O documento, relativo a dezembro de 2023, indicou que aquelas habitações se dividem pelos concelhos de Castanheira de Pera e Pedrógão Grande, havendo ainda outras cinco casas cuja reconstrução se encontra suspensa, neste caso em Pedrógão Grande, devido ao processo judicial, agora no Supremo Tribunal de Justiça.
À agência Lusa, o representante das Câmaras municipais de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande no Revita, Paulo Batista dos Santos, explicou que, “sob gestão direta do fundo, estão quatro processos em curso”, sendo que, da parte do Revita, está tudo concluído, aguardando-se que os promotores desenvolvam as obras respetivas de reabilitação.
“Uma habitação em Pedrógão Grande está concluída, estamos só a regularizar os pagamentos”, adiantou, esclarecendo que em outra, em Castanheira de Pera, havia “um problema de legalização junto da Câmara que já está regularizado”.
No caso de outras duas, estão ambas a iniciar, uma em cada um dos concelhos, afirmou Paulo Batista Santos, também 1.º secretário executivo da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL).
Segundo este responsável, o objetivo é o de, durante este ano, ter o processo completamente fechado.
O Fundo Revita foi criado pelo Governo para gerir os donativos entregues no âmbito da solidariedade demonstrada aquando dos incêndios de 2017, em estreita articulação com aqueles três municípios.
Aderiram ao fundo 66 entidades, com donativos em dinheiro, bens e prestação de serviços.
A CIMRL, de que fazem parte estes e mais sete municípios, contribuiu com uma dotação inicial de quase 430 mil euros.
“Os donativos em dinheiro ascendem a 5.446.296,31 euros”, referiu o último relatório do fundo, que, “atendendo à dimensão das responsabilidades assumidas”, o Ministério da Solidariedade e Segurança Social reforçou o seu financiamento “em 2.500.000 euros, que acrescem ao valor mencionado”.
Pelo fundo, foi assegurada a distribuição de casas a reconstruir naqueles concelhos do distrito de Leiria e em mais quatro, de Coimbra e de Castelo Branco.
“Neste contexto, foi atribuída aos diversos fundos a reconstrução de 259 casas de primeira habitação, sendo de destacar que, deste conjunto, 247 se encontram concluídas”, lê-se no relatório.
O Revita teve diretamente a seu cargo a reabilitação de 99 casas, na maioria reconstruções integrais.
“No final de dezembro de 2023, 90 destas casas encontram-se concluídas”, acrescentou o Revita naquele documento, segundo o qual está pago, relativamente a casas e respetivo apetrechamento, cerca de 3,1 milhões de euros.
O mesmo relatório revelou que o fundo tem “o montante de 1.396.431,09 euros, registado em caixa e depósitos bancários”, relativos a “donativos em dinheiro recebidos até 31 de março de 2023”.
Em 2023, o Revita passou a integrar o perímetro do Orçamento do Estado, não obstante as críticas contra a “nacionalização” do fundo por parte da CIMRL.
O representante dos municípios no Revita declarou que, concluída a reconstrução das casas de primeira habitação, “segue-se um prestar de contas”, desde logo à população e à tutela (ministérios das Finanças e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social).
Sobre o destino do montante sobrante, que “irá ser superior a mais a um milhão de euros”, Paulo Batista dos Santos disse que a proposta é a de que esse dinheiro “seja orientado novamente e, se for caso disso, reforçado” até pela CIMRL, “em projetos de melhoria das condições de habitação naqueles três municípios”.
“Outro segundo destino prioritário é olhar para essas habitações que foram reconstruídas e naqueles equipamentos básicos (…) dar uma ajuda também, para que as pessoas tenham outra dignidade na sua reinstalação”, observou, frisando não se tratar de segundas habitações.
Sobre as cinco casas cuja execução está suspensa aguardando decisão judicial, o representante das autarquias no Revita assegurou que, caso a decisão do tribunal determine que “estas habitações são suscetíveis de ser consideradas”, o fundo avança para a sua reconstrução.
