Em palco, dois homens, que habitam num quadrado de relva artificial, têm que conviver, sem diálogo, apenas com som, e vão usando o poder de forma alternada um sobre o outro e com a necessidade individual de sobrevivência a sobrepor-se à possibilidade de uma vida em comum.

"Que mais lhes restará para construir o amanhã neste mundo partido ao meio?", pergunta a companhia.

A peça estreia na sexta-feira, na Oficina Municipal do Teatro, em Coimbra, às 21:30.

Para Hugo Inácio, que, juntamente com Telmo Ferreira, criou e interpreta a peça, o espetáculo já começou a ser pensado "há muito tempo", mas ganhou outro força com o surgimento de políticos como Trump [EUA] ou Bolsonaro [Brasil].

"São duas pessoas numa ilha, numa espécie de Jardim do Éden, como se estivéssemos a começar de novo. Não se conseguem entender porque têm opiniões diferentes e estão em constante conflito", surgindo pelo meio sinais de diferentes sistemas de governo e civilizações, como a monarquia ou o feudalismo, explica.

A ausência de diálogo surgiu pela vontade dos atores em trabalhar esse campo, mas acaba "por fazer ainda mais sentido" nesta peça, sublinha Hugo Inácio.

No meio da relva artificial onde os dois homens habitam há um contentor de onde vão saindo coisas, como uma maçã que origina um primeiro conflito.

Sinais da Grécia Antiga e da Idade Média surgem em palco, bem como aquilo que poderá ser o nascimento de uma religião ou a luta por recursos, num espetáculo em que a violência e a tensão vão escalando.

"É um olhar atento, distanciado, que nos mostra um caminho que está a ser trilhado e que já foi trilhado antes. Quem não conhece o passado está condenado a repeti-lo. É muito estranho como isto se foi acercando de nós e tomando uma aparência de normalidade", nota Pedro Lamas, que dirige a peça.

A peça, que se assume como uma comédia, não tem uma perspetiva pessimista sobre as relações entre os seres humanos, sublinha, considerando que, no espetáculo, há uma certa inocência no exercício de poder de um sobre outro.

"Nós é que vamos ler o rei e o servo, mas para aqueles dois homens são circunstâncias da única vida que conhecem e que tentam lidar da melhor forma possível. São as circunstâncias que levam a todos os exercícios de poder. No entanto, não desculpabiliza as ações e eles têm que viver com as consequências que lhes batem de maneiras muito concretas", salienta Pedro Lamas.

Com uma pergunta sobre o amanhã, no espetáculo dá-se ainda a explosão da bomba atómica.

"Explodimos a bomba atómica porque esperamos que o palco possa ser o único sítio onde possa explodir. Explodimo-la lá para não explodir cá fora", refere.

Depois da estreia em Coimbra, a jovem companhia de teatro espera avançar com a apresentação noutras cidades.

O acolhimento do espetáculo ocorre no âmbito da participação da Trincheira Teatro e da Câmara de Coimbra na rede Artéria, um projeto de intervenção sociocultural, com coordenação artística do Teatrão e académica do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que combina produção de conhecimento científico, participação da comunidade e criação artística na região Centro.