em número muito reduzido cerca de 500-600, nos cálculos de René Pélissier61 –; mas o seu êxodo para Malange teria uma ampla repercussão em toda a colónia, pondo em causa, para além de Júlio Monteiro, o governador-geral de Angola e afetando mesmo o Governo de Lisboa.

Este elemento novo acrescia à pressão já exercida pela Cotonang, tanto localmente como na metrópole62, a que agora se juntava a de outra grande empresa angolana, a Diamang, que, ainda a 2 de fevereiro, comunicou a Silva Tavares «que os trabalhadores voluntários em número de cerca [de] 600 das suas prospeções mineiras ao longo do rio Cuango» tinham abandonado o «trabalho»63.

A situação, no seu conjunto, foi ponderada na reunião convocada pelo governador-geral de Angola, em Luanda, reunindo o comandante militar, o comandante da Força Aérea, o secretário-geral, os secretários provinciais e o diretor da PIDE. «Concluiu-se pela necessidade [de] ocupar militarmente [a] região designadamente onde existem europeus» – o que significava que se iriam deslocar para a zona forças idas de Luanda. Mas assentava-se também que se deveria «evitar ações de fogo», procurando-se, pela presença da tropa, «impor respeito garantir segurança [das] populações fiéis e evitar [o] alastramento [da] subversão». Para fundamentar esta política de contenção, invocavam-se, para além do teor de um ofício do Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar, o «caso Santa Maria» (o navio tomado na Venezuela por um comando de oposicionistas das duas ditaduras ibéricas, chefiado por Henrique Galvão, que supostamente se dirigiria a Luanda – o que atraíra as atenções internacionais para Angola). No entanto, não se excluía o uso da força, estabelecendo-se que a tropa responderia «o mais energicamente possível a qualquer agressão». Em termos mais gerais, consideravam-se «os meios militares disponíveis insuficientes»; e alertava-se para a gravidade da situação, prevendo-se que os «incidentes se precipitar[iam] nesta e possivelmente noutras regiões». O governador aproveitava para instar pela aprovação de empréstimos já pedidos para desenvolver em Angola a ação que a situação impunha64.

Antes que a resolução tomada no governo-geral tivesse qualquer efeito, na Baixa de Cassange os acontecimentos precipitavam-se. Sob a pressão dos comerciantes, o governo de Malange determinou que um destacamento militar de cerca de 20 homens acompanhasse alguns deles no regresso a Cunda, onde ficaria instalado. Insultada e apedrejada no percurso, realizado na noite de 2 para 3 de fevereiro, a força não respondeu, tendo atuado «à coronhada», ao chegar à povoação, «por ter sido nitidamente provocada». Mas, no dia 3, começaram as ações de fogo65:

«Apesar de todas as contemporizações anteriores cerca das 11 horas uma horda de indígenas [cerca de 150, segundo o relatório do Ministério da Defesa, estando entre eles “uma espécie de feiticeiro agitador”] avançou a corta-mato de uma sanzala distante 500 metros da povoação tendo disparado dois tiros; receberam desta vez em resposta o fogo dos militares e inicialmente, para os atemorizar, a primeira rajada foi dirigida a uns metros à frente dos indígenas; como estes continuassem a avançar dirigiram os militares o fogo diretamente para os indígenas, fugindo prontamente a maior parte e alguns oferecendo-se às balas, ficando até à debandada geral, 11 indígenas mortalmente atingidos. Um destes só veio a falecer nesse dia à noite, declarando várias vezes que tinha sido enganado em relação à ação das armas militares [os “agentes de propaganda” lhes terem “afirmado que as nossas armas só disparavam água” – acrescenta-se no relatório militar].»

Pela mesma altura, os funcionários da JEAC idos de Sunginge para Cunda davam-se conta de outros «sinais de insubordinação», nomeadamente a existência de «sementes de algodão queimadas e espalhadas na estrada ou ao lado desta e bocados de cadernetas oficiais dos indígenas, de justificativos de taxas anuais e de cartões vários, espetados em pequenos paus»66.

A linha de contenção reiterada na reunião de 2 de fevereiro do governo-geral ficava desde logo prejudicada pela ação de fogo em Cunda – alegadamente efetuada contra o avanço de um grupo hostil, do qual teriam sido disparados dois tiros. Não é possível confirmar ou infirmar esta versão com a documentação de que dispomos; como quer que fosse, a fraqueza da força militar – cerca de 20 homens apenas – face a ajuntamentos muito numerosos, num ambiente agitado, criava decerto uma sensação de insegurança por si mesma propícia a incidentes desta natureza. De qualquer forma, este poderia ter sido apenas um caso isolado; mas acabou por revelar-se um dos pontos de viragem da política seguida pelas autoridades coloniais na Baixa de Cassange.