As comemorações do Dia de Portugal centram-se este ano em Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, concelhos fustigados pelos incêndios de junho de 2017, de que resultaram 66 mortos e 253 feridos, além da destruição de casas, empresas e floresta.
10 Junho: Uma rua internacional no meio de nenhures em Pedrógão Grande
Na aldeia da Lapa, Pedrógão Grande, a Rua dos Emigrantes é hoje a de imigrantes, trabalhadores ou reformados, numa multiplicidade de nacionalidades que se repete noutros locais deste concelho e em Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos.
“É muito internacional”, afirmou à agência Lusa Jochen Bangert, alemão na casa dos 50 anos, ou José, por ser mais fácil de pronunciar para os portugueses, junto à casa que ergueu das ruínas naquela rua, na freguesia da Graça.
Foi através de um anúncio numa revista alemã que o designer de conteúdos para a Internet encontrou, há cerca de 20 anos, o lugar onde viria a reconstruir a sua morada.
“O coração sempre disse que era aqui”, declarou Jochen Bangert, explicando que aqui é onde vive quase todo o ano, há quase cinco.
Desfiando as qualidades do lugar, também morada de outros estrangeiros de diversas proveniências, da Europa, como ele, mas também de África, da Ásia ou da América, o alemão não resistiu a comentar a burocracia nacional: “Às vezes, os caminhos são muito complicados, outras vezes é sempre a andar, rápido e fácil”.
Num anexo da habitação, um azulejo na parede com a inscrição “Se bebes para esquecer paga antes de beber” indicia que o cidadão alemão se tem aportuguesado.
“Muito típico, não é?”, perguntou, ao mesmo tempo que mostrou a sua portuguesa “FAMEL”, a moto que um amigo recuperou.
A poucos metros, mora o casal Chris e Diana Mitchell, ele britânico de 46 anos, ela colombiana de 41.
“Vi no Google Maps”, afirmou Chris Mitchell, quando questionado sobre a escolha da Lapa, acrescentando a proximidade com a água (rio Zêzere).
Construtor civil, o britânico, que recuperou a casa onde o casal mora e prepara-se para fazer o mesmo a um imóvel em ruínas, não regateia elogios à “comunidade simpática”, para acrescentar que o mais difícil no país “é o SEF [Serviço de Estrangeiros Portugueses], agora AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo]”.
O presidente da Junta de Freguesia da Graça, Custódio Rosa, explicou que na Lapa apenas reside uma portuguesa, numa aldeia que “nem uma dúzia de casas tem”.
“Em quase todas as nossas aldeias [33, distribuídas por 30 quilómetros quadrados], há estrangeiros, de várias nacionalidades, mais trabalhadores remotos e reformados”, que estão a repovoar aos poucos, adiantou.
Custódio Rosa lamentou, contudo, que o recenseamento não faça parte das opções dos estrangeiros, pois as transferências financeiras para as autarquias são tanto maiores quanto maior for a população.
Segundo o autarca, a freguesia tinha 614 eleitores em 2022. “Estrangeiros recenseados três ou quatro”, referiu, para assinalar que as reivindicações, como “estradas alcatroadas ou luz ao pé de casa, são iguais às dos portugueses”.
No concelho de Pedrógão Grande, residiam 662 estrangeiros em 2022, cerca de um quinto da população, que era nos Censos de 2021 de 3.390 pessoas, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Quer neste município, quer em Castanheira de Pera ou Figueiró dos Vinhos, o número de estrangeiros tem aumentado. A maior parte tem origem no Reino Unido e Irlanda do Norte, ainda segundo o INE.
Os norte-americanos Bill Mauro, de 60 anos, e Marcus Laurence, de 53, não estão entre as nacionalidades preponderantes nos concelhos do norte do distrito de Leiria, mas aqui assentaram arraiais após dois anos a viverem em Lisboa “num apartamento de 55 metros quadrados” ainda a pandemia de covid-19 era uma realidade.
Outros países europeus estiveram na equação do casal de reformados da Pensilvânia, mas ganhou Portugal.
