Capítulo 2 — Denúncias
Como vimos na introdução, o arquivo da PIDE documenta amplamente o carácter frequente, para não dizer corrente, da delação no Portugal de Salazar – até ao ponto de as próprias autoridades políticas lamentarem o facto. Na perspectiva do historiador, as cartas de denúncia enviadas à PIDE por cidadãos individuais, de forma não solicitada, representam o modo mais evidente de interacção espontânea entre a população e a PIDE. O seu significado, não só em termos sociais e políticos, mas também do próprio policiamento da sociedade, é por isso fundamental para a análise da relação entre os Portugueses e a polícia política. Nos fundos arquivísticos consultados foi possível localizar, seguindo os métodos definidos na introdução, um total de 613 cartas de denúncia escritas durante a década em estudo.
Neste capítulo pretendemos responder a duas perguntas centrais. Quais foram os motivos dos cidadãos que optaram, espontaneamente, por escrever cartas de denúncia à PIDE? Qual o significado destas cartas em termos de ajustamento das práticas sociais à presença da PIDE no período do salazarismo tardio? O conteúdo deste capítulo permitirá também determinar, na conclusão, em que medida a sociedade portuguesa pode ser definida como uma sociedade “em autopoliciamento”.
Qualquer abordagem a estas perguntas requer em primeiro lugar uma tipologização das cartas de denúncia que permita proceder à análise crítica e sistematizada dos seus conteúdos. Em termos de método, o quadro analítico articula-se em volta dos objectivos dos autores das cartas na sua interacção com a PIDE, nomeadamente: a apropriação da PIDE enquanto instrumento de coerção sobre terceiros; a instrumentalização da PIDE para resolver conflitos pessoais; a colaboração com a PIDE enquanto forma de apoio à ditadura salazarista, quer no combate aos seus adversários políticos, quer na sustentação e defesa dos seus princípios ideológicos.
A PIDE como instrumento de coerção apropriável
Por entre as múltiplas dimensões e categorias da “vida quotidiana” enquanto objecto de estudo, os historiadores do quotidiano têm estudado as práticas de adaptação desenvolvidas pelos cidadãos comuns enquanto resposta a formas de governação intrusivas e meio para alcançar benefícios pessoais ou familiares. Neste contexto, uma particular ênfase tem sido posta nas actividades de fraude (e crime) enquanto uma das práticas “adaptativas” mais recorrentes. Richard Bosworth e Sheila Fitzpatrick demonstraram como, nos regimes de Mussolini e Estaline respectivamente, “burlões” de todo o tipo rapidamente encontraram meios de instrumentalizar a polícia política – e a sua reputação de omnipotência – para proveito próprio (1). Na maioria dos casos, as fraudes consistiam em alegar, falsamente, alguma forma de associação pessoal com o regime (geralmente com a polícia política) enquanto meio de se apropriarem do seu poder coercivo e, por este meio, conseguir algum ganho material. Também no Portugal de Salazar este fenómeno acabou por constituir uma parte integrante do repertório de práticas de adaptação à presença da PIDE na sociedade portuguesa.
Dentro do leque deste tipo de práticas fraudulentas, a mais visível consistia em intitular-se falsamente agente ou informador da PIDE. O fenómeno era recorrente e estendia-se a todas as zonas do país, vindo até a ser lamentado pelo próprio director da PIDE (2). Para citar apenas dois exemplos, na região de Peniche, como tem mostrado Irene Pimentel, no decorrer da década de 60 “vários indivíduos (...) afirmaram ser informadores daquela polícia sem o serem”(3), enquanto em Braga José R. era também preso em Janeiro de 1962 por estar a “intitular-se falsamente agente da Polícia Internacional e de Defesa do Estado”(4). Os benefícios pessoais que os falsos agentes da PIDE tentavam alcançar eram da mais variada ordem. Assim, José R. – que ironicamente acabaria ele próprio por ser denunciado à PIDE pelas suas manobras – tinha usado o título para, entre outras coisas, “vender automóveis” e “solicitar colocações”(5).
A apropriação oportunista do poder coercivo da PIDE implicava por vezes o recurso a processos mais sofisticados. Um caso paradigmático é o de José O., empregado da editora lisboeta Organizações Império. No decorrer dos anos 60 tentou por várias vezes apropriar-se do poder de coerção da PIDE para levar várias pessoas a comprar uma das obras comercializadas por esta editora. O livro, publicado em 1958 sob o título Trinta Anos de Estado Novo, pouco mais era do que uma obra de propaganda salazarista, destacando as realizações do regime em prol da "restauração" económica e moral da nação desde 1928. A estratégia comercial de José O. consistia em enviar exemplares do livro a potenciais compradores, como livreiros, lojistas, e sociedades de advogados. Caso optassem por não comprá-lo, deviam devolver o exemplar recebido. Quando, em Junho de 1961, o director da sociedade de advogados portuense A. Raposo e Morais se recusou a acusar recepção do livro, José O. enviou-lhe prontamente uma carta escrita em tom ameaçador, na qual não só criticava a sua atitude como ameaçava trazê-la “ao conhecimento de alguns Organismos Oficiais, para se ficar a saber a forma como V. Exª considerou uma realização que está ao serviço de PORTUGAL (e dos Portugueses de consciência bem formada) [sic]”(6). Ao receber a carta, o advogado escreveu por sua vez à PIDE para se queixar-se da atitude do José O., nomeadamente o seu “desejo de mal colocar os ‘Organismos Oficiais’ nela [na carta] referidos”, que interpretou como uma referência velada à polícia política (na prática, defendendo-a enquanto instituição). Vários comerciantes locais, indicava ele, tinham também manifestado a sua “mais viva repulsa" pelo estratagema (7). A PIDE concordou. No seu relatório sobre o caso, o agente responsável equiparou os métodos de José O. a uma forma de “chantagem” e descrevia este último como um “oportunista” que precisava de ser “refreado nas suas manobras”(8). Quaisquer que tenham sido as medidas tomadas pela PIDE, revelaram-se insuficientes. Em 1964, José O. voltava a informar a PIDE de que um outro dos seus clientes não só se recusava a devolver o seu exemplar de Trinta Anos de Estado Novo, como não hesitara a atormentá-lo prometendo utilizar o livro “para a confecção de confetis”(9). De acordo com o relatório final sobre o caso, datado de 7 de Fevereiro de 1964, a PIDE decidiu então abrir oficialmente uma investigação sobre José O. e as suas repetidas tentativas de “coagir aqueles a quem os livros são enviados a comprá-los sob a ameaça de denunciá-los a esta Polícia”(10). O rasto arquivístico deixado por este caso não permite determinar qual foi o resultado final da investigação.
