A Câmara Municipal de Lisboa já deu mais de 196 milhões de euros em subvenções neste mandato. No leque de beneficiários, cerca de 500 por ano, cabe um pouco de tudo; desporto e música, associações de vizinhos ou amigos da calçada portuguesa, empresas camarárias e sociedades unipessoais. Há até quem só sobreviva assim.
Fazer as contas não foi fácil, a informação não está disponível de forma sistematizada no site da CML e à pergunta "Qual o montante atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa em subsídios/financiamentos desde início do atual mandato até à presente data?" a resposta chegou com 22 linhas, mas sem um único número.
A câmara garante que "todos os apoios aprovados pela CML são escrutináveis, sendo publicados em Boletim Municipal". Depois de uma vista de olhos por quatro anos de atas de reuniões de câmara - onde, entre outras decisões, encontrámos esta: "Proposta n.º 858/2018 (subscrita pelo Sr. Vereador José Sá Fernandes) - Aceitar a doação, pela Secretaria de Estado do Ambiente, de uma galinha da raça Pedrês Portuguesa" -, escolhemos recorrer ao site da Inspeção-Geral de Finanças para obter a informação.
As autarquias locais do país - freguesias e municípios - concederam no total 1,623 mil milhões de subvenções entre 2018 e 2020. Só a CML atribuiu diretamente mais de 196 milhões no período em causa (duas vezes o valor da transferência de Cristiano Ronaldo); cerca de 23,1 milhões foram para as artes e espetáculos, 16,3 milhões para o desporto, 38,5 milhões para o turismo, 2,6 milhões para migrantes e refugiados, 4,9 milhões para sem-abrigo e 2,5 milhões para fundações. Ainda assim, nestas áreas está menos de metade do valor registado.
Os números podem ter desvios, quase sempre por defeito, uma vez que há subvenções cujo valor acaba por se revelar diferente do declarado, como veremos à frente, e também porque a finalidade a que se destinam os apoios nem sempre é clara só pela explicação descrita na IGF ou tão-pouco pela informação pública prestada pela entidade obrigada ou pelo beneficiário. Por outro lado, a apresentação anual da IGF não segue uma regra - cada ano é exposto de forma diferente -, dificultando a consulta de dados.
O caso das artes e espetáculos é um bom exemplo desta dificuldade. Em 2018 a CML declarou ter atribuído uma subvenção de 7.650.000 euros à EGEAC, mas nos dois anos seguintes não está registado qualquer valor em favor da empresa municipal responsável pela gestão de alguns dos espaços culturais de referência da cidade (sete museus, um deles com sete núcleos, dois monumentos, quatro teatros - tendo mais sete cedidos ou arrendados - e diversas galerias).
No entanto, a administração da EGEAC disse ao SAPO24 que os valores "realmente executados, e não os previstos em IGF", são 8.550.000 em 2018, 9.000.000 em 2019 e 22.600.000 em 2020. Só aqui estão mais 32,5 milhões do que o total contabilizado por nós, ou seja, do que o comunicado à Inspeção-Geral de Finanças.
De acordo com a lei, as câmaras municipais estão entre as entidades obrigadas a comunicar os benefícios e doações a pessoas singulares ou coletivas dos setores privado, cooperativo e social, bem como a entidades públicas fora do perímetro do setor das administrações públicas, reforçando os mecanismos de transparência.
A lista de empresas municipais que integram o perímetro do setor das administrações públicas no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais "tem sofrido alterações todos os anos", admite a IGF, mas, de acordo com a mais recente publicitada pelo Instituto Nacional de Estatística as transferências das verbas da CML para a EGEAC deviam, em princípio, ter sido comunicadas.
A Inspeção-Geral de Finanças lembra que "o processo de prestação de contas de 2020 ainda não está concluído, nomeadamente das autarquias locais (o prazo para apresentação de contas termina em 30/06/2021)", pelo que "não é possível, nesta fase, confirmar a totalidade das situações de eventual incumprimento da lei".
Considera-se subvenção pública “toda e qualquer vantagem financeira ou patrimonial atribuída, direta ou indiretamente, pelas entidades obrigadas, qualquer que seja a designação ou modalidade adotada”, “incluindo as transferências correntes e de capital e a cedência de bens do património público”. Acresce que o artigo 10.º prevê sanções para o "incumprimento ou cumprimento defeituoso" do disposto na lei. Apesar disso, não temos conhecimento de que estas tenham sido aplicadas.