Clima, segurança, sistema de saúde, custo de vida e país respeitador de uniões entre pessoas do mesmo sexo foram as razões.
Apesar de ter gostado muito de Lisboa, o casal sentiu na capital a ausência da tranquilidade.
Formulada nova equação, eis que surge Salgueiro da Lomba, na freguesia da Aguda, Figueiró dos Vinhos.
“Queríamos viver numa zona parecida com a Pensilvânia, com rios, montanhas. Muito importante para nós era ter cuidados de saúde perto”, prosseguiram. O concelho é servido pelos hospitais de Coimbra.
Outro fator era a acessibilidade a Lisboa e ao Porto, e o Centro do país passou a ser a solução, mesmo com o café a distar três quilómetros ou o supermercado 12, porque a preferência são os mercados municipais.
“É perfeito para nós”, asseguraram.
Os amigos dizem-lhes que “moram no cu de Judas”, mas o casal, já fluente na língua portuguesa, contrapõe com a tranquilidade e a natureza, que descobrem em moto 4, pelas Aldeias do Xisto, por exemplo.
Da vizinhança, onde se contam portugueses e outros estrangeiros, destacam as relações, cimentadas também nas trocas. O casal levou um bolo de banana a uma vizinha, a vizinha trouxe-lhe um naperão.
Ainda em Figueiró dos Vinhos, mas na Arega, Joanna e Aran Patinkin, de 60 a 70 anos respetivamente, devolveram vida a um imóvel em ruínas, onde, no seu interior, cresciam arvores e até viviam cabras, que ganhou o nome de Quinta do Passal e alojamento local.
“Portugal é um ponto central. Está a seis horas dos Estados Unidos e a cinco de Telavive [Israel]”, onde se dividem os filhos de cada um, referiu a britânica Joanna Patinkin.
A primeira vez que vieram a Portugal foi em 2019, quando Aran, israelista-americano, foi fazer um documentário a Castelo Branco.
Quando se decidiram ficar, numa incursão por Oleiros compraram três propriedades em ruínas, “mas era muito complicado para reconstruir” devido a medidas restritivas decorrentes dos incêndios.
“Não entendíamos a língua, nem as restrições. E as leis estão sempre a mudar”, disse Joanna.
O casal decidiu depois que nova compra seria mais perto de um aglomerado urbano, para estar mais protegida.
“Procurámos, procurámos e procurámos, e, finalmente, encontrámos”, adiantou. Mas não foi amor à primeira vista. Só à terceira ou quarta vez, quando abriram uma janela do imóvel e se depararam com a paisagem, é que se confirmou.
Seguiu-se a reconstrução, destacando o papel da agora presidente da Junta, Cristina Furtado, do seu marido, construtor, e de toda uma equipa que, “com generosidade, paciência e paixão”, fizeram nascer a Quinta do Passal, sem esquecer toda a aldeia, onde as “pessoas foram tão generosas”.
À Lusa, Cristina Furtado lembrou que outros familiares ajudaram nesta empreitada, localizada ao lado da Igreja Paroquial, que hoje dá emprego a várias pessoas e visibilidade à própria aldeia.
Joanna Patinkin salientou que tiveram “muita sorte neste ‘casamento’”, num “lugar lindo”, onde destacam a paisagem, o silêncio e as pessoas.
Na Arega, o casal de judeus é tudo menos estrangeiro. “Não nos sentimos estrangeiros. Sentimo-nos bem”.
As comemorações do Dia de Portugal centram-se este ano em Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, concelhos fustigados pelos incêndios de junho de 2017, de que resultaram 66 mortos e 253 feridos, além da destruição de casas, empresas e floresta.
Alzira de 79 anos espera desde 2017 pela sua casa destruída pelos incêndios
A casa de Alzira, que ardeu nos incêndios de Pedrógão Grande, aparece-lhe nos sonhos. Não há dia em que não pense nela, mas a espera é tão longa que já não consegue acreditar que voltará a lá viver.