Seria errado ver nestes exemplos uns meros casos isolados. Na realidade, a prática era de tal forma comum que, em Agosto de 1962, até um pedinte em Miranda do Douro, Zeferino M., ameaçava “todas as pessoas que não lhe d[essem] esmola de as denunciar como comunistas”(11). Além do mais, não eram só os oportunistas e burlões que viam na PIDE um instrumento de coerção apropriável. Em certas circunstâncias, também os emigrantes clandestinos procuravam activar a PIDE “de baixo” para propósitos similares. Das 84 cartas de denúncia relativas à emigração clandestina, 14 foram endereçadas à PIDE pelos próprios candidatos à emigração, depois de uma tentativa falhada de passagem da fronteira. Nestas cartas, os autores denunciavam geralmente à polícia política os engajadores e passadores cujos serviços tinham contratado para organizar a sua saída de Portugal. Tipicamente, a denúncia era desencadeada por alguma forma de “má prática” por parte destes últimos, e podia ser feita antes mesmo da tentativa de passar a fronteira ter começado. Assim, a 21 de Abril de 1964, Firmino B. e Manuel S. foram detidos pela PIDE no Porto por “fraude no âmbito do engajamento de migrantes”, depois de um dos seus “clientes”, António M., os ter denunciado por não lhe terem fornecido o prometido (e devidamente pago) passaporte (12). Outros emigrantes denunciavam os seus passadores à PIDE por considerar que a qualidade do “serviço” prestado por eles tinha sido insatisfatória durante a viagem – um processo complexo que envolvia uma série de redes clandestinas interligadas desde Portugal até à França ou Alemanha. A 31 de Março de 1964, Alfredo P., de Vizela, escreveu à PIDE para denunciar o seu passador Mário B. Sentia-se “enganado” por ele após ter sido detido pela polícia à chegada a França e repatriado para Portugal. Como se percebe pelo conteúdo de sua carta, esperava também que a PIDE o ajudasse a recuperar a quantia de dinheiro que pagara antecipadamente ao passador (13). Alguns emigrantes não se coibiam até em pedir explicitamente a “ajuda” da polícia política nesta matéria. Tal foi o caso de Almeno F., o qual, em Janeiro de 1959, escreveu ao Ministério do Interior para se queixar “que um indivíduo chamado Policarpo G. lhe ficou com o dinheiro destinado a emigrar”, pedindo para ser “informado sobre o caso pela PIDE” (14).
O mais surpreendente nestes casos é o facto de a PIDE estar a ser utilizada pelos emigrantes clandestinos na esperança de resolver um problema que era, em si mesmo, um crime da competência da polícia política (15). Ao relatar essas ocorrências à PIDE, arriscavam-se efectivamente a ser eles próprios presos. O facto de o terem feito não obstante o risco pode ser explicado pelo facto de terem consciência da incapacidade da PIDE – isto é, em termos mais latos, a falta de “poder infrastrutural”(16) do Estado português– para lidar com um fenómeno de escala tão grande quanto o fluxo de emigração clandestina na década de 60. De facto, pelo menos a partir do início da década, a PIDE não dispunha nem dos meios humanos para patrulhar eficazmente as fronteiras nem dos meios logísticos necessários para prender o número cada vez maior de emigrantes clandestinos e mantê-los em detenção (17). Por experiência, pessoal ou indirecta, os emigrantes esperavam um tratamento complacente por parte da PIDE – e, mais amplamente, por parte do igualmente sobrecarregado aparelho judiciário do regime (18). Os principais alvos da polícia política naqueles anos não foram os emigrantes, mas sim os engajadores e passadores cujas acções mantinham as redes clandestinas a funcionar.
As cartas de denúncia providenciam um ponto de acesso muito original sobre a percepção da PIDE entre os emigrantes. Estes podiam naturalmente temer a PIDE enquanto força policial responsável por impedir a sua saída do país. Mas as cartas de denúncia escritas por eles, que incluíam frequentemente o apelo a algum tipo de “assistência” por parte da PIDE, também mostram quão facilmente podiam vir a considerar a polícia política como uma entidade policial perfeitamente “legítima” – a par das forças policiais regulares – se os seus interesses o necessitassem. A muito enfatizada imagem negativa da PIDE, sistematicamente apresentada na historiografia como “desprezada” pela população em geral, era aparentemente insuficientemente vincada na altura para os dissuadir de recorrer à sua “ajuda”. Fundamentalmente, as cartas de denúncia faziam também parte da complexa economia de relações entre os emigrantes e os passadores. A ameaça representada pela PIDE era de facto apropriada pelos emigrantes enquanto parte de uma estratégia conscientemente assumida para afirmarem algum grau de controlo sobre os passadores. Estes, aliás, estavam cientes do risco representado pelos emigrantes, aos quais chamavam, não sem razão, "contrabando que fala"(19).