Para justificar a verba recebida, a administração da EGEAC esclarece que "a gestão da empresa é orientada pelo interesse público, não pelo lucro. Note-se, aliás, que a empresa está impedida por lei de perseguir um fim comercial. Note-se também que dos vários equipamentos que gere, por transferência da CML, apenas dois não são deficitários. Não obstante, a EGEAC procurou sempre garantir fontes próprias de rendimento e conseguiu, até 2020, um rácio de receitas próprias superior a 50% do valor total do orçamento, o que é mais do que o exigido por lei. A CML, como acionista único da empresa, cobre com um subsídio à exploração o deficit da empresa que resulta da necessidade de garantir o serviço público. Como exemplo dessa atividade, estão as centenas de iniciativas que a empresa proporciona de forma totalmente gratuita ao longo do ano, designadamente no espaço público, como as Festas de Lisboa".
No bolo das entidade subsidiadas pela câmara de Lisboa estão também dois teatros do grupo EGEAC - Teatro Aberto e Teatro A Comuna -, cedidos para exploração por terceiros. "A programação e gestão artística dos dois Teatros, como é sabido, é da responsabilidade, há muitas dezenas de anos, das companhias Novo Grupo de Teatro e A Comuna, não tendo a EGEAC qualquer responsabilidade nestas áreas, apenas na gestão patrimonial dos espaços em questão", confirma a administração da empresa municipal.
A CML atribuiu à Comuna - Teatro de Pesquisa 120 mil euros e ao Novo Grupo de Teatro (Teatro Aberto) 700 mil euros no período em causa. As empresas, de resto, podem receber apoios de mais de uma entidade pública. O Novo Grupo de Teatro recebeu em 2018, por exemplo, 251.392,72 euros da Direção-Geral das Artes (DGA) e 12 mil euros do Fundo de Fomento Cultural (FFC), além dos 200 mil euros da CML. No mesmo ano, a Comuna - Teatro de Pesquisa recebeu da DGA 257.056 euros, além dos 40 mil euros da câmara municipal.
Há valores mais elevados. A Leopardo Filmes, Lda e a Medeia Filmes, ambas de Paulo Branco, receberam respetivamente 860 mil e 180 mil euros da CML nos últimos três anos. As duas empresas recebem ainda apoios do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e a Leopardo Filmes tem também um subsídio da Câmara Municipal de Sintra pela realização do Leffest - Lisbon & Sintra Film Festival. Entre 2018 e 2020, no total, as duas empresas receberam pelo menos 4.698.884,78 euros em subvenções públicas.
A câmara de Lisboa salienta "que não há projetos financiados integralmente pela CML. Por regra, a CML concede apoio até 50 por cento do montante global de um projeto, o que quer dizer que os respetivos promotores têm de encontrar receitas próprias ou outros financiamentos para assegurarem a sua execução".
"Fica a sensação de que há clientelas"
O PSD considera que tem tido "um papel fundamental no plano da transparência". Teresa Leal Coelho, vereadora sem pelouro, tem "lutado para que todos estes apoios sejam escrutinados, e o partido mantém uma contabilidade própria sobre os subsídios que vão sendo concedidos às diversas áreas, embora com dúvidas, porque "os números não são claros".
Temos de exigir a todas as pessoas que recebem estes subsídios que apresentem relatórios de execução e de impacto económico, orçamentos previsionais e planos de concretização dos projetos".
Apesar de algumas entidades afirmarem que entregam à CML relatórios de atividade, os números raramente são publicados nos respetivos sites. Quando há sites. Torna-se, por isso, difícil estimar o impacto para a cidade de cada atividade apoiada.
Teresa Leal Coelho diz que "fica a sensação de que há clientelas" e que as subvenções são entregues "ad hoc", estranhando também que não haja cruzamento de informação para se saber quem recebe que montantes de quem, uma vez que há beneficiários que parecem viver de subvenções públicas.