Na semana passada, nas vésperas das comemorações do 10 de Junho, que este ano terá como palco a região afetada pelos incêndios de junho de 2017, Alzira Luiz, de 79 anos, assinou o contrato com o empreiteiro para o arranque das obras de construção da sua casa, na aldeia de Rapos (Castanheira de Pera), quase sete anos depois de a habitação ter sido consumida pelas chamas.
No entanto, a espera é demasiado longa para, mesmo com contrato assinado, acreditar que verá a sua casa reconstruída, contou à agência Lusa a idosa, de 79 anos, já viúva.
“Já ouvi tantas vezes que estava tudo bem e não estava a correr nem bem nem mal, estava parado. Acho que qualquer pessoa que consiga pôr-se no meu lugar, não acredita, como eu não acredito. Eu não acredito que as coisas estão a andar. Só acredito quando chegar aqui e der para tocar nas paredes, nas coisas, no chão, ver alguém a trabalhar, porque até agora só foram papéis e palavras”, lamentou.
O processo até à assinatura do contrato com o empreiteiro foi longo e com vários avanços e recuos. Neste momento, a casa tem apenas o trabalho de alvenaria feito.
Ao início, a casa começou por ser reconstruída por um grupo de voluntários de Pombal, mas o grupo acabou por desmobilizar e não concluir a obra, apenas avisando Alzira no final de 2019 de que iria abandonar o projeto.
Posteriormente, contratou um engenheiro para reformular o projeto da casa (havia divisões sem as dimensões mínimas exigidas por lei), que terá dado entrada em 2021, recordou.
Entre 2021 e 2024, foram vários os impasses, sobretudo relacionados com o Revita (fundo criado para apoiar as populações afetadas pelo incêndio) e com os demasiados papéis exigidos para o processo de reconstrução e reformulação da habitação.
“O Fundo Revita entrou para ir ao encontro da melhor forma de ajudar a dona Alzira a ter uma casa semelhante ao que tinha, mas houve alterações nos órgãos e um atraso motivado por esse facto. Assim que as coisas ficaram estabilizadas, o processo teve o seu caminho normal”, explicou à agência Lusa o presidente da Câmara de Castanheira de Pera, António Henriques, referindo que o fundo esteve cerca de ano e meio sem representante dos municípios no conselho de gestão.
Após esse impasse, “foi o tempo de reuniões e aprovações até agora, com a assinatura do contrato”, no dia 28 de maio, aclarou, admitindo esperar que Alzira Luiz possa voltar à sua casa no espaço de um ano, numa obra “completamente custeada pelo fundo Revita”.
Porém, ninguém irá recuperar os sete anos a morar desterrada em Moredos, junto à vila de Castanheira de Pera, as noites de pouco sono, os pesadelos e o sofrimento de esperar e esperar, sem poder voltar à casa que ajudou a construir com as suas próprias mãos – fez as vezes de servente para os acrescentos que foi fazendo à habitação ao longo dos anos.
Alzira contou à Lusa que pensa na casa reconstruída a “toda a hora” e até sonha com todo o processo.
“No pouco que durmo é a sonhar com estas coisas. Sonho que me dizem que vai haver casa, mas depois vejo que não será assim e acordo revoltada”.
Alzira Luiz olha para a estrutura que está lá construída e não reconhece a casa. As dimensões são diferentes e a paisagem à volta mudou, com silvas e mato a ganharem terreno: “Tinha isto tudo muito zeladinho, muito bonitinho, com hortas que eu sempre fiz para não deixar entrar a fome em casa”.
Apenas sorri quando recorre à memória para falar da casa que tinha, dos animais, da mesa farta sempre que alguém aparecia por ali e que no final levava sempre “um saquinho” com coisas que a terra lhe dava.
A voz volta a embargar-se quando regressa ao presente e olha para a estrutura de cimento abandonada.
“Vou ser-lhe sincera. Vou falar-lhe do coração. Eu pergunto a Deus: ‘Será que eu consigo ver o fim a isto?’ Tenho dúvidas, mas por outro lado, tenho uma certeza: Se chegar a ver o fim, já não estou em condições - nem de forças nem de memória - para me lograr do que vier a ser feito, se for feito”.