Ainda no dia 3, em Luanda, Silva Tavares comunicava para Lisboa que os acontecimentos se precipitavam com «extrema rapidez», não se podendo «protelar mais [uma] ação militar enérgica»67.

Para fazer face à situação, foi constituído pelo Comando-Chefe de Angola um Batalhão de Caçadores composto pela 3.ª Companhia de Caçadores Especiais (menos um pelotão), pela 4.ª Companhia de Caçadores (reforçada com um pelotão) e quatro secções de atiradores indígenas. A «ideia da manobra» era deslocar uma daquelas companhias para Cunda, «a fim de aí restabelecer a ordem pública, descobrindo os responsáveis pelos acontecimentos». Terminada esta missão, aquela povoação ficaria «ocupada com o efetivo julgado conveniente», deslocando-se a companhia para Milando, com objetivos semelhantes aos assinalados para Cunda. A outra companhia e as quatro secções de atiradores permaneceriam em Malange, assegurando aí a «manutenção da ordem pública» e garantindo «o eventual reforço dos efetivos deslocados para Cunda […] e Milando»68.

As operações começaram com a chegada a Quela, já na Baixa de Cassange, a 5 de fevereiro, da 4.ª Companhia de Caçadores Especiais, ida de Malange. No dia seguinte, dá-se um incidente grave, que marca a evolução subsequente: uma patrulha destacada «ao amanhecer» para «reconhecer o itinerário […] foi atacada pela retaguarda sofrendo dois mortos, um ferido grave e quatro ligeiros. As forças atacantes sofreram 70 mortos entre eles um cabecilha e 39 feridos; foram feitos 21 prisioneiros»69. A 7 de fevereiro, dá-se outro facto marcante: «a pedido da Companhia foi executada uma missão aérea sobre algumas aldeias indígenas que parece ter provocado algumas baixas»70. O «apoio aéreo» – ou seja, o bombardeamento de ajuntamentos de «indígenas» ou das suas aldeias – era uma novidade, na história colonial portuguesa. A ele se voltou a recorrer por diversas vezes nas semanas seguintes, mobilizando pequenos aviões de reconhecimento – os Auster – com base em Malange, e aviões de reconhecimento oceânico reconvertidos como bombardeiros, com metralhadoras – os Harpoon –, que voavam a partir de Luanda71.

A 8 de fevereiro, a 4.ª Companhia procedeu à «limpeza» da sanzala de Cunda, onde «foram encontrados cerca de 10 mil indígenas armados e emboscados». Deu-se então um confronto, assim descrito no relatório militar que vimos seguindo: «A Companhia de Caçadores Especiais fez demonstrações de fogo com as suas armas para os atemorizar. Aqueles, dizendo que as armas deitavam água e não faziam baixas declararam que iam atacar [sic]. Depois de umas rajadas altas de metralhadora, como a situação se agravasse, foram alvejados, sofrendo quatro mortos e vários feridos entre os quais um cabecilha procurado. No meio de grande confusão debandaram, ficando apenas mulheres, crianças e velhos desarmados. O régulo e quatro sobas da região foram presos e castigados corporalmente como exemplo. Mais tarde alguns sobas e sobetas começaram a fazer a entrega de armas.72» Torna-se evidente, pelo próprio relato, que o que começa por ser apresentado como uma multidão de «10 mil indígenas armados e emboscados» não passava do conjunto da população da zona, refugiada no mato, estando parte dela munida de armas «gentílicas» (catanas, azagaias, eventualmente um ou outro canhangulo). Por outro lado, é difícil de crer que rajadas de metralhadora, tendo como alvo um grupo de centenas de pessoas, provocassem apenas quatro mortos.

Tendo a situação melhorado em Cunda, onde, nos dias seguintes, se foram entregando «sobas com armas» (que se queixavam «da maneira como são tratados por parte dos agentes da Cotonang»), determinou-se que a 4.ª Companhia seguisse no dia 11 para Marimba, mais a norte, de onde havia notícias de vários incidentes: ameaças e agressões ao chefe do posto, quando se dirigia para uma «reunião de sobas da região, a fim de com eles parlamentar»; corte do mastro onde era hasteada a «Bandeira Nacional» por «indígenas da raça negra “Ginga” amotinados»; assalto da casa do chefe do posto73. Mas a progressão da companhia fez-se com dificuldade, «em virtude das chuvas constantes», e também por causa do mau estado das estradas, «cortadas em vários pontos por abatises» e com «alguns pontões destruídos». A 13, a força, acusando «fadiga» regressou «para descansar» a Caombo, de onde pediu «apoio aéreo». Em três recontros, fez 10 mortos e seis feridos, respetivamente, sem sofrer baixas. A 16, a companhia chegou finalmente a Marimba, onde a situação estava «calma», tendo-se-lhe apresentado vários sobas. Foram enviados emissários aos restantes sobas intimando-os a submeterem-se até ao dia seguinte74.

