Em termos de ação ambiental, 'fiasco' pode ser a palavra que define 2024, marcado por temperaturas elevadas e grande número de eventos climáticos extremos - um deles as inundações recentes de Valência, Espanha, com um balanço, provisório, de 226 mortos - apesar dos alertas e dos discursos bem-intencionados nas várias reuniões internacionais sobre o clima e a natureza.

Em novembro, Cali, na Colômbia, recebeu a 16.ª conferência da ONU sobre biodiversidade, rodeada de grande expectativa porque era a primeira após a conferência de Montreal na qual o mundo concordou em proteger 30% do planeta até 2030. Terminou sem que os países chegassem a acordo sobre o financiamento do roteiro para deter a destruição da natureza.

Uma semana depois foi Baku, no Azerbaijão, a receber a 29.ª conferência da ONU sobre alterações climáticas (COP29), que anualmente tenta reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE), combater as alterações climáticas e promover a adaptação.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, como tem feito nos últimos anos, deixou alertas: “O nosso mundo está a ficar mais quente e mais perigoso. E isto não é uma questão de debate. É uma questão de facto. Acabámos de ter o dia mais quente, os meses mais quentes, os anos mais quentes e a década mais quente da história”.

A COP29 terminou sem que nada de substancial tivesse sido decidido e deixou todos descontentes. Os países mais desenvolvidos comprometeram-se em contribuir com 300 mil milhões de euros anuais para ajudar os países em desenvolvimento na transição energética e na adaptação às alterações climáticas.

E já este mês, outra conferência da ONU, sobre a luta contra a desertificação terminou em Riade, na Arábia Saudita, sem novidades de monta.

Ficaram os avisos de António Guterres, um 2024 que será o ano mais quente de sempre, o ano em que a humanidade consumiu mais petróleo, gás e carvão e estabeleceu um novo recorde de emissões de GEE, segundo estimativas de estudos científicos.

Em 2024, tempestades e chuvas torrenciais mataram centenas de pessoas nas Honduras, em Espanha ou no Chade, no Paquistão e na China.

Seca e incêndios assolaram o Equador e Moçambique, a capital da Coreia do Sul, Seul, bateu recordes de temperaturas, os oceanos continuaram a sobreaquecer, em Marrocos e na Índia morreram dezenas de pessoas devido a ondas de calor sem precedentes. E na tradicional peregrinação a Meca morreram quase 600 pessoas, a maioria devido ao calor.

Em julho, com o dia 21 a ser o mais quente alguma vez registado no mundo, o calor extremo provocou “impactos devastadores” em centenas de milhões de pessoas, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), que, em novembro já alertava que os dados até então indicavam que 2024 seria o ano mais quente alguma vez medido. “A humanidade está a incendiar o planeta”, comentava Guterres.

E ao longo do ano não faltaram estudos, alertas e avisos sobre o estado do planeta, desde especialistas a alertarem para as ameaças à saúde causadas pelas alterações climáticas, até à ONU a chamar a atenção para novos recordes de concentrações de GEE, passando por cientistas a avisarem que um terço das espécies de árvores pode extinguir-se, ou a concluírem que os sinais vitais da Terra se agravaram e que o mundo está “à beira de um desastre climático irreversível”.

O ano começou com manifestações de agricultores de vários países europeus, descontentes com as políticas de Bruxelas, que acusaram de impor medidas ambientais com altos custos em nome da “transição verde”.

O programa europeu de observação da Terra Copernicus anunciava o que já se suspeitava, que 2023 tinha sido o ano mais quente de sempre. Nove meses depois o mesmo programa revelava que o verão tinha sido o mais quente de sempre no mundo.

Em 09 de dezembro o programa Copernicus deu como certo que 2024 será o ano mais quente desde que há registos e o primeiro em que o aquecimento global irá ultrapassar 1,5 ºC acima dos valores médios da era pré-industrial, limite definido em 2015 no Acordo de Paris sobre redução de emissões de GEE como o ponto em que as alterações climáticas se tornam irreversíveis e com impactos globais devastadores.

Entre avisos e sinais sobre alterações climáticas, que são tema quase ignorado nas conferências mundiais, além de declarações genéricas e protocolares, o ano foi também marcado pela Cimeira do Futuro, realizada em setembro em Nova Iorque, na qual líderes mundiais adotaram três acordos a pensar nas gerações futuras.

Apesar do grande défice de aplicação efetiva no terreno de medidas de proteção da natureza, na área legislativa, 2024 viu a União Europeia aprovar a Lei de Restauro da Natureza e em Portugal foi formalizada a criação do Parque Natural Marinho do Algarve-Pedra do Valado e a atribuição do estatuto de área marinha protegida a 30% do mar dos Açores.