Na primeira metade do século XVIII, a terra que recebia a navegação que subia pelo rio Trancão viu chegar-lhe às margens os sinos e as estátuas que seguiriam viagem até ao Convento de Mafra, obra que marcou o reinado de D. João V — e cuja construção é descrita em Memorial do Convento, de José Saramago.

Esta via fluvial, que servia de via de comunicação com Lisboa, foi bastante importante para a construção do monumento, pois servia para o transporte de materiais pesados. Quando chegaram os sinos e as estátuas, houve o momento da bênção pelo primeiro Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida, num evento com grande pompa, momento esse que é recriado todos os anos na Feira Setecentista.

Do evento constou a realização de um mercado setecentista — com a presença de vários mercadores —, duas áreas com tasquinhas, um desfile noturno com cerca de 200 participantes que representam as diferentes classes sociais, visitas animadas ao Palácio dos Arcebispos e diversos momentos de animação adequados à época.

Ao SAPO24, Carla Ferreira, técnica de Turismo da Câmara Municipal de Loures, explica que "a recriação da Feira Setecentista já tem mais de 20 anos e surgiu no âmbito da comemoração do Dia Mundial do Turismo, a 27 de setembro". Este ano, uma vez que a data foi uma quinta-feira, o dia foi assinalado no fim de semana seguinte, 29 e 30 de setembro.

António Pombinho, Chefe de Gabinete do Presidente da Câmara de Loures, explica ao SAPO24 como tudo se passou este ano. "A Feira Setecentista tem vindo a evoluir e neste momento temos uma oferta mais diversificada e qualificada. Aquilo que fizemos de diferente foi o desfile noturno, que dá um enquadramento e uma espetacularidade diferente. As várias classes da altura andam pelas ruas do Tojal e o desfile termina na Praça Monumental", começa por referir.

Além disso, uma das diferenças deste ano está relacionada com os sinos que chegaram a Mafra depois de ali serem descarregados dos barcos. "Separámos a cerimónia da bênção dos sinos, que passou de sábado para domingo, de forma a ter maior dignidade e visibilidade no conjunto do evento", diz António Pombinho. Mas o ponto alto são as visitas animadas ao Palácio dos Arcebispos. "São visitas guiadas  e animadas ao Palácio, o que permite que as pessoas tenham um  contexto histórico mais adequado, que suporte tudo aquilo que estamos a comemorar. Este ano tivemos mais de 11 mil pessoas na Feira Setecentista, e infelizmente não conseguimos que todos os visitantes que o pretendem visitem o Palácio, mas estamos a trabalhar nisso", afirma.

Já na Feira em si, as pessoas da terra mostram aquilo que a região tem para oferecer. "Pode-se dizer que o Tojal participa em peso no evento e esse é um traço fundamental. São as associações locais e as paróquias do Tojal e de Loures que têm a oferta gastronómica. É aproveitar a melhor oferta que temos. As pessoas tratam com enorme carinho aquilo que têm para oferecer a quem nos vai visitar. É isso que torna tudo tão genuíno e agradável".

Agora, acabada a edição de 2019, os olhos estão postos no próximo ano. "Já estamos a trabalhar. Acabamos uma Feira, fazemos um balanço e depois começamos logo a pensar no ano que vem, no sentido de melhorar a oferta. Só assim é que conseguimos ter um evento que se moderniza e se atualiza", garante António Pombinho.

No fim de tudo, o que importa é valorizar o património. E, num país onde as recriações históricas ganham cada vez mais visibilidade, há que aproveitar aquilo que cada lugar tem. "Loures não vai fazer nenhuma Feira Medieval porque não tem história medieval, mas a Feira Setecentista sim, faz todo o sentido. Há factos históricos a referir — que depois também José Saramago reproduz no Memorial do Convento — no que diz respeito aos transportes [das estátuas e sinos] para Mafra".

E Saramago, embora tenha escrito esta obra já depois do começo da Feira, nunca é esquecido por quem lá passa. "Há pessoas que ainda vão lá e fazem referência ao que Saramago escreveu. Inclusivamente até já me perguntaram sobre a Blimunda. Mas aqui não entramos na ficção do livro, só recriamos mesmo o que é histórico sobre este local", remata.