A instrumentalização da PIDE enquanto dispositivo de controlo e castigo era um dos raros meios através dos quais os emigrantes podiam extirpar-se da sua posição de passividade e dependência. A 29 de Agosto de 1964, Fernando A., um emigrante clandestino cuja viagem para França tinha sido particularmente difícil, escreveu à sua mãe para lhe pedir que denunciasse o seu passador, primeiro ao posto local da Guarda Nacional Republicana, e depois, caso “o cabo da guarda não se intressar [sic]”, para o capitão da GNR em Braga. “E mandeme dizer o que acontece”, insistia ele, “que eu já tenho uma carta para mandar para a PIDE que ele [o passador] dizia-me que andava 6 horas à pé e que não passava fome e foi o pior bocado que eu nunca passei tanta fome e andei tanto à pé 40 horas [sic]”(20). O caso ilustra bem o modo como, para a população rural e pobre (sociologicamente, a esmagadora maioria dos migrantes), a PIDE podia facilmente ser vista como uma entidade policial superior e até mais fiável, isto é, capaz de superar interesses locais e a (não infrequente) corrupção dos guardas da GNR nas zonas fronteiriças.
O crescente sentimento de impunidade entre os emigrantes clandestinos e seus familiares acabou por fomentar um novo conjunto de percepções em relação à PIDE, focado menos na sua (cada vez mais reduzida) capacidade de repressão, e mais nos usos instrumentais que dela podiam ser feitos. Numa carta à polícia política datada de 21 de Agosto de 1964, Maria N. chegou a pedir à PIDE para “se informar do paradeiro de seu filho Rui F. e sua esposa”, depois de ter ficado sem notícias desde a sua saída do país “à salto”(21). Décadas mais tarde, já depois da queda do regime, o ex-agente da PIDE Óscar Cardoso afirmaria que "várias esposas e mães de emigrantes" foram "à nossa sede (...) pedir ajuda para visitar os seus maridos e filhos no estrangeiro. Recorriam a nós”, escreve ele, “porque sabiam que, para além de assegurarmos o serviço de fronteiras, tínhamos competência para emitir passaportes”. E lembrava em particular o caso de uma senhora idosa cujo marido havia sofrido um acidente em França. Quando se dirigiu à sede da polícia política à procura de apoio, a PIDE terá emitido um passaporte especial em seu nome e até comprado um bilhete de comboio para que pudesse visitar o seu marido no hospital (22). A generosidade da PIDE, se é que jamais existiu, ter-se-á limitado a alguns casos excepcionais. No entanto, e apesar das recordações “cor-de-rosa” de Óscar Cardoso, não há dúvida de que a natureza das interacções entre os emigrantes clandestinos e a PIDE nesses anos não se limitou à mera relação dicotómica entre repressor e perseguido.
Capítulo 3 — Petições
A análise das petições – no sentido lato de pedidos de ajuda ou favor – enviadas à PIDE por membros do público necessita em primeiro lugar de alguma contextualização histórica, nomeadamente sobre as condições socioeconómicas do país na década de 60 e as formas como estas mesmas impactavam a população na sua relação com o poder político.
Como é sabido, a gestão pragmática da política de neutralidade portuguesa por Salazar durante a Segunda Guerra Mundial contribuiu para a sobrevivência da ditadura após 1945, num contexto marcado – pelo menos na Europa Ocidental – pela vitória das democracias. Nos anos seguintes o regime beneficiou do contexto geopolítico marcado pela Guerra Fria para consolidar a sua posição na cena internacional, enquanto parceiro conservador e “respeitável” na vasta coligação anticomunista ocidental. Apesar da crescente contestação política em Portugal – ilustrada pelo apoio popular à candidatura do General Humberto Delgado durante a eleição presidencial de 1958 – o regime conseguiu recuperar grande parte da sua estabilidade interna em meados dos anos 60, num contexto nacional marcado pelo início da guerra colonial e as suas consequências (23). Social e economicamente, Portugal encontrava-se então no meio de um momentoso processo de transformação. Parcialmente em resposta ao atraso económico que alimentara o descontentamento popular em 1958, as autoridades salazaristas deram início a um processo de modernização que viria a alterar profundamente a estrutura socioeconómica do país. Em 1963, o valor da produção industrial excedeu pela primeira vez o da produção agrícola. Aumentou-se também o investimento na economia, na educação e nos mecanismos de apoio social, levando a uma melhoria geral das condições de vida da população (24).
Os efeitos desta tendência para a melhoria económica não devem no entanto ser exagerados. Não só o processo de modernização era marcado por profundas assimetrias regionais – fazendo de Portugal, como vimos, a “sociedade dualista” descrita por Adérito Sedas Nunes em 1964 (25) – como a população rural, em 1970, ainda representava 32% da população activa. Com uma agricultura incapaz de satisfazer as preferências de consumo alimentar urbano (26) e graves deficiências na rede eléctrica, no abastecimento público de água e nas infraestruturas rodoviárias, a vida quotidiana continuava a ser uma luta diária para a maioria da população. Mesmo nos centros urbanos em expansão, as “fragilidades” eram “grandes”(27). A gravidade das desigualdades sociais ficou tragicamente registada nas cheias que atingiram Lisboa em Novembro de 1967, matando mais de 500 pessoas, a maioria nos bairros pobres da periferia da capital (28). Portanto, modernização económica à parte, a sociedade portuguesa em meados da década de 60 continuava a ser marcada por profundas desigualdades sociais, com poucas oportunidades de ascensão social ou melhoria económica para grandes segmentos da população. Os 1,5 milhões de emigrantes que optaram por deixar o país entre 1957 e 1974 são a expressão mais clara dessa realidade (29).