Além de ter visto a sua saúde afetada ao longo destes sete anos de espera, além do trauma de escapar ao fogo com a roupa que tinha e pouco mais, custa-lhe especialmente perceber que já não terá capacidade para aproveitar a casa, quando esta ficar concluída.
Um ano antes dos incêndios, tinha feito obras na habitação para preparar “um bocadinho mais de conforto para o resto” dos seus dias.
“Cair nesta situação em que caí é muito triste”, afirmou, revelando acreditar que já não terá forças “para aproveitar esta casa”.
O certo, garantiu, é que terá “duas chagas” abertas e que já não fecham – o incêndio que viveu e os sete anos à espera da casa reconstruída.
“Essas duas chagas nunca mais me vão largar. Vou ter de lidar com isso para o resto da vida. Mesmo com a casa reconstruída, essas chagas não têm cura”, asseverou.
Populações afetadas pelos incêndios de 2017 ainda procuram ajuda médica
Sete anos depois dos incêndios de 17 de junho em Pedrógão Grande, que vitimaram 66 pessoas, as marcas ainda subsistem nas populações afetadas, que continuam a recorrer a apoio médico na área da saúde mental.
“A procura de apoio estabilizou, mas as pessoas continuam a vir aos cuidados de saúde mental, na sua maioria para manter a medicação que já fazem”, disse à agência Lusa a médica psiquiátrica Ana Araújo, coordenadora da unidade de saúde mental comunitária de Leiria Norte, com sede em Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria.
As recordações do “inferno” vivido em 2017 que afetou mais gravemente os concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos vinhos ficam mais presentes próximo da data dos fatídicos incêndios e, sempre que o som da sirene dos bombeiros se propaga pelos montes e vales do território, o coração dos habitantes inquieta-se.
Salientando que os estádios da situação são diferentes de há sete anos, Ana Araújo refere que o luto em situações como esta é para sempre e que, esporadicamente, ainda aparecem pessoas que não reconheciam padecer de stress traumático dos incêndios, que estava escondido e de repente manifestou-se.
A forma de lidar com o luto varia de pessoa para pessoa e, segundo Ana Araújo, existem as que querem “respirar fundo e seguir em frente e que entendem que eventos marcantes sobre o que se passou não ajuda a progredir para o futuro, e, depois, temos aquelas que precisam dessas iniciativas para viver”.
“Tudo depende das personalidades e dos sentimentos que têm. Aprendemos que, de facto, não há uma chapa cinco para tudo e que há muita variedade na forma de lidar com o luto e as perdas”, sublinhou a médica, que coordena o gabinete que funciona desde 2011 e que após os incêndios de 2017 passou a apoiar a população afetada.
Aquando da inauguração do memorial das vítimas, em 15 de junho de 2023, “houve pessoas e familiares diretos que apareceram e acharam muito bem e outras que entenderam que aquilo não fazia sentido e que não era preciso irem lá para sentirem o que se passou”.
“As consultas de apoio têm dado resultados, as pessoas reconhecem que a proximidade as ajuda e sabem que nós estando cá podem recorrer numa emergência, pelo que mantemos o mesmo processo de atendimento semanal”, disse Ana Araújo.
Às consultas recorrem pessoas de todas as faixas etárias, desde jovens a adultos, não só as que perderam familiares, mas também quem passou por dificuldades nos incêndios, incluindo elementos de forças de segurança, sobretudo da GNR, e bombeiros, que “tiveram alguma dificuldade em aceitar que precisavam de ajuda”.
Muitas pessoas também já tiveram alta e há anos que não marcam consultas, mas a pandemia da covid-19 que grassou nos anos de 2020 e 2021, sobretudo, veio “complicar tudo e travar processos de recuperação”.
“Os incêndios, o isolamento e a solidão acabaram por interferir com a saúde mental dos concelhos outra vez. Foi uma situação muito dura para pessoas que já tinham perdido familiares nos incêndios e que depois perderam os seus idosos com a covid-19”.
O incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017 em Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, e que alastrou a municípios vizinhos, provocou 66 mortos e mais de 250 feridos, sete dos quais graves, destruiu meio milhar de casas e 50 empresas.
De Pedrógão Grande a Leiria são quase três horas de distância em carreira interurbana
O percurso Pedrógão Grande - Leiria em carreira interurbana demora duas horas e quarenta minutos, com 21 paragens, a chegar à capital de distrito, mas a situação deverá mudar até ao final do ano.
“O trajeto demora cerca de 2:40 minutos de Pedrógão Grande e efetua 21 paragens até ao Terminal de Leiria. No caso de Figueiró dos Vinhos, o tempo de percurso é de cerca de 2:10 minutos e efetua 18 paragens”, revelou à agência Lusa o administrador da Rodoviária do Tejo Paulo Carvalho.
Segundo Paulo Carvalho, “para estas duas localidades o horário para Leiria inicia às 06:00 de Pedrógão Grande e 06:30 de Figueiró dos Vinhos, com transbordo em Pombal às 08:05 e chegada a Leiria pelas 08:45”.
“No regresso aos locais de origem, parte de Leiria às 17:30, efetua transbordo em Pombal às 18:25 e chegada a Figueiró dos Vinhos pelas 19:37 e Pedrógão Grande às 20:05”, adiantou.
Ainda segundo o administrador, um cidadão de Castanheira de Pera “não tem horário para se poder deslocar a Leiria e Coimbra” em carreira interurbana.
Estes são os concelhos onde se centram, este ano, as comemorações do Dia de Portugal.
A Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL) concessionou o serviço de transportes públicos à Rodoviária do Tejo, por um período de quatro anos, numa operação na ordem dos 25 milhões de euros desenvolvida pela Rodoviária do Lis II desde 01 de janeiro.
A CIMRL integra os municípios de Alvaiázere, Ansião, Batalha, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Leiria, Marinha Grande, Pedrógão Grande, Pombal e Porto de Mós.
Já na Rede Expressos, numa pesquisa no seu sítio na Internet, a Lusa não encontrou viagens entre Castanheira de Pera e Leiria, nem o sentido inverso, mas há ligação a Coimbra.
Na mesma rede, para hoje, a viagem Pedrógão Grande – Leiria obriga a duas paragens, uma em Figueiró dos Vinhos e outra em Coimbra, havendo nesta cidade a obrigatoriedade de mudança de autocarro e tempo de espera, para chegar a Leiria em duas horas e vinte minutos ou três horas e cinco minutos, dependendo de um dos dois horários disponíveis, numa distância de 143 quilómetros.
Paulo Carvalho adiantou que a CIMRL tem vindo a reunir com a empresa “no sentido de projetar um serviço mais direto a Leiria, com origem nesta parte mais a norte do distrito”.
“A ideia passa por aproveitar serviços locais regulares e a pedido para alimentar nos eixos principais serviços mais longos que permitam ligar todos estes concelhos à capital de distrito”, referiu este responsável.
O 1.º secretário executivo da CIMRL, Paulo Batista Santos, explicou que, no âmbito da concessão, “está previsto um plano de ajustamento das linhas atuais que irão permitir uma ligação direta entre os concelhos do norte da Região de Leiria, nomeadamente Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e não só, à Região de Leiria e à cidade [de Leiria] em particular”.
Essa operação será feita através da mesma viatura, que fará a ligação por via do Itinerário Complementar 8 até Pombal, declarou, sendo que depois de Pombal esta viatura fará um percurso pela Estrada Nacional 1 (com paragens no percurso) e os utilizadores terão em Pombal a possibilidade de viagem rápida pela Autoestrada 1.
Paulo Batista Santos garantiu que, “de Porto de Mós a Castanheira de Pera, será possível ter ligações próximas e complementares àquilo que é hoje também o serviço de transporte flexível”.
O transporte flexível a pedido da CIMRL arrancou em janeiro de 2023 e permite ao passageiro fazer antecipadamente a reserva da sua viagem, até às 15:00 do dia anterior ao dia da viagem, através de uma chamada para o número de telefone 800 24 25 26 (nos dias úteis, entre as 09:00 e as 15:00), realizado com recurso a táxis.