Entretanto, a sublevação alastrava a outros pontos da Baixa de Cassange. No dia 9, assinalava-se que em Xá-Muteba (a sul) «a população branca reunida no Posto Administrativo ped[ia] transporte ou armas», enquanto «os cipaios desp[iam] as fardas para não serem maltratados». Quatro dias depois, registava-se que, nessa mesma zona, uma patrulha, atacada, abrira fogo, «fazendo alguns mortos. Os restantes retiraram, tendo sido preso o chefe da revolta na localidade». Mas isso não obstou a que ocorressem «mais dois incidentes, tendo os indígenas sofrido 20 baixas e sido preso o cabecilha, que se sup[unha] ter sido treinado no Congo» (não sendo claro se se tratava do «Chefe da revolta», já antes apontado75.

Na parte leste da região, já no distrito da Lunda, no dia 11 «uma patrulha enviada de Camaxilo para Luremo, não chegou ao seu destino em virtude do mau estado dos caminhos. Durante o trajeto foi atacada não sofrendo baixas. Ripostando pelo fogo, causou oito mortos aos atacantes». Mas a 12, não tinha ainda passado o rio Cuango76.

Pela mesma altura, «a observação aérea continua[va] a referenciar grupos de indígenas armados em várias regiões». Em particular, «nas proximidades de Milando foi referenciada uma grande concentração de indígenas esperando-se a todo o momento o ataque à povoação, e notando-se por parte da população sinais desesperados pedindo socorro». A 14, registava-se que «os comerciantes quer[iam] abandonar a povoação por falta de socorro». Também a norte, em Tembo Aluma, junto à fronteira, no dia 12 «a situação afigura[va]-se muito grave desconhecendo-se pormenores»77. Para Tembo Aluma se dirigiu a 4.ª Companhia. À sua chegada, a 17, encontrou a sanzala abandonada: os aldeãos tinham acabado de atravessar o rio Cuango, refugiando-se na República do Congo, acompanhados pelo soba Bumba, «rei dos Holos»78. A força dirigiu-se então para sul, ao longo do rio Lui, a fim de socorrer Milando. No seu percurso, pediu mais uma vez «apoio aéreo», a 18 de fevereiro, desta vez «sobre a povoação de Marimba Anguengo onde se encontra[vam] cerca de 500 indígenas com o cabecilha Gamboa»79. Atendendo à dificuldade de atingir Milando «por via terrestre em virtude do estado das comunicações», a zona foi bombardeada a 23 e 24 de fevereiro80, sendo depois «pacificada».

A leste, perduravam ainda focos de revolta, nomeadamente no Iongo (perto do Lui), onde «os indígenas mais aguerridos» se concentravam «nos sobados Cassange-ca-Lucala, Muanha e Malonebe», daí desafiando a tropa — tropa essa que, pelo seu lado, não podia avançar porque as estradas estavam «intransitáveis» e com «muitas pontes destruídas». A 27 de fevereiro, interveio de novo a Força Aérea, em particular em relação a Culaxingo, «considerado o rei dos Bângalas e quartel-general dos indígenas mais aguerridos»81. Nas zonas de fronteira, os bombardeamentos e a aproximação das forças portuguesas levavam à fuga de muita da população para o território vizinho do Congo82.

A 8 de março, uma informação do Estado-Maior do Exército, assinalando a sucessiva apresentação dos sobas revoltosos às autoridades e a apreensão de muitas catanas e azagaias, para além de um considerável número de «espingardas gentílicas», dava toda a região da Baixa de Cassange como praticamente «pacificada», do ponto de vista militar83 (o que subentendia que existiam questões por resolver de outros pontos de vista). As operações aéreas tinham já findado a 2 de março84.

Em meados deste mesmo mês, a PIDE considerava que a situação dos cultivadores africanos estava normalizada85. Ao que parece, desde finais de fevereiro, parte deles tinha «voltado ao trabalho e recebido as sementes de algodão para as suas lavras, após dois meses de maior intensidade da revolta»86.


Na análise da política seguida pelas autoridades coloniais face à revolta, deve ressaltar-se a profunda diferença entre a linha seguida até 3 de fevereiro (de contenção, evitando as ações de fogo e procurando parlamentar com os sublevados) e a que desde então foi posta em prática (de tiroteio indiscriminado sobre grupos apenas munidos de armas «gentílicas», de prisões e «castigo» dos revoltosos e dos respetivos sobas, tudo isto acompanhado de ataques aéreos sobre populações indefesas).

