À margem de um ensaio aberto aos jornalistas, Jorge Pinto disse hoje que o espetáculo cruza o mundo do teatro e o do público, que se vai sentar nos dois lados do palco do TNSJ, para “tanto quanto possível fazer perceber ao público que as questões que se põem são da condição humana”, e não só dos profissionais do teatro.
Na peça, com cerca de duas horas de duração, o público vive próximo do camarim, de casa ou da própria boca de cena na qual vive Gertrude, uma atriz premiada “mas insegura do seu talento”, lê-se na sinopse, e das suas interações com os dois homens da cena, numa reflexão “sobre a vida como exercício de ‘autoencenação'”.
“É importante que o espetador sinta que as questões da condição humana que se põem àquelas três pessoas se põem a toda a gente”, acrescentou o encenador e cenógrafo da produção do Ensemble.
As “três pessoas” são a atriz Gertrude, representada por Emília Silvestre, o arrumador de carros Samson e o assistente de produção do teatro Kennedy, com cada um dos homens a surgir em cena com a ‘veterana’ do palco, após esta interpretar uma peça de Shakespeare, um em cada ato.
O primeiro é um jovem que, na versão original, era da comunidade negra, mas Arnold Wesker, autor da peça, deixou escrito que esta “pode ser substituída por outro grupo social discriminado”, surgindo na versão do Ensemble como de etnia cigana, interpretado por Afonso Parra.
Kennedy, aqui interpretado por José Eduardo Silva, não assume esse grupo, mas provém de uma ascendência social humilde, combinando a projeção de cada um com as “crises existenciais” dos próprios artistas.
“A profissão de ator é acometida de uma paixão extrema, e quando a vida se vive intensamente, essas características [de crise existencial] também são mais graves”, explicou Jorge Pinto.
Em cena, a personagem Gertrude diz, no primeiro ato, que as pessoas “criam imagens de si próprias pelas quais se apaixonam”, algo que atravessa toda a peça, cruzando-se depois com um espetáculo “que visualmente não pode ser mais sobre teatro”, mesmo que não seja intenção “fazer um documentário sobre isso”.
“Primavera Selvagem” marca a terceira vez que o Ensemble encena uma peça de Wesker (1932-2016), depois de “Cartas de Amor em Papel Azul”, em 2005, e de “Quando Deus Quis um Filho”, em 2006, desta feita numa tradução de Ana Luísa Amaral.
A tradutora reforça a escolha de retratar a comunidade cigana para trazer para a realidade portuguesa “a problemática da discriminação, a culpa e a precariedade impostas pelo sistema familiar ou político”, que “atravessam grupos colonizados”, sejam eles quais forem.
Com estreia marcada para quinta-feira, pelas 21:00, o espetáculo fica em cena de quarta-feira a domingo, até 28 de julho no TNSJ.
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