Além de péssimas perspectivas económicas, a população enfrentava um sistema político não-inclusivo, que não apenas os excluía do processo de decisão (e da discussão da “política” em geral), mas também os submetia a uma burocracia imprevisível e opaca, concebida enquanto instrumento de controlo social. Como tem realçado Joyce Riegelhaupt no seu estudo sobre o apoliticismo no Portugal rural dos anos 60, o Estado Novo “eliminou a freguesia enquanto ‘arena’ de discussão, debate e poder de decisão sobre assuntos de administração pública e de distribuição de poderes”, criando no seu lugar “uma administração burocrática altamente centralizada”. Neste sistema, “os camponeses estavam dependentes do poder central; para eles”, concluía, “a política consistia na procura de uma influência que facilitasse a execução de um plano de acção”(30) É bem conhecida a existência de redes clientelistas dirigidas por notáveis locais e proprietários rurais, em particular no Norte e centro do país. Em troca da sua subserviência, o pequeno campesinato dependia destas redes, não apenas enquanto fonte complementar de rendimento, mas também enquanto ponto de acesso aos (poucos) benefícios oferecidos pelo poder central (31) Em termos práticos, a pobreza endémica significava que as personalidades locais influentes (e geralmente abastadas) eram frequentemente abordadas como potenciais patrocinadores, na esperança de obter alguma forma de apoio – seja o acesso à terra, ao trabalho ou à concessão de crédito.
No contexto desta “sociedade clientelista”, a própria PIDE figurava entre as instituições cujos representantes podiam ser mobilizados “de baixo” na esperança de superar os obstáculos de um sistema político não-inclusivo.
Um caso de petição presencial
O corpus contém um caso paradigmático deste tipo de inter-relação entre a população comum e a polícia política. Envolveu o oficial da PIDE António Faria Pais, e teve lugar em A-da-Beja, uma povoação semi-rural do concelho de Belas, na periferia da Grande Lisboa (32). Como relatou Faria Pais num relatório aos seus superiores em Fevereiro de 1964, “porque aluguei ali uma casa de campo em meados do ano passado, [os habitantes locais] vêem agora em mim alguém capaz de os ajudar”. “E por isso”, insistia ele, “me pedem, constantemente, que os ajude, interessando-me por eles”(33). Neste caso específico, os habitantes de A-da-Beja peticionaram o oficial da PIDE para obter a instalação de um sistema de iluminação eléctrica no município, o qual as autoridades prometiam há vários anos, embora até então sem consequência prática. Os cidadãos que abordaram Faria Pais presumiam que seria capaz de ajudá-los, ou exercendo a sua própria influência, ou activando os seus contactos pessoais com as autoridades superiores – o que fez. No dia 7 de Fevereiro de 1964, escreveu uma carta ao influente ex-subdiretor da PIDE, Agostinho Barbieri Cardoso (34), lembrando-lhe que “Sua Excelência o Ministro das Obras Públicas, quando ali esteve, lhes ter prometido a luz, ainda naquele ano, segundo me informaram”. Faria Pais esperava que Barbieri Cardoso activasse por sua vez os seus "bons ofícios" junto do subsecretário de Estado da Indústria “no sentido de ser concretizada, no corrente ano, a promessa [do] Ministro das Obras Públicas àquela pobre gente, que por ser pobre e não ter quem se interessa por ela, precisa de melhor amparo (35) – o que Barbieri Cardoso também fez. Uma cópia da carta original de António Faria Pais acabou também por chegar à Presidência do Conselho, provavelmente devido às relações de proximidade entre Barbieri Cardoso e o próprio Salazar. Algumas semanas mais tarde, Faria Pais recebeu a confirmação da secretaria de Estado da Indústria garantindo-lhe que o pedido seria “atendido no corrente ano”(36), trazendo assim um desfecho positivo à petição dos habitantes de A-da-Beja.
Os documentos de arquivo não deixam claro se os moradores que dirigiram a sua petição a Faria Pais sabiam que este era de facto funcionário da PIDE. Podem ter-se aproximado dele simplesmente porque se assemelhava (na sua aparência ou estilo de vida) a uma pessoa de influência. É no entanto perfeitamente plausível que a sua posição fosse conhecida localmente. Não só a PIDE não mantinha grande secretismo sobre o seu pessoal (37) como a comunidade local beneficiava em todo o caso dos seus próprios canais de informação, a nível inter-individual e informal, para vir a conhecer o essencial sobre o novo residente. É provável, portanto, que Faria Pais tenha sido abordado, pelo menos em parte, porque representava uma instituição amplamente percebida na altura como muito influente dentro do próprio regime, fazendo dele um patrocinador particularmente valioso aos olhos da população local.
O fenómeno tem sido estudado em vários contextos ditatoriais, particularmente no caso de regimes de maior longevidade, onde a polícia política teve logicamente tempo para assentar raízes mais profundas na sociedade. Na RDA, era a reputação de omnipotência da Stasi que fazia milhares de cidadãos recorrer aos seus “serviços” até para os propósitos mais básicos, como obter "as telhas urgentemente necessárias para edifícios decrépitos" ou mesmo "peças de reserva para linhas de produção inoperantes"(38). Apesar das diferenças de contextos sociais e dinâmicas ideológicas, em cada um desses casos o presumido poder e influência da polícia política significava que era abordada individualmente, “de baixo”, por cidadãos que viam nela uma instituição susceptível de ajudá-los a superar os obstáculos, administrativos ou outros, típicos de um sistema político não-inclusivo.
O corpus arquivístico não contém outros casos semelhantes a este. No entanto, o facto de Faria Pais ter apresentado a sua carta a Barbieri Cardoso como "mais um pedido" indica que esta não era a primeira vez que agia enquanto intermediário entre a população comum e as autoridades superiores do regime. A rapidez com que o problema foi tratado – expressa no compromisso assumido pela Secretaria de Estado da Indústria em atender à situação “no corrente ano” – também confere um sentido de normalidade ao procedimento, e sugere que este tipo de interacção espontânea entre a população e os agentes da PIDE não era pouco frequente.
