Investigador na área das migrações e autor de vários estudos e publicações sobre os portugueses que após o 25 de Abril de 1974 regressaram a Portugal oriundos das ex-colónias, Rui Pena Pires sublinha que era grande a tarefa do novo regime: criar um Estado social, que garantisse saúde, educação, habitação, proteção social e reformas para todos.

Portugal, que em 1974 tinha 8,7 milhões de habitantes, registava uma percentagem de analfabetos na ordem dos 28%, segundo o Censos de 1981, enquanto junto dos portugueses residentes nas ex-colónias esse valor era de seis por cento.

Com curso superior, os retornados eram quase o dobro (5%) dos residentes na antiga metrópole (2%).

“Os portugueses que iam para as colónias eram mais qualificados e foram esses que regressaram”, com mais qualificações para ocupar os vários cargos numa administração pública que estava a erguer-se.

A função pública em Angola e Moçambique tinha sido, aliás, o principal empregador dos colonos portugueses nesses países.

Quatro meses após a revolução, um decreto-lei promulgado por António de Spínola aumentava “substancialmente os vencimentos do funcionalismo público civil” e instituía, “com caráter de obrigatoriedade legal, o 13.º mês (subsídio de Natal)”, criava o subsídio de férias e regulava “em bases mais favoráveis a prestação de horas extraordinárias”, dando ainda os primeiros passos para a “institucionalização de um sistema de diuturnidades”, além de ajustar as pensões de aposentação.

Nesse diploma, o Estado estimava uma despesa acrescida de 5,6 mil milhões de escudos (759,4 milhões de euros em valores atuais) por ano com o pagamento dos seus funcionários.

Estas mudanças exigiam quem as concretizasse. “Era preciso processar vencimentos, pensões, subsídios. Havia contas para fazer, programas para realizar. E era preciso mão-de-obra para o fazer”, disse Rui Pena Pires, autor do livro “Os Retornados: Um Estudo Sociográfico”.

Paralelamente, era preciso responder à chegada de 471.427 retornados, segundo o Censos de 1981, oriundos sobretudo de Angola (290.504) e Moçambique (158.945).

Uma das medidas para a integração no mercado de trabalho português foi a criação do Quadro Geral de Adidos, que visava “a gestão do pessoal tornado excedentário após a descolonização”.

Foram integrados no Quadro Geral de Adidos 45.601 retornados, a maioria provenientes de Angola (26.943) e Moçambique (17.595), essencialmente nos anos de 1975 (50%), 1976 (30%) e 1977 (19%), segundo dados da Direção Geral da Administração Pública, citados por Rui Pena Pires.

O sociólogo, coordenador do Observatório da Emigração, refere ainda que o regresso destes portugueses também se fez sentir na criação de novas universidades, espalhadas pelo país.

Por outro lado, a vinda destas pessoas travou e até inverteu o envelhecimento da população portuguesa que se tinha registado na década anterior e tornou mais diversificada culturalmente a população, assim como a nível religioso, como no caso do número de muçulmanos, que duplicou em Portugal, ainda segundo o Censos de 1981.

Para Rui Pena Pires, que também veio para Portugal após o 25 de Abril, a integração dos retornados – designação que resultou da criação de um estatuto legal com vista à determinação de quem podia receber apoios do Estado português - foi facilitada pela instabilidade que o país vivia, em resultado da revolução e da queda do regime.

“Estava tudo em mudança. A vinda dos retornados era só mais uma. Existiam muitas lutas a serem travadas e os retornados estavam mais preocupados em refazer as suas vidas do que a organizarem-se. Por isso não existiram tumultos sociais”, disse.

O facto de a maioria destes portugueses ter nascido em Portugal e ter terra e família para regressar também facilitou esta integração.