O deputada municipal Margarida Bentes Penedo, do CDS, diz que "o escrutínio incomoda a esquerda". E quando diz esquerda, refere-se ao "PS, que foi dando à extrema-esquerda, Bloco de Esquerda e PCP, o poder que entendeu, já a pensar que viria a precisar dela". "Já João Soares governava com o PC", recorda. "Instalaram-se no Estado, na câmara de Lisboa, que governam há 14 anos, e encaram o exercício do poder e o poder que têm sobre a cidade como se fosse a sua casa. E qualquer oposição ou discordância, mais do que um incómodo é uma insolência. Não se sentem obrigados a dar respostas, que até podem dar, mas não sentem isso como um bem para a democracia; é mais uma formalidade que são obrigados a cumprir quando insistimos muito".
O desporto é outra das áreas mais subvencionadas: judo, atletismo, xadrez, corfebol, basquete, natação, rugby, ténis, ciclismo, vela, capoeira ou montanhismo, a lista é quase infindável. O Lisboa Ginásio Clube está entre as entidades mais apoiadas, com um valor acima dos 400 mil euros em três anos (mas que tem vindo a diminuir).
A justificação do coordenador-geral do clube, Ramiro Fernandes, podia aplicar-se a quase todos os outros: "A atividade regular é comum a todos os clubes da cidade", explica. "A câmara faz uma grelha de acordo com diversos critérios, como o número de praticantes, de federados, de modalidades, população feminina ou com necessidades especiais, idosos ou crianças e, em função disso, atribui um valor. Mas todos os anos temos de fazer uma candidatura em igualdade de circunstâncias com os restantes clubes". Há dez anos que o fazem.
Além disso, existem programas específicos negociados com a câmara e relatórios de participação. "Ainda hoje vou entregar um sobre o projeto Mov'In, para uma população com necessidades especiais", adianta Ramiro Fernandes. O acordo prevê a disponibilização de uma rede de instalações a que é possível ter acesso a custo zero, "a câmara paga o técnico e apoia-nos com algum material".
O coordenador-geral conta que em 2018, quando celebrou 100 anos, "o Lisboa Ginásio Clube tinha 2 mil sócios e mais de mil praticantes, o que não acontecia há anos. Fizemos um plano estratégico de recuperação e estávamos a crescer quando chegou a pandemia, íamos ter lucro no final do ano - que não seria para os sócios, mas para investir nas instalações, em técnicos qualificados, etc. Hoje temos 650 praticantes, regredimos seis anos".
Se era possível viver sem os apoios da câmara de Lisboa? "Se não fosse a câmara, muitas das atividades e muitos clubes da cidade não conseguiam fazer o trabalho que fazem com os miúdos. Quando quisermos ser rentáveis, acabamos com as competições, mas aí acabamos com a génese do clube. Se queremos medalhas, temos de dar condições aos atletas. Os atletas de competição pagam 50 euros por mês, e isso não paga o custo da modalidade".
Faz as contas em voz alta: "Na ginástica artística feminina ou masculina não podemos ter mais de cinco ou seis atletas, até por questões de segurança - nos trampolins é a mesma coisa. Um técnico recebe 12,50 euros/hora. Se trabalhar com uma criança duas horas por dia, são 25 euros, 125 euros por semana, 500 euros por mês. E, no mínimo, deve trabalhar três horas. Todas as atividades desportivas de competição são deficitárias", assegura.
O Lisboa Ginásio Clube tem cinco modalidades de competição. "O que compensa é o fitness, mas aí estamos a cair por causa dos ginásios lowcost, com quem não conseguimos competir. Eles abrem a porta e deixam as pessoas lá dentro, por isso o preço é tão baixo. E têm instalações novas, aspecto mais agradável, tornam-se mais atrativos".
À frente do LGC em subvenções está o Maratona Clube de Portugal, com 300 mil euros por ano, a Volvo Ocean Race, com 333,3 mil, ou a Federação Portuguesa de Judo que, excecionalmente e por causa do Campeonato Europeu de Judo, recebeu da CML mais de um milhão de euros em 2020.
Mas há outras contas a pesar, como a da Carris, que em dois anos recebeu uma subvenção de quase 51 milhões da CML (não há valor declarado para 2020), a da União de Associações do Comércio e Serviços (UACS), que em três anos recebeu mais de 2,9 milhões de euros para "eventos" e "iluminações de Natal", a dos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa, um pouco menos de que 3,5 milhões por ano, ou a da Associação de Turismo de Lisboa, cujos benefícios - quase 38 milhões de euros - têm vindo a subir de ano para ano e de onde sai dinheiro para a Web Summit: perto de 8,4 milhões de euros para as edições de 2019 e 2020.
