Um sintetizador e uma linha de baixo abrem-nos as portas, de forma gentil, suave, as pontas dos dedos a percorrer o pescoço em formato de carícia. Depois, abre-se o champanhe, verte-se o líquido no copo e bebe-se, aprecia-se, toda e cada nuance do seu sabor. Podíamos estar a falar de preliminares, mas não: falamos de “Last Dance”, tema dos Rhye presente no seu álbum de estreia, "Woman", editado há quatro anos e que valeu, tanto a Mike Milosh como aos seus “colaboradores” (sendo que, para o músico canadiano, os Rhye continuam a ser um projeto à parte), excelentes críticas por parte da imprensa especializada e comparações a nomes igualmente lânguidos como o de Sade Adu.
“Lânguido” é um excelente adjetivo para descrever a música dos Rhye, assim como “íntimo”, “romântico” ou até mesmo “sexual”; é uma música que pede silêncio, contemplação, algo que não existe, em larga escala, num festival grande como o é o NOS Alive. Mas Milosh sabe, e admite, que eventos como este também são importantes, para que possa dar a conhecer as suas canções ao maior número possível de pessoas. «Numa sala fechada, para 500 pessoas, não consegues [chegar a muita gente]», explica. «Tanto tocar num festival como numa sala pequena é importante».
Foi exatamente isso que fez, nas duas primeiras ocasiões que atuou em Portugal: estreou-se neste mesmo festival, em 2013, e deu um concerto surpresa no Lux Frágil, dois anos depois, o qual guarda com carinho. «Teve um ambiente incrível. E dava para ver as caras de todos os presentes, sentir-me ligado ao público de forma diferente». Portugal é um dos países que melhor acolheu a música dos Rhye e Milosh em particular, ele que já tem um restaurante preferido, e familiar, em Lisboa: o Casanova. Na véspera do concerto no NOS Alive, passeou-se pela capital, tendo partilhado fotografias tiradas no Panteão Nacional e na Mouraria.
Viajar não é, para o canadiano, um mero bónus de se ser músico; é um benefício tremendo. «Gosto de ir a outras cidades, de conhecer outras culturas, de falar com pessoas», diz, ele que cresceu no Canadá e entretanto viveu em países como a Tailândia, E.U.A. e Alemanha, estando agora por Berlim. «A capacidade de viajar e de comunicar, de nos entendermos e a outras culturas, ajuda-nos a ter mais empatia pelos outros. Acho que estamos a caminhar para tempos melhores».
Existe a perceção pública de que atravessamos, neste momento, tempos horríveis e de pessimismo, com a guerra na Síria, o Brexit e Donald Trump. Milosh não discorda, mas relembra: tudo foi já muito pior. «Quando leio quantas guerras houve há cem anos, quantas pessoas morreram de fome, em comparação com agora... Acho que os seres humanos “normais” têm mais respeito uns pelos outros», afirma.
O discurso de Milosh é suave, pacífico, tal como as canções de "Woman". Mas o concerto no NOS Alive não serviu para “recuperar” um passado recente, e sim para apresentar as canções do seu próximo álbum, com data de lançamento prevista para este ano. Em entrevistas anteriores, prometeu uma sonoridade próxima da música soul e também da música clássica. «Os sons criados para este disco são “clássicos”, mas não necessariamente “música clássica”», explica. «A bateria, o órgão, as cordas são mais “clássicos”. [Essa mistura] parte do meu interesse pela forma como estes sons se conjugam com a soul. Pensei muito no tom que queria, na ambiência que queria».
Rhye é um projeto que partiu exclusivamente da vontade criativa do músico canadiano, e ao longo deste período tornou-se ligeiramente mais popular que o projecto que assina com o seu apelido, mais ligado à música electrónica. Questionado sobre o porquê da música de Rhye ter encontrado um público maior, Milosh não sabe explicá-lo. «Os Rhye venderam mais discos...», afirma, entre sorrisos, como que fazendo disso justificação. Talvez seja pelas emoções ali presentes, pelo amor, pelos versos auto-biográficos com o qual pontua os seus temas. «Espero que seja por isso, pela emoção. É muito diferente daquilo que as estrelas pop fazem, em que têm pessoas a compor-lhes as canções e até mesmo as letras. Em Rhye, eu faço tudo do zero», diz.
Este registo auto-biográfico, admite, «pode ser problemático», mas pertence a algo de maior: o desejo de se manter independente, de fazer tudo em regime DIY – do it yourself. «Fiz a fotografia para este próximo álbum, fiz o próximo vídeo [“Please”, entretanto partilhado no YouTube], até sou eu que conduzo a nossa carrinha... Hoje em dia, se quiseres ter uma carreira sustentada na música, tens que ser empreendedor. Não é fácil continuar a tocar ao vivo se tiveres muitas pessoas a depender de ti, tens que fazê-lo tu mesmo», esclarece. A aposta tem-lhe rendido concertos em vários pontos de globo e um público fiel. Se o sucessor de "Woman" proporcionará um novo salto quantitativo, só o futuro o dirá.
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