A PIDE contra os abusos patronais
As relações entre a PIDE e o mundo empresarial têm sido objecto de alguma produção historiográfica (39). Estes trabalhos focam-se principalmente na acção de vigilância e repressão da PIDE, exercida seja contra os empresários menos alinhados com o regime, seja contra aqueles trabalhadores que lutavam para melhores condições de trabalho e direitos laborais – neste caso, frequentemente a pedido das empresas, que pagavam à PIDE o “serviço”. O corpus arquivístico contém um exemplo claro dessa dinâmica repressiva. Em outubro de 1963, o gerente da empresa Miguel B. – Fábrica de Descasque de Arroz, em Ovar, pediu a intervenção da PIDE após constatar uma “tentativa de sabotagem” num dos motores da fábrica.“Desejaríamos”, precisava, “que não voltassem a repetir-se actos desta natureza, sempre reprováveis mas mais reprováveis ainda na ocasião em que todos os esforços (...) se congrassam em volta d’Aquele [sic] que (...) enfrenta todas as ameaças para defender a integridade territorial de Portugal, cubiçada (...) pela escória internacional”(40). A PIDE respondeu positivamente ao pedido, mandando o Chefe de Brigada José Carvalho investigar o caso. Embora o incidente se revelasse menos sério do que inicialmente “temido” – por motivos que não precisam de ser detalhados aqui –, a simples presença da PIDE teve o impacto desejado. Como o admitiu abertamente o próprio gerente da empresa, “de qualquer modo, a intervenção desta Polícia não deixará de ter salutares efeitos preventivos”(41).
É evidente que a experiência da repressão, ilustrada em parte neste caso, é primordial para qualquer análise da influência da PIDE no mundo laboral. No entanto, como o sugere igualmente o corpus arquivístico, não é suficiente para apreender na sua plena complexidade o papel da polícia política na relação entre capital e trabalho. Qualquer abordagem dessa questão implica que sejam consideradas duas perspectivas distintas nesta relação: por um lado, o ponto de vista dos trabalhadores, cuja experiência de relacionamento com a PIDE não se limitava ao papel de vítimas da sua acção repressiva; por outro, a perspectiva da própria polícia política, que também não entendia a sua função unicamente em termos de repressão.
Na experiência vivida dos trabalhadores, a percepção da PIDE podia ser não tanto de uma potencial força repressiva, mas o seu exacto contrário, ou seja, uma instituição cujo poder permitia a sinalização, investigação, e eventual correcção de práticas abusivas por parte dos patrões nas suas relações com os empregados. Por vezes, era o próprio trabalhador que, individualmente, tomava a iniciativa deste tipo de inter-relação espontânea com a PIDE, caso considerasse lesados os seus legítimos interesses ou direitos contratuais. Em Maio de 1962, Joaquim R., empregado de mesa no Porto, decidiu escrever uma carta à PIDE para relatar as circunstâncias do seu despedimento no mês anterior. Em consequência de uma mudança de gerência, escrevia ele, “no dia 30 de Abril de 1962, à hora de encerrar (...) fui eu notificado e mais três empregados que ao [novo proprietário] não lhe intereçava [sic] os nossos serviços”. E acrescentava que “a gerência anterior ficou de me liquidar, o que ainda não fez”(42). Ficava assim formulada, embora implicitamente, a “assistência” que Joaquim R. esperava obter da PIDE para a reposição dos seus direitos. (Valendo-se das suas “ideias nacionalistas”, e “olhando pela [sua] esposa e filhinhos”, que teria agora dificuldade em sustentar, esperava também que PIDE desse ao novo gerente “o castigo que merece” pelo seu despedimento [43].) Para citar apenas mais um exemplo similar, em Dezembro de 1961 Alberto C. também escrevia à PIDE para informá-la das ilegalidades cometidas pelos seus patrões na firma Oliveira Ferreira, os quais tinham, entre outras coisas, “cancelado o seu abono de família”. Esperava igualmente que a PIDE interviesse para garantir o respeito dos seus direitos (44). Embora em ambos os casos não exista qualquer rasto arquivístico que nos permitisse determinar qual foi a resposta da PIDE, é significativo que a polícia política tivesse sido vista por estes empregados primeiramente enquanto força policial potencialmente capaz de restaurar alguma justiça e equidade no que constituía, para os peticionários, um sistema de relações laborais profundamente assimétricas.
Os sindicatos também dirigiam petições à PIDE para sinalizar casos de abusos patronais, em nome de um ou vários dos seus membros. Em Setembro de 1957, a chefia do Sindicato Nacional dos Tipógrafos, Litógrafos e Ofícios Correlativos do Distrito do Porto, numa carta à PIDE, denunciava o caso de despedimento abusivo – por alegada “insubordinação” – de dois trabalhadores pelos patrões da Tipografia Primavera. Nela notificavam a polícia política de que estes despedimentos mais se assemelhavam a “uma vingança [dos patrões] (...) contra os operários”, por estes “reclamarem a indemnização a que têm direito ao abrigo do Contrato Colectivo de Trabalho, ao serem despedidos sem aviso prévio”. E precisava que, “nos nossos ficheiros, nada consta a respeito dos nossos associados”, o que só podia configurar uma situação de “má-fé por parte dos patrões”. Quanto à alegada “insubordinação” dos trabalhadores despedidos, esta ter-se-ia limitado a “terem dito que, quando o sócio que saiu da firma montasse a sua oficina, iriam para lá trabalhar, por ser melhor pessoa e melhor tratar o pessoal”(45) Os autores terminavam a carta “cientes” de que o director da delegação da PIDE no Porto tomaria “as providências necessárias para evitar no futuro que a firma lance mão destas acusações”(46).
Fundamentalmente, o que este caso demonstra é que a PIDE era também vista pelos trabalhadores (isto é, “de baixo”) como um interlocutor genuinamente susceptível de emendar situações de evidente abuso patronal. Aliás, nem na perspectiva – e nas práticas – dos próprios agentes da polícia política a missão da PIDE, na sua relação com o mundo laboral, era limitada ao papel de força coerciva agindo unicamente sobre os trabalhadores.
