Os fãs de hip-hop em Portugal, especialmente na sua vertente nacional, terão muito por onde escolher no segundo dia do festival Super Bock Super Rock. Para além dos óbvios cabeças de cartaz, Future e Pusha T, as rimas em bom português far-se-ão representar por artistas como Keso, Língua Franca (projeto que junta Valete, Capicua, Emicida e Rael), Rocky Marsiano e os Beatbombers. Mas também por NBC e Slow J, dois artistas de duas gerações diferentes, que virão apresentar, cada qual, os seus mais recentes trabalhos: “Toda a Gente Pode Ser Tudo” e “The Art of Slowing Down”, respetivamente.

NBC já é praticamente um veterano da cena: ainda muitos se lembrarão de “Segunda Pele”, êxito do verão de 2008. Ou, mais cedo ainda, da sua participação no disco “Revistados 25-06”, no qual vários artistas do hip-hop nacional se atiravam às canções dos GNR. Ou até mesmo do grupo FILHOS D'1 dEUS menor, juntamente com o seu irmão, BlackMastah, um dos projetos fundadores do género em Portugal. Chegado a 2017, já não há muito que NBC possa fazer para provar o seu valor. Mas, antes disso, foi preciso crescer, testar, triunfar.

“A música começou para mim como uma forma de desabafo”, começa por dizer. “Precisava de desabafar sentimentos e ideias. Morava num sítio onde tinha alguma dificuldade em criar sinergia com outras pessoas que tinham o mesmo sentimento que eu”. O desabafo surgiu na forma dos supramencionados FILHOS D'1 dEUS menor, a partir de Torres Vedras, onde residiam. “Na altura, a nossa situação geográfica dificultava o estar próximo de uma identidade. Não tínhamos muitas pessoas que gostassem do mesmo género [de música] que nós. Então fomos começando devagarinho e fomos descobrindo outros músicos, como o Bomberjack. E através dele conhecemos toda a gente”, revela.

NBC
créditos: Teresa Lopes da Silva

20 anos depois, eis que surge Slow J, homem que “rebentou” de forma extraordinária nos últimos tempos. O que pode ter criado, aqui, uma espécie de paradoxo com o seu nom de guerre. “[O nome Slow J] É uma coisa que é muito específica da minha experiência. Em criança era muito trapalhão e percebi que o desacelerar, o fazer as coisas mais devagar, me permitia chegar ao meu objetivo e, também, estar focado nele”, explica ao SAPO24. A rapidez com que se tem imposto na música portuguesa não lhe passa ao lado. “Primeiro ninguém me conhecia, agora já muita gente me conhece e parece que isso está a acontecer muito rápido”, comenta, mas esclarece que, “ao mesmo tempo", procura "tomar todas as decisões com muita calma”.

Dois nomes, duas gerações diferentes do hip-hop em Portugal – um deles pioneiro, o outro um recém-chegado. Mesmo que, a NBC, esse rótulo nada diga. “Se as pessoas quiserem referir-se a mim [como um pioneiro], eu agradeço. Mas na verdade, não me sinto um. Tenho hoje a mesma convicção que teria se tivesse começado agora. Sinto que fizemos parte de uma coisa que foi importante na altura e que hoje é materializável”, diz. E ressalva que a vontade, o “bichinho” de fazer música, ainda existe: “Tenho a mesma fome hoje que tinha em 1994”.

O recém-chegado, mas já alvo de todos os elogios e mais alguns, sendo apontado como um dos nomes de excelência da produção em Portugal, é  já comparado a outro mago do hip-hop nacional, o veterano Sam the Kid. “É mega lisonjeador ser comparado com um dos meus ídolos. Ainda assim, acho que fazemos duas coisas completamente diferentes”, explica. Até porque não foi sempre o hip-hop a marcar presença nas pautas de Slow J; começou a compor música no oitavo ano, quando tinha uma banda de punk rock, e posteriormente passou para o heavy metal. Aos dezoito anos, começou a explorar outras formas de composição, ele que sempre ouviu um pouco de tudo. “Vejo os estilos, e mais do que os estilos vejo os artistas. Acho que os estilos morrem, mas os artistas não. Os estilos vêm muito à baila e depois vão embora mas, de alguma forma, os melhores artistas de cada estilo parece que ficam na memória de quem viveu coisas a ouvir a música deles”, afirma.

Um caldeirão não muito distinto daquele dos Da Weasel, que nos anos 90 e na viragem do milénio conseguiram sintonizar públicos vindos de todas as tribos musicais. Em entrevista ao PÚBLICO, Slow J afirmou “querer unir os ouvintes” em torno de vários géneros, tal como a banda da Margem Sul. Até porque, explica, “o interesse real da música não é estar a ouvi-la e dizer que é um dó sustenido com um ré sustenido com a quinta ou sétima maior. O interesse real da música é juntar as pessoas, que elas vivam a vida delas ao som dessa banda sonora”.

Slow J
créditos: Filipe Feio

É esta vertente comunitária, global, que tem unido milhares em torno do hip-hop, sobretudo os jovens – a faixa etária onde se encontram o maior número de apoiantes do género. “Isto é música que está próxima dos jovens, a música que se fez durante muito tempo era muito 'chata'”, comenta NBC. “Não quero ser depreciativo, mas as coisas são como são. O rock era um estilo de música muito chato. Os músicos faziam coisas muito a pensar neles próprios e era necessário falar do que está acontecer. E o hip-hop sempre falou da realidade social. É normal que, hoje em dia, nos festivais, os miúdos se identifiquem com os músicos porque estão a falar deles”, remata.

Sobre o último álbum, o homem que assina com um acrónimo que significa Natural Black Colour (“está associado um pouco ao início, ao ganhar consciência de quem tu és, para onde queres ir e não perderes a tua identidade”) afirma uma vez mais que foi feito para que “todas as pessoas o possam compreender”. Um álbum que, salienta, é para ser ouvido de headphones. “A música de hoje em dia está a perder alguma qualidade. Ouvimos muito em .mp3, e perde-se com isso alguma qualidade de som. O disco deve ser escutado com phones para que se ouça de uma forma agradável, para se poder ouvir as várias camadas que as canções têm”, afirma. “Toda a intensidade que crio não se pode perder apenas na coluna de um telemóvel, por exemplo. Tem de se perder na dimensão de uns phones, porque é quando consegues estar mais contigo próprio, e absorver tanto a letra quanto a música”.

Parar. Ouvir. Sentir. Desacelerar. Tudo explicito de igual forma no título do álbum de Slow J. “É um exercício que tenho feito muito, o de me acalmar. Depois, sinto que cada decisão que tomo, de tão mais focado que estou, acaba por ter melhores resultados do que simplesmente estar bué preocupado, e a atirar para todo o lado”, diz. Tanto um como o outro prometem revisitar as suas obras nos palcos do Super Bock, sendo que NBC promete algumas surpresas para além da “condensação” de “Toda a Gente Pode Ser Tudo”. Quanto a “The Art of Slowing Down”, vai ser igual ao que muitos já viram, “mas melhor!”, ressalva o seu autor. “Estou sempre a melhorar de concerto para concerto e a fazer alterações, de forma a tentar passar melhor o que quero transmitir”, diz. Esperemos para ver, então.

Slow J sobe ao palco EDP, pelas 20h00, enquanto que NBC fecha o palco LG, pelas 22h30.

Até lá pode ouvir "Espelho", música que junta Sir Scratch a NBC com produção de Slow J.

Fotografia de destaque. Créditos: NBC (direita), foto de Fábio Teixeira; Slow J (esquerda), foto de Filipe Cadima Feio

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