Uma pedra no sapato chamada Web Summit
A Web Summit é, para alguns, uma pedra no sapato. PCP e Bloco de Esquerda são, desde a primeira hora, contra as subvenções destinadas ao evento.
O vereador João Ferreira, também eurodeputado e agora candidato à presidência da câmara de Lisboa, acredita que "a intervenção dos eleitos do PCP" tem sido no sentido de fazer "uma avaliação das propostas de acordo com a sua pertinência, relevância e benefício que trarão para quem vive e trabalha em Lisboa, procurando defender o direito à cidade para todos. Essa é a razão pela qual nos opusemos aos apoios muitíssimo vultuosos atribuídos à Web Summit ou outros eventos de natureza semelhante, organizados por entidades multinacionais, com fins lucrativos".
Esta é também a posição do Bloco de Esquerda, que "tem analisado sempre os apoios caso a caso", como assegura Manuel Grilo, vereador com o pelouro dos Direitos Sociais e da Educação. "No caso do Web Summit, desde a primeira hora que o Bloco se posicionou publicamente contra o apoio a esta iniciativa".
As coisas não são muito diferentes em relação à Moda Lisboa (cujos valores não incluímos na soma das artes e espetáculos). Teresa Leal Coelho congratula-se por "finalmente, ao fim de três anos de braço-de-ferro com a CML", terem "exigido à Moda Lisboa toda a documentação de suporte do subsídio de 700 mil euros/ano. Há 20 anos que a Moda Lisboa é financiada pela câmara de Lisboa e, na minha perspetiva filosófico-política do uso de dinheiros públicos, devia ganhar autonomia. Não estou a dizer que a câmara não dê apoios, mas o projecto tem de ter outras fontes de financiamento, como se faz em todo o mundo. Já é crescida para isso".
Só nestes três anos a Moda Lisboa recebeu mais de 2 milhões de euros. No protocolo celebrado com a câmara, como acontece com outras organizações, "o município de Lisboa compromete-se a ceder gratuitamente o local, garantir os licenciamentos camarários necessários, dar apoio da Polícia Municipal e do Regimento de Sapadores Bombeiros, apoio dos serviços eletromecânicos municipais, ceder grades e baias necessárias, plantas decorativas, recolher os lixos, proceder à impressão de materiais gráficos na imprensa municipal, apoiar a comunicação e a promoção do evento, nomeadamente com a cedência gratuita dos meios de divulgação de que a CML possui: mupis, Agenda Cultural, sites institucionais".
Da Moda Lisboa, Manuela Oliveira, communication manager, assegura que "todas as edições - vai na 56.ª - é entregue à câmara um relatório referente à edição anterior e, normalmente, com uma antecipação do que será a edição seguinte. Este ano foi pedido também um estudo de impacto económico, que está a ser elaborado pela câmara".
O relatório habitualmente entregue "tem vários indicadores, como o retorno mediático, por exemplo. Uma das nossas principais missões é promover a moda de autor, por isso medimos o retorno em comunicação. Depois há o número de convidados, o número de jornalistas presentes, contactos feitos, etc.", explica a responsável.
O impacto para a cidade de Lisboa não sabem. Este ano o evento, como outros, foi digital, por isso aberto a todos pela primeira vez. Manuela Oliveira confirma que a CML se compromete com uma série de ajudas, "sempre mediante a sua possibilidade". Ou seja, "quando tem disponibilidade, a gráfica municipal imprime conteúdos e materiais gráficos, mas nas últimas duas edições, por causa da pandemia, nem entregámos materiais impressos. Essas coisas não se aplicam literalmente a todas as edições", explica. "Mas este também é um evento da câmara".
A Moda Lisboa tem "uma estrutura fixa de nove pessoas o ano inteiro", mas para "um evento físico envolve cerca de 600 pessoas, o que implica a coordenação de várias equipas". É associação desde 1996 - o que lhe dá benefícios, entre outros, fiscais -, e "há anos" que tenta "outros financiamentos". "O objetivo é que 70% do investimento seja privado e 30% da CML, a questão é que o último ano foi difícil e nos anteriores não tem sido fácil arranjar patrocínios. Trabalhamos com um coletivo de designers que depende da Moda Lisboa para apresentar uma coleção, têm sido centenas de nomes ao longo dos anos, e não têm estrutura para fazer isto sozinhos", conclui.