A análise do relacionamento entre o mundo empresarial e a polícia política tem sido enquadrada em larga medida num objecto de estudo mais vasto, o da “corporativização” do sistema socioeconómico português – isto é, na análise da elaboração e implementação do amplo corpo de leis através do qual o corporativismo salazarista foi estruturado, desde os despachos de salários mínimos à institucionalização das primeiras corporações (47). Nesta matéria, os trabalhos pioneiros de Fátima Patriarca continuam a ocupar um lugar de destaque, em particular sobre os modos operatórios do chamado “triângulo corporativo” e o papel da polícia nas negociações dos contratos colectivos de trabalho entre grémios (entidades patronais) e sindicatos nacionais (48). Se a análise desenvolvida por Patriarca se foca principalmente, também ela, na acção repressiva da polícia política contra os potenciais focos de “desordem” operária, a sua investigação fornece ampla evidência empírica – embora nem sempre avaliada de forma crítica – sobre as denúncias feitas pela própria polícia política relativamente às práticas “gananciosas” dos patrões. Por esta razão, embora trate de uma fase anterior ao nosso período de estudo, este trabalho deve ser abordado aqui. Limitar-nos-emos a um exemplo, nomeadamente o caso das negociações dos contratos de trabalho no sector do têxtil algodoeiro na região do Minho, em 1936.
No contexto dos despachos de salários mínimos, a polícia política foi na altura chamada para conduzir um inquérito no local, sendo o objectivo avaliar o grau de “volatilidade” da situação social e económica no terreno. No dia 26 de Julho de 1936, em complemento do relatório final da PVDE, José Catela enviava, em nome do director da polícia política, um detalhado ofício ao subsecretário de Estado das Corporações. Nele criticava abertamente (e severamente) a atitude dos patrões. “Os factos ocorridos naquelas regiões, concelho de Famalicão”, escrevia ele, “podem ser origem de graves acontecimentos, desde que não se aplique aos patrões o correctivo que merecem pelos abusos que praticam, fiados e confiados na ordem em que se vive. São os abusos consentidos e as exigências descabidas”, acrescentava, “que geram a revolta e de lamentar é que patrões gananciosos não queiram ver o que bem perto se está passando em consequência de um imperialismo egoísta que se transforma em pavor quando não tem quem lhes apoie os seus atropelos”(49). A referência à guerra civil iniciada apenas alguns dias antes na vizinha Espanha, se confere um aspecto pragmático à avaliação da situação feita pelo oficial da PVDE, não lhe diminui nem o carácter essencialmente crítico, nem a virulência de que constitui uma condenação moral plenamente assumida da posição adoptada pelos patrões. Tanto mais que não se limitava a denunciar estas atitudes, mas passava também a realçar, em termos igualmente virulentos, a situação de absoluta miséria que daí resultava para os operários, insistindo que “pois não é justo nem humano prender e perseguir somente os humildes por serem considerados indisciplinados, mas que ganham 50$, como se verifica da leitura do processo”. E terminava apelando à “esclarecida atenção” do subsecretário de Estado das Corporações para os “tais factos”(50).
Embora, como indica a Fátima Patriarca, não seja possível dizer se os resultados do inquérito policial viriam a ter alguma influência na resolução do caso (51), a posição assumida pela polícia política fornece um primeiro indício do eventual papel da PIDE para além da sua conhecida função repressiva, neste caso na sinalização dos casos de abusos patronais às autoridades políticas. Tanto mais que nas décadas seguintes a PIDE não abdicaria de voltar a assumir posicionamentos semelhantes. Veja-se a título de exemplo, alargando novamente o leque temporal do nosso estudo, o teor do ofício confidencial enviado pelo director da PIDE ao Ministério do Interior no Verão de 1952, relativo à situação do pessoal da fábrica vidraceira Emílio Galo, Lda, da Marinha Grande. Nele informava o ministro que os empregados “se encontra[vam] sem trabalho, pelo que grande número de operários e suas famílias est[avam] atravessando uma crise económica aflitiva”. “Até agora”, acrescentava, “não consta que haja qualquer indício de indisciplina social, mas nada garante que tal situação ordeira se mantenha se aqueles operários não forem socorridos de forma a evitar o desespero produzido pela fome que tudo indica êles e seus familiares estão sofrendo”(52). Se, por um lado, o ofício da PIDE se referia directamente à questão da disciplina social, como aliás não podia deixar de ser tendo em conta a função que lhe era oficialmente atribuída, por outro apontava explicitamente para a “crise económica aflitiva”, o “desespero”, e a “fome” que tanto os operários como as suas famílias estavam “sofrendo”. O campo semântico utilizado no ofício deixa de facto poucas dúvidas quanto ao profundo sofrimento dos trabalhadores e dos seus familiares.