Esta mutação de política deve-se, antes de mais, às pressões exercidas sobre a administração colonial, nos seus diversos níveis, tanto pelas grandes empresas afetadas (nomeadamente a Cotonang, mas também, embora de forma marginal, a Diamang), a que se juntaram as dos colonos, na sua maioria comerciantes na zona, com o seu protesto na Associação Comercial de Malange e a sua ameaça de êxodo da região. Mas pesaram também outros fatores, de ordem mais circunstancial, nomeadamente a própria debilidade das forças militares portuguesas face a multidões revoltadas, numa área muito extensa e num terreno difícil, por vias de comunicação que a época das chuvas, então em curso, tornava intransitáveis. Nestas condições, era fácil que qualquer incidente pusesse em causa a linha de contenção defendida, por razões nem sempre coincidentes, pelos governos de Malange, de Luanda e de Lisboa (este último, temendo sobretudo as repercussões internacionais de uma eventual repressão, que poria em causa o mito da pax lusitana em que se fundava a defesa da política portuguesa para o «ultramar», tanto no plano interno como no externo). Como vimos, esses incidentes ocorreram a 3 de fevereiro (primeira ação de fogo da tropa sobre uma multidão) e sobretudo, a 6 de fevereiro, com a emboscada sofrida pela 4.ª Companhia, que teve dois mortos, um ferido grave e quatro ligeiros. Um ataque desta natureza conduzia quase inevitavelmente, no quadro colonial, a uma repressão indiscriminada, como se um dique se rompesse. A convicção, muito partilhada, de que se combatiam povos primitivos e selvagens (é significativo que a expressão «hordas indígenas» apareça nas fontes da época) abria o caminho ao exercício da força sem restrições.

Pode ainda admitir-se, ao menos como hipótese de trabalho, que o clima de alta tensão criado pelos acontecimentos da noite de 3 para 4 de fevereiro em Luanda (que analisaremos no próximo capítulo), contribuindo para pôr termo às tímidas tentativas de aproximação às populações africanas conduzidas durante o governo de Silva Tavares, se refletiu depois na forma como a revolta da Baixa de Cassange acabou por ser reprimida, a partir de 3 de fevereiro.

Em qualquer caso, deve lembrar-se que esta via repressiva era comum na história recente do colonialismo português (recordemos Batepá, Mueda, Catete e Viqueque). Mas há na Baixa de Cassange uma diferença da escala, devido à extensão da área abrangida pela revolta e ao seu prolongamento no tempo.

Novidade também, no caso português, era o recurso ao «apoio aéreo», ao bombardeamento (como tivemos ocasião de salientar). Tratava-se, no entanto, de uma arma já muito experimentada em situações coloniais, depois da Primeira Guerra Mundial. Utilizara-a a Grã-Bretanha, na Somália, em 1919-1920, e, a partir daí, no Médio Oriente e noutras regiões do império, nomeadamente no Quénia, já na década de 50, para combater a rebelião dos Mau Mau87. Também a Itália de Mussolini a empregara na Itália, no começo dos anos 30; e, a partir de 1935, na guerra de ocupação colonial da Etiópia, fazendo em ambos os casos um extenso uso de gás mostarda (ilegalizado por uma convenção internacional de 1925)88. Por outro lado, a França, na Argélia, bombardeara as populações refugiadas nas regiões montanhosas durante os massacres perpetrados pelas autoridades coloniais, após a manifestação independentista de Sétif de 8 de maio de 194589; e, em Madagáscar, utilizara a aviação para suprimir a revolta desencadeada a 29 de março de 1947, num processo de repressão que, no seu todo, provocou dezenas de milhares de mortos90. Em todos estes casos, os bombardeamentos levaram a repressão a um novo nível, aterrorizando populações indefesas.

Na Baixa de Cassange, a aviação foi empregue, não apenas em operações de reconhecimento, mas também para alvejar as «concentrações de rebeldes» com metralha ou com bombas e granadas91. Segundo uma versão muito corrente na historiografia da revolta, a Força Aérea Portuguesa teria recorrido igualmente a «bombas incendiárias» (napalm)92. A fonte desta alegação é o testemunho de José Ervedosa, prestado em fevereiro de 1970 no jornal Africasie93: tendo participado ele próprio nas missões aéreas na Baixa de Cassange, como piloto, Ervedosa (que depois desertou) relata que, por esse meio, foram destruídas 17 aldeias, sendo queimados vivos cerca de cinco mil homens, mulheres e crianças94. As fontes militares portuguesas – e os historiadores que nelas se apoiam de preferência — negam esta versão: segundo J.P. Cann, por exemplo, o napalm foi efetivamente utilizado em Angola, mas mais tarde, já na segunda metade de 1961, depois de chegados os aviões F-84G Runderjets95. No estado atual da questão, o emprego das «bombas incendiárias» não pode considerar-se como um facto confirmado; mas não deve ter-se como definitivamente excluído96.