Nem todas as subvenções são elevadas, os valores variam entre menos de cinco mil euros e os vários milhões. O valor médio é superior a 100 mil euros/ano. É nesta fasquia que se encontra, por exemplo, a PORPAV - Associação da Calçada Portuguesa. O site não tem praticamente mais informação além de quem são os associados, data de constituição e contacto.
Na sede, o telefone é atendido por António Prôa, ex-deputado do PSD à Assembleia da República e atual deputado municipal, além de secretário-geral da associação. Diz-nos que as informações devem ser pedidas à câmara de Lisboa, que é quem preside à PORPAV.
Pelo caminho, vai dizendo que a associação "tem como objetivo a valorização da calçada portuguesa" e, "em concreto, apresentou em março a proposta de inscrição da "Arte e Saber-Fazer da Calçada Portuguesa" no Inventário Nacional de Património Cultural" e "de seguida tem o compromisso com a CML de preparar a candidatura a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO".
Concorda que a informação prestada no site é insuficiente: "O site ainda não está pronto. O que optámos por fazer, apenas com o intuito de podermos ser contactáveis, foi ter uma presença minimalista, digamos assim. A associação tem uma estrutura muito reduzida, recursos muito limitados e esteve e está focada na preparação da candidatura, a primeira originária de Lisboa na DGPC [Direção-Geral do Património Cultural]. A prazo as prioridades têm de se alterar, porque a atenção que a calçada tem merecido leva a que haja curiosidade e procura de mais informações e sentimos que temos obrigação de melhorar" nesse aspeto.
António Prôa diz que "um dos nossos objetivos é precisamente recuperar os calceteiros, porque se não tivermos gente, esta arte, que é parte tão importante da nossa identidade, perde-se", acrescentando que "a importância da calçada portuguesa para Lisboa e para o país tem sido desvalorizada". "A candidatura não dá dinheiro diretamente, mas a nossa expectativa é que possamos por via desta dignificação da calçada conseguir reunir interesse de entidades que tenham recursos financeiros que possam ajudar-nos a cumprir os objetivos que temos com esta candidatura, que está disponível no site da DGPC".
Entre as subvenções da CML há financiamentos para tudo, de associações de antigos alunos a pessoas com deficiência ou necessidades especiais, passando pela realização de festivais ou apoio de artistas, bombeiros, pagamento de expropriações, defesa do ambiente e animais até cobertura de despesas com material escolar e educação.
Na área do ensino artístico, por exemplo, está um dos projetos mais caros e inovadores da Europa: a Associação Música, Educação e Cultura - O Sentido dos Sons. Com a marca Metropolitana, recebe perto de 1,3 milhões por ano e uma parcela muito mais insignificante de quatro outros municípios promotores - Caldas da Rainha, Lourinhã, Montijo e Setúbal - no âmbito do ensino integrado e de onde emanam uma série de orquestras.
A associação "gere uma orquestra profissional, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, e três escolas de música nos diferentes níveis e ensino: Academia Nacional Superior de Orquestra, ensino superior, Escola Profissional Metropolitana, ensino profissional, e Conservatório de Música da Metropolitana. Coexistem na mesma sede, junto à antiga FIL", detalha Miguel Manta, responsável pelo departamento de relações públicas e comunicação.
O projeto tem ainda mais uma série de fundadores, todos públicos: Presidência do Conselho de Ministros, Ministério da Cultura, Ministério da Educação, Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, secretaria de Estado do Turismo/Turismo de Portugal e secretaria de Estado da Juventude e do Desporto.
Embora sem fins lucrativos, "a operação é positiva", afirma Miguel Manta. A receita vem dos alunos e da atividade profissional das orquestras, que atuam no país inteiro, mais de 500 concertos por ano entre todos os agrupamentos. Representa 350 alunos, 130 professores e 30 administrativos.
10 milhões imputados à Covid-19
João Ferreira diz que o PCP tem "defendido uma política para a cidade que tem na cultura, no ambiente, na intervenção social, na educação e no desporto pontos essenciais, defendendo uma abordagem apoiada na intervenção do movimento associativo de base popular, as associações e coletividades da cidade, ajudando a dar corpo a um modelo de gestão participada, que envolva a população".