Neste contexto, as afirmações peremptórias típicas da narrativa historiográfica dominante sobre a polícia política – segundo as quais tudo “o que importava à PIDE, quando havia desemprego e salários demasiado baixos, era a possibilidade de desordem e greves”(53) – devem ser questionadas. Tanto mais que nem nos casos em que os patrões tentavam recorrer à PIDE para “repor a ordem” entre os seus trabalhadores esta se mostrava particularmente complacente com os seus pedidos – antes pelo contrário. Em Dezembro de 1963 a gerência da União Metalúrgica da Fontinha escreveu à PIDE para expor a alegada “indisciplina” entre os seus empregados, “que muito a tem prejudicado e que poderá mesmo levá-la ao seu encerramento se não fôr estripado o mal de que enferma”(54). Queixava-se em particular da diminuição do rendimento de trabalho dos operários, o qual só tinha piorado na sequência de “distúrbios” causados pelo despedimento de “onze dos piores [de entre eles] [sic]”. Perante estes “estranhos” comportamentos, os gerentes vinham agora “pedir a protecção de V. Exª e auxílio para se poder descobrir o motivo de tão insólito procedimento, visto que não conseguimos nós fazê-lo, embora o tenhamos tentado para podermos seguir trabalhando e honrando a indústria nacional”(55). A PIDE procedeu a averiguações no local, onde registou as numerosas queixas de operários quanto à vetustez e falta de maquinaria adequada na fábrica. No seu relatório final, a PIDE realçava o facto de que na fábrica “predomina[va], portanto, o esforço do homem”, sendo assim, conforme tinham afirmado os operários ouvidos, “impossível produzir o rendimento que lhes é exigido”(56). O relatório da polícia política indicava também que dois dos operários despedidos tinham-se entretanto queixado à INTP, a qual lhes deu razão, “determinando o seu regresso imediato ao trabalho”. E concluía assim, tomando o partido dos operários, que “não ficou provada por parte da entidade competente a falta de rendimento de trabalho”. Perante estas conclusões, um sócio da firma viria mesmo a ter de admitir que tinha sido “precipitado escrever à PIDE”(57).
Notas
1 — Sobre o papel dos «vigaristas» na Rússia estalinista, ver Fitzpatrick, Sheila (1999). Everyday Stalinism. Oxford: Oxford University Press; e Fitzpatrick, Sheila (2002). «The World of Ostap Bender: Soviet Confidence Men in the Stalin Period». Slavic Review, 61: 535–557. Sobre os «burlões» na Itália fascista, ver Bosworth, Richard J. B. (2006). Mussolini’s Italy: Life under the Fascist dictatorship 1915-1945. Londres: Penguin Books, pp. 317–318.
2 — Em Março de 1962, Homero de Matos informava o Ministério do Interior de que muitos indivíduos eram «apodados de informadores desta polícia sem que na verdade a ela prestem qualquer colaboração», in Pimentel, Irene Flunser (2007). A História da PIDE, p. 317.
3 — Idem, ibidem, p. 317.
4 — PIDE, Del. P., P. Ind. 27564, NT3879, 17 de Janeiro de 1962, f. 1.
5 — PIDE, Del. P., P. Ind. 27564, NT3879, Auto de declarações datado de 30 de Janeiro de 1962, f. 5.
6 — PIDE, Del. P., P. Ind. 4040, NT3529, Junho 1961, 9.
7 — Idem, 17 Junho 1961, 8.
8 — PIDE, Del. P., P. Ind. 4040, NT3529, 19 Junho 1964, 6.
9 — Idem, 4 Feb. 1964, 3.
10 — Idem, 2.
11 — Ministério do Interior, Registo de correspondência recebida, NT31, entrada no 6240.
12 — PIDE, SC, PC 299/64, NT5604, ff. 7–8; e PIDE, Del P, PC 57/64, NT3205, ff. 1–2.
13 — PIDE, Del. P., PC 44/64, NT3204, f. 4.
14 — Ministério do Interior, Gab. do Ministro (inc. 2003), Registo de Correspondência Recebida, Ano 1959, NT29, Entrada n.o 193 carta recebida a 15 de Janeiro de 1959.
15 — Entre Abril de 1961 (Decreto-Lei 43528) e Novembro de 1969 (durante a chamada «Primavera Marcelista»), a emigração ilegal foi considerada crime, punível com dois anos de prisão. Antes disso, era uma ofensa, incorrendo em multa.
16 — Mann, Michael (1984). «The autonomous power of the state: its origins, mechanisms and results». European Journal of Sociology, 25.2: 189.
17 — Ver Pereira, Victor, ‘El Poder de la Impotencia’, p. 111.
18 — Depois de 1963, a PIDE deixou de investigar casos de emigração clandestina. Os migrantes detidos foram libertados após interrogatório, sujeitos a declaração de identidade e residência, Pimentel, Irene Flunser, História da PIDE, p. 70.
19 — Quando interrogados pela PIDE, os emigrantes presos durante a sua tentativa de «saltar» a fronteira tinham geralmente poucos escrúpulos em denunciar os seus engajadores e passadores.
20 — PIDE, Del. P., PC 242/64, NT3221, 29 Agosto 1964, f. 12.
21 — PIDE, Del. P., vol. 82, NT9487, 10.° Livro, entrada n.o 1892.
22 — In Santos, Bruno Oliveira (2000). Histórias Secretas da PIDE/DGS: Entrevistas com Cunha Passo, Abílio Pires, Oscar Cardoso, Diogo Albuquerque. Lisboa: Nova Arrancada, p. 50.
23 — A recusa obstinada das autoridades políticas em adaptar-se ao «vento da mudança» nas colónias levou inevitavelmente ao conflito armado com os movimentos de libertação africanos em Angola (Março de 1961), Guiné-Bissau (Janeiro de 1963) e Moçambique (Setembro de 1964). O conflito terminaria apenas no rescaldo da revolução de 25 de Abril de 1974.
24 — Ramos, Rui (org.) (2009). História de Portugal, pp. 687 e 689–690.
25 — Adérito Sedas Nunes (1964). ‘Portugal, Sociedade Dualista em Evolução’, Análise Social, 7–8 (1964), 407–462.
26 — Amaral, Luciano (1994). «Portugal e o Passado: Política Agrária, Grupos de Pressão e Evolução da Agricultura Portuguesa Durante o Estado Novo (1950-1973)». Análise Social, 128: 889–906.
27 — Ramos, Rui (org.) (2009). História de Portugal, p. 690.
28 — Para um bom tratamento do acontecimento, ainda que jornalístico, ver https://www.publico.pt/2017/11/12/sociedade/reportagem/a-noite-do-fim-do-mundo-1791985 (consultado a 25 de Dezembro de 2021).
