Ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao furto de Tancos, Vasco Brazão disse que o documento, sem timbre e sem assinatura, foi entregue “em novembro ou dezembro” por si e pelo ex-diretor da PJM, Luís Vieira, ao então chefe de gabinete do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, general Martins Pereira.
Segundo o relato do major Vasco Brazão, arguido no processo judicial e que se encontra em prisão domiciliária, o ex-diretor da PJM, através de uma chamada telefónica pela aplicação ‘Whatsapp’, comunicou ao então ministro da Defesa, na presença do chefe de gabinete, que a recuperação do material “não ocorreu da forma que tinha sido publicitada, mas sim através de um informador”.
No dia 18 de outubro de 2018, a PJM divulgou um comunicado a revelar que tinha recuperado o material na sequência de uma investigação em colaboração com a GNR de Loulé.
Sobre este documento, Vasco Brazão assumiu mais à frente na audição que o redigiu “em coautoria” com Luís Vieira e que o seu conteúdo não correspondia integralmente à realidade do que aconteceu.
“Aquilo que nós escrevemos foi uma versão dos factos, muito semelhante à verdade dos factos. Não é a verdade dos factos”, afirmou.
Em resposta a uma pergunta da deputada do PSD Joana Barata Lopes, Vasco Brazão disse que a indicação que teve, por parte do coronel Luís Vieira, foi para redigir uma versão "envolvendo o menor número de pessoas e explicar que não tinha sido feito da forma correta, fazer uma coisa reduzida e dar poucos nomes".
No memorando, que foi entregue ao tribunal no âmbito da Operação Hubris, "está muito a menos e estão algumas coisas que não aconteceram bem assim para justificar a presença do diretor-geral naquele local e a não comunicação à Polícia Judiciária", acrescentou.
Perante o documento, o general Martins Pereira “não demonstrou que já soubesse”, nem fez qualquer comentário, disse Vasco Brazão, que fez questão de afirmar que nunca falou sobre o assunto com a estrutura superior do Exército.
Vasco Brazão referiu também, numa declaração inicial, que o então ministro da Defesa “não deu ao senhor diretor [Luís Vieira] qualquer instrução no sentido de alterar” a conduta, “nem para participar a ocorrência ao Ministério Público”.
Assumindo o “erro de não ter participado ao Ministério Público”, Vasco Brazão disse que agiu de “boa-fé” e com o propósito de “encontrar o material” e por estar em causa o interesse nacional.
Segundo o major, no decorrer da “investigação paralela” à recuperação do material militar, quatro meses depois do furto, na região da Chamusca, “nada foi prometido ao informador”, com o qual nunca se encontrou.
Vasco Brazão disse não ter dúvidas de que a decisão de não comunicar à Polícia Judiciária as diligências que levaram à recuperação do material militar foram determinantes para “assegurar a eficácia da operação” e com o “único objetivo de salvaguardar o prestígio da PJM”.
“Tornou-se necessário encenar um quadro que não revelasse a forma como tínhamos chegado ao material de guerra”, disse, garantindo que “muitos investigadores na PJM” sabiam da operação, incluindo o coronel Manuel Estalagem, à altura chefe do núcleo de investigação criminal, e o capitão Bengalinha, que ficou a chefiar a investigação antes de a Procuradoria-Geral da República ter decidido entregar a liderança do inquérito à Polícia Judiciária.
Questionado pelos deputados sobre se tinha consciência da ilegalidade de avançar com diligências para recuperar o material à margem da PJ, Vasco Brazão disse que não questionou as ordens do ex-diretor da PJM porque Luís Vieira lhe assegurou que estava a “tratar ao mais alto nível a questão das competências” e que não precisavam de se preocupar.
“Cumpri ordens. Porque o interesse do país o determinava”, disse.
Segundo o major, o então diretor da PJM “não se cansava de dizer que a questão da competência era uma questão de tempo” e “não foi, como se viu”.
Vasco Brazão relatou que o ex-diretor da PJM tinha um parecer jurídico do ex-ministro da Administração Interna Rui Pereira que sustentava que devia ser a PJM a titular da investigação por estarem em causa crimes estritamente militares.
Com esse parecer na mão, disse, o então diretor da PJM ganhou “força” para transmitir a Azeredo Lopes a sua insatisfação pela perda da titularidade do inquérito: “Não sei dizer quando informou o ministro. Sei que utilizou este parecer para uma exposição sobre a situação”, contou.
“A questão foi a recuperação do material que era fundamental para o diretor-geral. A PJM estava no limbo de perder a sua autonomia e ele sentiu que aquela era a oportunidade de vincar e tendo informação de um indivíduo que quer entregar o material, era juntar a recuperação do material e a afirmação da PJM”, declarou.
O furto de material de guerra foi divulgado pelo Exército a 29 de junho de 2017. Quatro meses depois, a PJM revelou o aparecimento do material furtado, na região da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, em colaboração de elementos do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.
Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.
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