Este encaminha os passageiros para os pontos de ligação ao serviço público de transportes.
O 1.º secretário executivo acrescentou que a CIMRL apresentou uma candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência para seis autocarros, três dos quais para “afetar às linhas no norte da região de ligação à cidade de Leiria”.
Esperando que as novas linhas estejam em operação até ao final do ano, Paulo Batista Santos destacou que vão ter “um adicional”, um título único.
“Naturalmente a maior pressão é de quem está a norte da região para vir para a cidade, mas também queremos que cada vez mais seja [dada] a possibilidade das pessoas da cidade, dos centros urbanos, poderem deslocar-se para estes territórios mais do interior”, esclareceu.
Segundo este responsável, o título único vai permitir que o cidadão possa andar no Mobilis (transporte urbanos de Leiria), TUMG (Marinha Grande), Pombus (Pombal) e no serviço da Rodoviária do Lis, sendo que a CIMRL comparticipa 50% do valor do passe.
No Pinhal Interior, há qualidade de vida mas falta “tudo o resto” aos jovens
Na região afetada pelos incêndios de Pedrógão Grande, os jovens encontram qualidade de vida, mas falta “tudo o resto”. Até há emprego, mas em áreas que não lhes interessam, o mercado de arrendamento “não existe” e há pouca vida social.
São poucos os que ficam e ainda menos aqueles que, mesmo decidindo ficar, não pensam em seguir o mesmo caminho dos seus amigos. Rafael Almeida, que vive na vila de Figueiró dos Vinhos, o maior concelho dos três mais afetados pelos fogos de junho de 2017, apenas se lembra de um jovem do seu ano, 1994, que continua a viver por ali, como ele.
O realizador de cinema de 30 anos montou a sua produtora na vila onde nasceu depois de terminar o curso na Covilhã. Faz sobretudo vídeos institucionais e corporativos – o trabalho é tanto que já há algum tempo que adia projetos artísticos, depois de ter passado pelo “Short Film Corner” do festival de Cannes.
“É fácil empreender aqui, termos o nosso próprio negócio e conseguirmos ser bem-sucedidos em várias áreas. Mas falta tudo o resto. A parte de estar aqui e ganhar dinheiro não é o maior problema”, diz à agência Lusa Rafael Almeida.
Para o jovem cineasta, é esse “resto” – que é muita coisa – que leva a que hoje só se lembre de mais um como ele a viver em Figueiró dos Vinhos de “três ou quatro turmas” que havia no secundário.
Mercado de arrendamento inexistente, falta de ofertas de emprego qualificado ou ausência de espaços para socializar são alguns dos problemas que Rafael Almeida elenca sem grande esforço. A própria falta de jovens faz com que os que fiquem queiram sair.
“Eu estou com a minha namorada, mas se eu estivesse sozinho já não estava aqui, de certeza. Porquê? Porque estaria completamente solitário e andaria doido”.
Por isso mesmo, brinca, o território onde vive “é ótimo para antissociais”.
Se, em Figueiró dos Vinhos, Rafael diz não encontrar qualquer sítio aberto à noite para beber um copo, em Castanheira de Pera, o município do distrito de Leiria com maior índice de envelhecimento, Patrícia Martins socorre-se de um café numa aldeia que fica aberto até mais tarde para estar com os amigos à noite.
“De resto, não há mais nada”, conta a jovem de 26 anos.
Chegou a viver dois anos em Leiria, depois de acabar o curso em jornalismo e comunicação em Coimbra, mas não gostou da experiência de viver numa cidade e, tendo conseguido um emprego na sua área na empresa municipal Prazilândia, decidiu regressar.
“Sempre fui muito próxima da natureza e gosto do sentimento de comunidade que numa cidade não existe”.