Difícil se torna também chegar a uma conclusão segura sobre o número de vítimas provocadas pela repressão da revolta. Em 1978, no seu livro La Colonie du Minotaure, René Pélissier refere um vasto leque de possibilidades, até então já aventadas – indo de algumas centenas (segundo o missionário metodista norte-americano Malcom McVigh, em artigo de 1962), a cinco mil (de acordo com o depoimento de José Ervedosa, já citado), a sete mil (número avançado em 1969 por John Marcum, no livro Re Angolan Revolution, vol. I, p. 125), ou mesmo a 20 mil, número que o autor afasta de imediato, por inverosímil97. Como é natural, os autores que dão como certa a utilização de napalm pela Força Aérea Portuguesa tendem a aceitar como prováveis as estimativas que flutuam entre os cinco mil e os 10 mil mortos entre os africanos98. Os números serão consideravelmente mais baixos, se se excluir o emprego de napalm.

Do lado oficial português, assinalavam-se a 20 de fevereiro de 1961, entre os «insurretos», «147 mortos identificados», «66 feridos identificados» e «29 prisioneiros»; mas acrescentava-se haver «notícia vaga de mais mortos não enumerados»99. Em finais do mesmo mês, esse número subiria para 243 mortos e 96 feridos100 – a que decerto haveria também que adicionar os «não enumerados», quer nos confrontos no terreno quer por efeito dos bombardeamentos. Mas, mesmo se comportarmos as vítimas africanas pela ordem das centenas, e não dos milhares, é clara a desproporção entre elas e as perdas suportadas pelo Exército português, cifradas em dois mortos, um ferido grave e quatro feridos ligeiros101. Acresce que estas baixas se reportam todas à primeira «emboscada» referida pela 4ª Companhia de Caçadores Especiais, a 6 de fevereiro – o que quer dizer que daí até ao fim da revolta só os «insurretos» tiveram vítimas. Nestas condições, é difícil mesmo falar em «combates», justificando-se a utilização do termo «massacre» para qualificar o que se passou na Baixa de Cassange durante o mês de fevereiro e em começos de março de 1961.

O avanço das Forças Armadas portuguesas teve ainda uma outra consequência – a fuga das populações para o vizinho Congo, mais fácil e mais comum, como é óbvio, nas regiões fronteiriças. Também aqui se refere um número porventura exagerado – o de 50 mil refugiados em campos, segundo indicações de 1964 no Boletim da FNLA (sucessora da UPA). Mas o mais provável é que estejam aí abrangidos, para além dos que fugiram na altura da sublevação da Baixa de Cassange, os provocados por ocorrências posteriores, que sacudiram todo o Norte de Angola.

Aos efeitos da ação militar devem juntar-se os da agressão policial que se ia exercendo, à medida que se «pacificavam» as diversas zonas. Embora parte dos prisioneiros tivesse sido posta em liberdade pelas forças militares, alguns foram remetidos à PIDE, acusados de serem os «cabecilhas da sublevação indígena», ou de serem «agitadores», alguns vindos do Congo. Como Aida Freudenthal refere, em finais de março, «além da cadeia da PIDE estar cheia, havia pelo menos cerca de 200 detidos no quartel da 3.ª Companhia em Malange».  razões para supor que a repressão na Baixa de Cassange se reacendeu, no quadro da hostilidade e da perseguição à população africana que se criou em toda a Angola, após os acontecimentos de 15 de março no Norte da colónia (um ponto a que voltaremos no próximo capítulo).


2 A rebelião da Baixa de Cassange

1.«A Baixa de Cassange: algodão e revolta», in Revista Internacional de Estudos Africanos, números 18-22, 1995-1999, pp. 245-283, aqui p. 247.

2. Sobre os termos deste parágrafo, cf. Jill Dias, «Angola», in Valentim Alexandre e Jill Dias (coords.), O Império Africano, 1825-1890, vol. X da Nova História da Expansão Portuguesa (direção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques), pp. 319-556, nomeadamente pp. 337-339, 412-420, 433-435, 475-482; e René Pélissier, La Colonie du Minotaure, p. 397, e História das Campanhas de Angola, vol. I, pp. 31, 107-123, 353-382.

3. Cf. Jill Dias, «Mudanças nos padrões do poder no “hinterland” de Luanda. O impacto da colonização sobre os Mbundu (c.1845-1920)», in Penépole, n.º 14, pp. 42-91, aqui pp. 70-71.

4. O Trabalho Indígena, pp. 260-264.

5. J. Forbes Munro, Africa and the International Economy, 1800-1960, p. 129.

6. M. Anne Pitcher, Politics in the Portuguese Empire The State, Industry, and Cotton, 1926-1974, pp. 68-71.

7. Cf. o quadro do preâmbulo do decreto n.º 28697, de 25-05-1938; e M.A. Pitcher, op. cit., quadro A, pp. 282-283.

8. M.A. Pitcher, op. cit., Apêndice, Table A4, pp. 282-283.

9. Silva Cunha, op. cit., p. 264.

10. Turneer, diretor de campo de uma companhia, citado por Carlos Fortuna, O Fio da Meada, p. 156, que recolheu o texto in L. Vail e L. White, «Tawani Machambero!: Forced Cotton and Rice Growing on the Zambezi», Journal of African History, XIX, 2, p. 251.