29 — Pereira, Victor (2012). La Dictature de Salazar Face à l’Émigration, p. 11.
30 — Riegelhaupt, Joyce F. (1979). «Os Camponeses e a Política no Portugal de Salazar: O Estado Corporativo e o “Apoliticismo» nas Aldeias”. Análise Social, 59: 510.
31 — Silva, Manuel Carlos (1987). «Camponeses Nortenhos: ‘Conservadorismo’ ou Estratégias de Sobrevivência, Mobilidade e Resistência?». Análise Social, 97: 437–445.
32 — Faria Pais ingressou no PVDE em 1944, transitando para a PIDE em 1945. Em 1948, foi nomeado chefe dos Serviços Gerais da PIDE. Simultaneamente, integrou o Conselho de Administração da PIDE, até à sua reforma em 1964, aos 70 anos, in Pimentel, Irene Flunser (2017). O Caso da PIDE / DGS, p. 628.
33 — PCOS/MC, PRC11/A-30-7, NT149, 7 Fev. 1964, 4.
34 — Em 1964, o cargo de Barbieri Cardoso como «inspector-superior» não reflectia a sua verdadeira influência na PIDE. Depois de ingressar na polícia secreta em Abril de 1948, foi nomeado em 1950 para os serviços de segurança pessoal de Salazar. A partir dessa posição, ele desenvolveu uma relação estreita com o ditador, frequentemente endereçando-lhe cartas pessoais. Exerceu o cargo de subdirector da PIDE entre Maio de 1958 e Dezembro de 1960, altura em que renunciou ao cargo por desentendimento pessoal com o novo administrador nomeado, Homero de Matos. Após a substituição deste último por Fernando Silva Pais, voltou a integrar a PIDE, em Abril de 1962, sendo nomeado subdirector em Outubro de 1972; in Pimentel, Irene Flunser (2017). O Caso da PIDE/DGS, 611–612.
35 — PCOS/MC, PRC11/A-30-7, NT149, 7 de Fevereiro de 1964, f. 4.
36 — Idem, Abril de 1964, f. 1.
37 — Pimentel, Irene Flunser (2008). Biografia de um Inspector da PIDE: Fernando Gouveia e o Partido Comunista Português, p. 240.
38 — Gieseke, Jens (2014). The History of the Stasi: East Germany’s Secret Police, 1945-1990, p. 111.
39 — Ver em particular Fernandes, Filipe S. e Villalobos, Luís (2008). Negócios Vigiados: as Ligações das Empresas e dos Empresários à PIDE. Lisboa: Oficina do Livro; Pimentel, Irene Flunser (2007). A História da PIDE, pp. 267-277; e, para um período anterior (prenúncio do que estava por vir), Patriarca, Fátima (1995). A questão social no salazarismo 1930-1947, vol. 2. Lisboa: INCM.
40 — PIDE, Del. P., P. Ind. 33601, NT3967, ff. 8-9, carta datada de 12 de Outubro de 1963.
41 — PIDE, Del. P., P. Ind. 33601, NT3967, f. 7, relatório da PIDE datado de 31 de Outubro de 1963.
42 — PIDE, Del. P., P. Ind. 30426, NT3923, f. 2, carta recebida pela PIDE a 4 de Maio de 1962.
43 — PIDE, Del. P., P. Ind. 30426, NT3923, f. 1.
44 — PIDE, Del. P., Registos de Correspondência Não Classificada recebida nos Serviços Informativos, vol. 82, NT9487, Livro 8, Ano 1961, entrada n.o 2499, carta datada de 16 de Dezembro de 1961.
45 — PIDE, Del. P., P. Ind. 21265, NT 3791, ff. 102-103.
46 — PIDE, Del. P., P. Ind. 21265, NT 3791, ff. 102-103.
47 — Sobre o sistema corporativo do Estado Novo, ver o estudo clássico de Lucena, Manuel de (1976). A evolução do sistema corporativo português, 2 vols. Lisboa: Perspectivas e Realidades.
48 — Ver Patriarca, Fátima (1995). A questão social no salazarismo 1930-1947, vol. 2. Lisboa: INCM, pp. 505-544.
49 — Cit. in Patriarca, Fátima (1995). A questão social no salazarismo 1930-1947, vol. 2. Lisboa: INCM, p. 543.
50 — Patriarca, Fátima (1995). A questão social no salazarismo 1930-1947, vol. 2. Lisboa: INCM, p. 543.
51 — Idem, ibidem, vol. 2. Lisboa: INCM, p. 544.
52 — M. Interior, Gabinete do Ministro, GBT8/1952, Caixa 80, pasta 12, f. 15, Ofício do director da PIDE datado de 2 de Agosto de 1952. Este caso é também referido por Pimentel, Irene Flunser (2008). «Prefácio». In Fernandes, Filipe S. e Villalobos, Luís
(2008). Negócios Vigiados: as Ligações das Empresas e dos Empresários à PIDE. Lisboa: Oficina do Livro, p. 12.
53 — Pimentel, Irene Flunser (2008). «Prefácio». In Fernandes, Filipe S. e Villalobos, Luís (2008). Negócios Vigiados: as Ligações das Empresas e dos Empresários à PIDE. Lisboa: Oficina do Livro, p. 12.
54 — PIDE, Del. P., P. Ind. 33948, NT3976, f. 6, carta datada de 29 de Dezembro de 1963.
55 — PIDE, Del. P., P. Ind. 33948, NT3976, f. 6, carta datada de 29 de Dezembro de 1963.
56 — PIDE, Del. P., P. Ind. 33948, NT3976, f. 3, relatório da PIDE datado de 31 de Dezembro de 1963.
57 — PIDE, Del. P., P. Ind. 33948, NT3976, f. 4, relatório da PIDE datado de 31 de
Dezembro de 1963.
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