Patrícia admite que é uma privilegiada, perante o contexto de Castanheira de Pera – os seus amigos mais próximos ainda vivem no concelho e conseguiu um apartamento arrendado, uma “raridade” na vila, afirma, considerando que um dos principais desafios no concelho, para além da falta de emprego qualificado, é, “sem dúvida, o acesso à habitação, que não existe”.
Cristiana Fonseca, de 29 anos, que trocou o ensino por uma carreira como agente imobiliária em Figueiró dos Vinhos, confirma.
O mercado de arrendamento também quase não existe, diz, referindo que na imobiliária que tem com mais uma sócia lembra-se apenas de dois anúncios – um T2 por 420 euros e uma moradia por 950 euros.
“Por estes valores, quem é que vem? São para estrangeiros que procuram um arrendamento de curta duração para conhecer a zona e decidir se investem”, diz Cristiana, cujo negócio também se sustenta a partir de imigrantes que têm capital para comprar casas em ruínas e reabilitar.
Apesar dos problemas na habitação, Cristiana Fonseca não trocaria Figueiró dos Vinhos por outro concelho e imagina-se a continuar por ali, próxima da família e com uma qualidade de vida que acredita que não teria numa cidade do litoral.
“Eu só preciso de três minutos para ir de casa para o trabalho”.
Mas se falta habitação, o maior problema será mesmo o tipo de emprego que a região tem para oferecer, aponta Cristiana.
Quando Vasco Gama, de 23 anos, trocou Castanheira de Pera por Lisboa para se licenciar em relações internacionais sabia que provavelmente seria uma ida sem retorno.
“Muito dificilmente, depois da licenciatura, conseguiria arranjar emprego na minha área naquela zona”, conta o jovem que trabalha agora no setor bancário na capital.
“Em Castanheira, há um grande choque de realidade entre o inverno, em que a partir das 20:00 não se vê nem vida nem carros na vila, e o verão, em que recebemos milhares de turistas na Praia das Rocas”, conta o jovem, cujos pais têm um restaurante na vila e também sentem a sazonalidade.
João Cláudio Maria, de 28 anos, não esconde a sua frustração. Depois de se formar em ciências da comunicação na UBI, tentou, por duas vezes, regressar a Castanheira de Pera, onde esteve sempre envolvido em vários projetos associados à cultura.
Trabalhou na Prazilândia, mas despediu-se no final de 2019, com a perspetiva de ir para Lisboa.
A pandemia chegou e adiou os planos. Em 2022, voltou à empresa municipal, mas foi sol de pouca dura.
“Tinha algumas poupanças e mudei-me para Lisboa”, conta à Lusa o jovem de 28 anos.
Na ótica de João Cláudio Maria, o problema “não é a falta de potencial, até porque a maior parte das coisas estão por fazer”, mas a falta de espaço para os jovens poderem mudar alguma coisa no território.
“É preciso espírito de missão e alguma resiliência”, acrescenta.
O jovem de 28 anos acredita que o poder local na região abstém-se de pensar estrategicamente o território. Fazendo uma analogia com algo que marcou a região nos últimos anos, João Cláudio Maria acredita que só se apagam fogos, “mas não se ordena o território”.
Além da falta de emprego qualificado e apartamentos para alugar, há outras questões. Patrícia não tem médico de família, Rafael precisa de ir a Coimbra para ir ao cinema (apenas Pedrógão Grande tem cinema, uma vez por semana) e todos precisam de ter carta e carro para se deslocarem no concelho.
“Aqui, um miúdo com 18 anos tem de ter logo carta e carro, que senão não se safa”, comenta Rafael.
Se Patrícia acredita que continuará em Castanheira daqui a dez anos, Rafael já não terá tantas certezas quanto ao seu futuro, tendo até já tentado sondar a possibilidade de se mudar para Leiria, mas os preços da habitação esbarraram-lhe o intento.
Por vezes, questiona-se sobre o porquê de continuar. “Se calhar eu estou talvez por um saudosismo, pelas memórias associadas, não sei”.
Mas o amor à terra pode não chegar, quando falta “tudo o resto”. “Não sei até quando vou resistir”, confessa.
*Por João Gaspar, da agência Lusa
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