11. L. Vail e L. White, Capitalism and Colonialism in Mozambique, pp. 314-318 e 325; C. Fortuna, op. cit., pp. 121-122, 128, 143, 151, 155-156; C. Messiant, 1961. L’Angola Colonial, histoire et société, pp. 70, 263-264 (sobre a Baixa de Cassange); Henrique Galvão, relatório apresentado em 1947 na Assembleia Nacional, transcrito parcialmente in O Assalto ao «Santa Maria», pp. 81-100, aqui pp. 97-98; Orlando Ribeiro, A Colonização de Angola e o Seu Fracasso, p. 163 (sobre a Baixa de Cassange).

12. C. Fortuna, op. cit., pp. 155-156. M.A. Pitcher, op. cit., Apêndice, Tables A9 e A10, pp. 290-291.

13. Cf. o relatório do decreto e o seu articulado, maxime os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 5.º, 10.º e 50.º.

14. M.A. Pitcher, op. cit., pp.196-197; C. Fortuna, op. cit., pp. 161-163; L. Vail e L. White, op. cit., p. 320.

15. «Cultura Indígena do Algodão», artigo do jornal A Província de Angola, transcrito no Boletim Geral do Ultramar (BGU), n.º 363, setembro de 1955, pp. 274-276.

16. M.A. Pitcher, op. cit., Apêndice, Tables A7 e A9, pp. 290-291.

17. Cf. o decreto 35844, de 31-08-1946, artigo 11.º, n.º 4 e o seu § 2º.

18. M.A. Pitcher, op. cit., pp. 198-199; C. Fortuna, op. cit., p. 165.

19. M.A. Pitcher, op. cit., pp. 116-117.

20. BGU, n.º 392, fevereiro de 1958, notícia com o título «Companhia Geral dos Algodões de Angola», pp. 157-165; e declaração do administrador-delegado da Cotonang, pp. 158-159.

21. R. Péléssier, La Colonie du Minotaure, pp. 399 e 404-409, maxime os quadros BCI e BCVII, a pp. 399 e 407.

22. M.A. Pitcher, op. cit., p. 136; e declaração citada na nota 20, loc. cit., p. 159.

23. Informação n.º 216/61-GU da PIDE, 27-02-1961, secreta, in AOS/CO/UL-32A2, Pasta 41, fls. 292-294, aqui fl. 292 (p.1).

24. Informação intitulada «Evolução dos Acon- tecimentos na Baixa», redigida a 05-02-1961, transcrita na informação da PIDE n.º 262/61-GU, 07-03-1961, in AOS/CO/UL-32A2, Pasta 23, fls. 193-195, aqui fl. 193 (p.1).

25. «Angola ainda chora massacre dos camponeses de Cassange», in Jornal de Angola, 03-01-2009. Consultado no site «Angola notícias» a 15-08-2017.

26. Informação citada, transcrita na informação da PIDE n.º 262/61-GU, loc. cit., fl. 193 (p.1).

27. A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 260, nota 39.

28. Ibidem, p. 260, com base em informações da PIDE; a mesma descrição, com a variante referida no texto, em Dalila Mateus e Álvaro Mateus, Angola 61, p. 44.

29. Informação da PIDE n.º 216/61-GU, de 27-02-1961, secreta, in AOS/CO/UL-32A2, Pasta 41, fls. 292-294, aqui fl. 292 (p.1).

30. Ibidem, pp. 1-2; e a informação da PIDE referi- da na nota 24, fl. 193. Nesta e noutras versões, a sequência dos factos é sensivelmente idêntica; mas há pequenas discrepâncias quanto às datas. Seguimos, em cada ponto, a versão que nos pareceu mais verosímil.

31. Ramada Curto e Bernardo Pinto da Cruz, «Terror e Saberes Coloniais», in Miguel Bandeira Jerónimo (org.), O Império Colonial em Questão (Séculos xix-xx), p. 8 (com base no Apontamento n.º 34, 07-03-1961, do inspetor Morais Martins); A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 260; informação da PIDE n.º 216/61-GU, citada, loc. cit., aqui fl. 293 (pp. 1-2).

32. Informação da PIDE referida na nota 24, loc. cit., fl. 193 (pp. 1-2); A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., pp. 260-261.

33. Informação da PIDE n.º 216/61-GU, secreta, loc. cit., fl. 292 (p. 2); A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., pp. 260-261, nota 42.