Apesar de considerar que "o município está dotado de instrumentos que lhe permitem a atribuição de apoios de forma clara e com critérios", admite que é "necessário reforçar a intervenção nalgumas áreas", como as "da intervenção social, da cultura, do ambiente, da educação e do desporto. Este investimento, a par da relação que a câmara estabelece com o movimento associativo nestas frentes, deve ser estável e previsível, evitando abordagens casuísticas e circunstanciais e exigindo um trabalho consolidado e continuado que, nomeadamente em situações como a que vivemos atualmente, esteja capaz de dar a resposta pretendida nas diferentes áreas". "Isto nem sempre tem sucedido", consente.
Manuel Grilo também diz que "os apoios e investimento público devem ser adaptados ao contexto e à necessidade da cidade. Foi o caso da resposta social durante a pandemia, que teve um investimento significativo para responder a uma das maiores crises sociais da cidade. Foram dados apoios diretos a centenas de associações que prestam serviços sociais pela cidade. No caso do apoio alimentar, são dezenas de associações financiadas pela CML, assim como restaurantes, que no pico das necessidades distribuíam 10 mil refeições por dia".
E recorda que "em 2019 foi aprovado o Plano Municipal para a área das pessoas em situação de sem-abrigo, que lançou o maior investimento de sempre na área, com cerca de 15 milhões de euros para uma resposta integrada. Este investimento foi reforçado também pelos equipamentos de acolhimento de emergência que a CML abriu em março de 2020 e por onde passaram já mais de 800 pessoas".
O vereador poderá ter razão, mas, de acordo com os dados comunicados à IGF, no ano passado, por causa da pandemia, foram atribuídos 10,5 milhões no âmbito Covid-19, de um total declarado de quase 63 milhões de euros em subvenções — o valor mais baixo dos três anos analisados.
Ainda, e de acordo com os valores comunicados à IGF e o fim a que se destinam, o valor atribuído às marchas populares em 2018 (750 mil euros) é quase o mesmo que o destinado aos sem-abrigo em 2019 (769,5 mil euros). No ano passado, a verba destinada aos sem-abrigo foi 2,650 milhões de euros, o que leva Teresa Leal Coelho a questionar "a quantidade de coisas que era possível fazer com esse dinheiro".
Numa coisa esquerda e direita parecem estar de acordo: as competências da câmara, tal como uma boa parte das verbas de que dispõe, estão a passar para as empresas municipais, esvaziando a importância de vereadores e deputados municipais.
Margarida Bentes Penedo fala em "desorçamentação" e, mais uma vez, na "reduzida possibilidade de escrutínio". "Muitas coisas têm ido para as empresas municipais", diz, "toda a política de estacionamento e grande parte da política de mobilidade passou para a EMEL, como grande parte do policiamento de trânsito. Como a cultura passou para a EGEAC, com teatros e teatrinhos que não servem a ninguém, a única coisa que servem é para alimentar algumas bocas. Há vereadores sem pasta que não podem ter pasta e há vereadores com pasta que não mandam nada, já têm poucas competências. Chega a ser embaraçante".
O PCP, assegura João Ferreira, também "tem vindo a opor-se, em termos gerais, aos planos de atividades e consequente transferências de verbas para várias empresas municipais, ao abrigo de contratos de mandato, que têm contribuído para o esvaziamento das competências da autarquia, sem benefícios visíveis para a cidade, que não pudessem ser melhor alcançados por outra forma. Temos também denunciado e combatido a concessão de equipamentos a privados, a diminuição de direitos dos trabalhadores e o aumento da precariedade laboral".
A Câmara Municipal de Lisboa apresentou para 2020 um orçamento municipal de 1,3 mil milhões de euros (sensivelmente o mesmo que em 2019), apontando como prioridades a habitação, a mobilidade e as estratégias para o desenvolvimento de uma cidade sustentável, "de que é exemplo a Lisboa Capital Verde Europeia 2020". As receitas previsionais da câmara provêm, sobretudo, de impostos diretos (cerca de 346 milhões em IMI e IMT), taxas, multas e outras penalidades (97 milhões) e outras receitas correntes (principalmente vendas de bens e serviços: 140 milhões). No final do ano, a passivo estimado era de 381 milhões de euros. Para este ano, a CML prevê receitas de 900 milhões e uma despesa em subsídios no valor de quase 70 milhões de euros.
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