34. Informação da PIDE referida na nota 24, loc. cit., fl. 193 (p. 2).

35. Alexander Keese, «Bloqueios no Sistema», in M. Bandeira Jerónimo (org.), op. cit., pp. 222-249, aqui pp. 242-247.

36. A. Keese, «Dos Abusos às Revoltas?», in Africa- na Studia, n.º 7, 2004, pp. 247-276, aqui p. 255, notas 15, 16 e 18.

37. Informação da PIDE citada na nota 24, loc. cit., fl. 193 (p. 2).

38. Ibidem.

39. Informação da PIDE n.º 144/61-GU, 06-02-1961, secreta, in AOS/CO/UL-32A1, Pasta 7, fls. 366.

40. Ibidem.

41. Informação da PIDE, citada na nota 24, loc. cit., fl. 194 (p. 3).

42.Informação da PIDE n.º 144/61-GU, 06-02-1961, secreta, loc. cit.

43. A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 261, com base no Apontamento n.º 34 do inspetor Mo- rais Martins.

44. Ibidem (itálico do original); R. Curto e B. Pinto da Cruz, op. cit., loc. cit., p. 9.

45. A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 262; R. Curto e B. Pinto da Cruz, op. cit., loc. cit., pp. 9-10.

46. R. Curto e B. Pinto da Cruz, op. cit., loc. cit., p. 10; A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 262.

47. Telegrama 8SEC do governo de Malange, incor- porado no telegrama 28 SEC do governador-geral de Angola ao ministro do Ultramar, Luanda, 02-02-1961, in AOS/CO/UL-8i, Pasta 1, fls. 16-19, aqui fls. 16-17.

48. Telegrama do governador-geral citado na nota anterior, loc. cit., fl. 17.

49. Informação da PIDE n.º 216/61-GU, 27-02-1961, secreta, in AOS/CO/UL-32A2, Pasta 41, fls. 292-294, aqui fl. 293 (p. 3).

50. Informação da PIDE citada na nota 24, loc. cit., fl. 194 (p. 4).

51. Informação da PIDE n.º 216/61-GU, 27-02-1961, secreta, loc. cit., fl. 293 (p. 3).

52. Ibidem, fl. 293 (p. 4).

53. Ibidem, fl. 293 (p. 4).

54. R. Pélissier, La Colonie du Minotaure, p. 401.

55. Informação da PIDE n.º 216/61-GU, 27-02-1961, secreta, loc. cit., fl. 293 (p. 4).

56. Informação da PIDE citada na nota 24, loc. cit., fl. 194 (p. 4).

57. Informação da PIDE n.º 216/61-GU, 27-02-1961, secreta, loc. cit., fl. 293 (p. 5).

58. Informação da PIDE citada na nota 24, loc. cit., fl. 194 (p. 4).

59. Informação da PIDE n.º 216/61-GU, 27-02-1961, secreta, loc. cit., fl. 294 (pp. 5-6).

60. Telegrama 8SEC do governo de Malange, trans- crito no telegrama 28 SEC do governador-geral de Angola, Luanda, 02-02-1961, in AOS/CO/ UL-8i, Pasta 1, fls. 16-19, aqui fl. 17.

61. Op. cit., p. 399.

62. A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 263, referindo o telegrama 21SEC do Ministério do Ultramar ao governador-geral de Angola de 26-01-1961.

63. Telegrama do governador-geral de Angola, 28 SEC, 02-02-1961, loc. cit., aqui fl. 18 (p. 3).

64. Ibidem; e A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 48 (sobre o temor das repercussões internacionais de qualquer ação de força).

65. Informação da PIDE citada na nota 24, loc. cit., fl. 195 (p. 5); e relatório do Ministério da De- fesa, «A Região da Baixa de Cassange», Lisboa, 20-02-1961, «confidencial e muito secreto», in AOS/CO/PC-78J, Pasta 4, fls. 446-453, aqui fl. 449. Neste último, a ação de fogo relatada é situada no dia 4 de fevereiro, e não a 3.

66. Informação da PIDE citada na nota 24, loc. cit., fl. 195 (p. 5).

67. Telegrama do governador-geral de Angola, 30 SEC, 03-02-1961, in AOS/CO/UL-8i, Pasta 1, fl. 20.

68. «A Região da Baixa de Cassange», relatório do Ministério da Defesa, loc. cit., fls. 448-449 (pp. 3-4). Tanto em R. Pélissier, op. cit., pp. 417-418, como na generalidade da bibliografia posterior (nomeadamente, John Cann, «Baixa do Cassang[sic]: Ending the abuse of Portugue- se Africans», in Small Wars and Insurgencies, pp. 500-516), reporta-se a ação no terreno de duas companhias. Seguimos no texto a versão registada em documentos da época provenientes do Ministério da Defesa (para além do relatório acima indicado, o Boletim de Informações do Comando-Chefe das Forças Armadas de Angola, fevereiro de 1961, trans- crito em Lúcio Lara, Um Amplo Movimento…, vol. I, pp. 494-501), que refere apenas a ação da 4.a Companhia. Parece, no entanto, que 3.a Companhia interveio, embora de forma limitada, na zona sudeste da região.

69. Ibidem, fl. 450 (p. 5). Passo sublinhado por Salazar.

70. Ibidem. Passo sublinhado por Salazar.

71. J.P. Cann, op. cit., loc. cit., p. 504.

72. Relatório «A Região da Baixa de Cassange», citado, loc. cit., fl. 450 (p. 5). As duas últimas frases foram sublinhadas por Salazar.

73. Ibidem, fl. 450 (p. 5), entradas relativas a 8, 9 e 12 de fevereiro. Passos sobre a Cotonang sublinhados por Salazar.

74. Ibidem, fls. 450-452 (pp. 5-7), entradas relativas a 8, 11, 12, 15 e 16 de fevereiro. Muitos dos passos citados estão assinalados por Salazar.

75. Ibidem, fls. 450-452 (pp. 5-7), entradas relativas a 9, 13 e 14 de fevereiro. Os três passos citados estão sublinhados por Salazar.

76. Ibidem, fl. 451 (p. 6), entradas relativas a 11 e 12 de fevereiro.

77. Ibidem, fls. 451-452 (pp. 6-7), entradas relativas a 11, 12 e 14 de fevereiro. Passos referentes a Milando e Tembo Aluma assinalados por Salazar.

78. J.P. Cann, op. cit., loc. cit., p. 509.

79. Relatório «A Região da Baixa de Cassange», citado, loc. cit., fl. 453 (p. 8), entrada relativa a 18 de fevereiro. Salazar assinalou a parte final da última frase citada.

80. Ibidem, fl. 453 (p. 8), entrada relativa a 18 de fevereiro; e J.P. Cann, op. cit., loc. cit., pp. 509-510.

81. A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 265, e fonte aí referida; A. Keese, op. cit., loc. cit., p. 258, e fonte aí referida.

82. A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 265.

83. Informação citada por Anabela da Silveira, «A Baixa de Cassange: o prenúncio da luta arma- da», in Porto, n.º 3, 2013, pp. 39-54, aqui p. 50.

84. J.P. Cann, op. cit., loc. cit., p. 510.

85. Informação de 20-03-1961, citado por A. Keese, op. cit., loc. cit., p. 258.

86. A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 265.

87. J.P. Cann, op. cit., loc. cit., p. 512.

88. Christopher Duggan, Ils y Ont Cru Une Histoire Intime de L´Italie de Mussolini, pp. 266-267 e 276-278.

89. Yves Bénot, «La décolonisation de l’Afrique française (1943-1962)», in Marc Ferro (org.), Le livre noir du colonialisme, pp. 692-694.

90. Idem, ibidem, pp. 701-710, maxime p. 704.

91. J.P. Cann, op. cit., loc. cit., pp. 504, 507, 509-510.

92. Cf. p. ex. R. Pélissier, op. cit., p. 418; A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 264 e 266-267; Anabela da Silveira, op. cit., loc. cit., p. 48.

93. N.º 9, pp. 31-32.

94. Citado por A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., pp. 264 e 266-267.

95. Op. cit., loc. cit., pp. 514-515, nota 51.

96. Mas deve desde já rejeitar-se, por inaceitável, a tentativa de assassinato de carácter feita pelo general Silva Cardoso no livro Angola – Anatomia de Uma Tragédia, a pp. 38, 47, 191, 206 e 208-209, retomada depois por J.P. Cann, op. cit., loc. cit., nota 51, em relação ao major Ervedosa, para desqualificar o seu testemunho. J.P. Cann acrescenta, nesse sentido, que Ervedosa afirmou que a 08-02-1961 o capitão Teixeira de Morais requereu o bombardeamento da senzala Cunda-Ria-Basa; ora, nesse dia, chovia torrencialmente, o que impedia as missões aéreas. No entanto, o relatório militar «A Região da Baixa de Cassange» citado, loc. cit., fl. 450, refere, na entrada relativa a 7 de fevereiro, que, «a pedido da Companhia [de Teixeira de Morais] foi executada uma missão aérea sobre algumas aldeias indígenas que parece ter provocado algumas baixas». Ou seja: Ervedosa ter-se-á enganado apenas num dia, na sua datação. Neste como noutros casos, o seu testemunho deve ser avaliado em si mesmo, no confronto com outros dados e versões.

97. Op. cit., p. 418.

98. Casos de A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., pp. 266-267; Dalila Mateus e Álvaro Mateus, op. cit., p. 57; Anabela da Silveira, op. cit., loc. cit., pp. 50-51.

99. Relatório «A Região da Baixa de Cassange», citado, loc. cit., fl. 453.

100. A. Freudenthal, op. cit., loc. cit., p. 266; J.P. Cann, op. cit., loc. cit., p. 511.

101. Relatório citado, loc. cit., fl. 449 (p. 4), entrada relativa a 6 de fevereiro; e fl. 453 (p. 8).