“Desde há dois dias, quase ininterruptamente, nas freguesias do Capelo e Praia do Norte, a terra tem tremido, pondo em sobressalto as respetivas populações que, assustadas, abandonaram as suas casas, percorrendo as ruas com o emblema do Divino Espírito Santo a implorar a Misericórdia Divina”, relata O Telégrafo na edição de 28 de setembro de 1957.
O jornal, com sede na Horta, Faial, contava que no dia anterior, pelas 06:45, “essa ansiedade aumentou, ao ser avistado a 100 metros a nordeste dos ilhéus dos Capelinhos o mar em ebulição expelindo escórias que eram projetadas a alguns metros de altura”.
“O mar no ponto da erupção tem cerca de 50 braças de profundidade”, lia-se no matutino, acrescentando que “o facto, como era de prever, causou grande pânico na população daquelas freguesias e sobressalto na cidade e em toda a ilha”.
Segundo o jornal, “os baleeiros, que [estacionavam] no Comprido, e suas famílias, abandonaram imediatamente aquela estação”, enquanto a torre do farol “oscilava de uma forma assustadora”.
A erupção do vulcão dos Capelinhos começou a 27 de setembro de 1957 e, um ano depois, começou a perder força. A 24 de outubro de 1958 ocorreu a última emissão de lavas e o vulcão adormeceu.
“De 26 para 27 de setembro, todo o dia a terra tremeu”, conta Manuel Rodrigues Vargas, de 78 anos, que era “vizinho do vulcão”. O idoso recorda depois o momento em que “pararam os abalos de terra”, mas “uma mancha negra apareceu no mar”. Presumiu na ocasião que uma qualquer embarcação tivesse lavado os tanques, até que um colega o informou que estava “um vulcão a rebentar fora dos Capelinhos”, conta, revisitando as memórias desse dia. “O mar estava amarelo e a água a ferver e as explosões aumentavam cada vez mais”, diz. “Todos tínhamos medo”, relata o morador que, após as primeiras explosões, foi obrigado a ir “cinco semanas para a cidade mais a família” (Horta), para depois voltar a casa.
As explosões eram recorrentes, assim como os dias transformados em noite devido às cinzas vulcânicas. “Não se via nada verde, estava tudo negro”, diz, lembrando em particular a noite de 12 para 13 de maio de 1958, quando sentiu “o primeiro abalo de terra” e depois outro, mais outro e muitos outros.
Foram 450 nessa noite, na qual, diz-se, não se conseguia rezar um Pai Nosso completo que não fosse interrompido por um sismo.
Manuel Vargas prosseguiu a narrativa, quase atropelando as palavras na ânsia de que nada ficasse esquecido no acontecimento que mudou a ilha: “Eram casas a cair, cães a uivar, vacas a mugir”. “[Na fuga], houve um tremor de terra que abriu uma fenda no caminho, caímos para cima das hortênsias e uma camioneta ficou lá enterrada”, reviveu, recordando também uma ilha rodeada de barcos na eventualidade de ser necessária a sua evacuação. Parentes de Manuel Vargas “embarcaram” - o que, por estes lados, é sinónimo de emigrar -, mas quando o jovem tentou a sua sorte disseram-lhe: “Já não há mais vistos”.
Aida Silva, agora com 73 anos, reteve a imagem de uma explosão, “um cogumelo como se fosse a bomba atómica”, para reconhecer que “visto de noite era lindo”.
“A lava parecia um rio de ouro”, acrescentou Conceição Silveira. O vulcão surpreendeu-a quando tinha dez anos, com os quais se passeou nos Capelinhos sem medir perigos, mas a sentir medo quando a terra "dava de si".
A evacuação
Rui Coutinho, docente da Universidade dos Açores, conta que na sequência da erupção houve a evacuação de alguns lugares, tendo sido retiradas 1.712 pessoas e meio milhar de cabeças de gado, do Norte Pequeno, Canto e Capelo.
Num testemunho que recolheu de Norberto Fraião, à data da erupção funcionário da Federação de Municípios, é referido "que as areias eram o grande problema, porque destruíam as estradas e quando se acumulavam nos telhados faziam com que estes se abatessem".
Segundo o investigador, na noite de 12 para 13 de maio de 1958, quando ocorreram cerca de 450 eventos, o pároco da Praia do Norte “absolveu coletivamente os pecados do povo”, uma ação que “causou pânico generalizado”.
A 15 de maio de 1958 chegou à Horta o ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira, que anunciou “um exaustivo plano de recuperação e reconstrução”, ao mesmo tempo que continuou a doação de alimentos a vestuário, tendo ainda o cônsul dos Estados Unidos da América visitado os Açores nesse mês para “discutir a emigração para o país”.
Rui Coutinho adiantou que “cerca de 40% da população ativa emigrou do Faial em consequência da erupção”, estimando os “custos quantificáveis” da erupção em dois milhões de dólares americanos à data, o que seriam hoje 15,4 milhões de dólares.
Porém, “muitos outros custos indiretos ou não quantificados ficaram por contabilizar”, como a perda de receitas fiscais, de rendimentos, as verbas atribuídas à população para limpezas de vias e casas, entre outros, além dos “custos suportados pelos cidadãos”, seus familiares ou famílias de acolhimento.
Rui Coutinho salienta que é “absolutamente espantoso” que não tenha havido uma única vítima mortal num acontecimento que marcou os Açores e no qual considera que se destacaram duas personalidades: Frederico Machado, pelos contributos técnico-científicos”, e Freitas Pimentel, o governador civil responsável pela “gestão da crise”.
Vulcão dos Capelinhos deu terra nova a Portugal, mas resta apenas um quarto
A erupção do vulcão dos Capelinhos levou à acumulação de 174 milhões de metros cúbicos de material e acrescentou a Portugal 2,4 quilómetros quadrados de área, que a erosão reduziu a um quarto em 60 anos.
“A acumulação dos 174 milhões de metros cúbicos de material emitido levou à criação de uma paisagem única e com características muito específicas. O cone atingia uma altura de cerca de 160 metros e tinham sido acrescentados à ilha do Faial cerca de 2,4 quilómetros de área, as Terras Novas”, explicou à agência Lusa o diretor do parque natural da ilha, João Melo.
Segundo o diretor, “quando termina a erupção dos Capelinhos, termina o processo de construção de paisagem, iniciando-se, automaticamente, um processo de destruição” por agentes externos, como “o mar, o vento e as chuvas, que têm sido os principais responsáveis pela erosão deste cenário vulcânico”.
O vulcão, assinalou, está “numa zona na ponta oeste da ilha do Faial, onde é frequente haver ventos com mais de 100 quilómetros/hora” e “grande intensidade de chuva”, além de ser um território no mar.
“As taxas de erosão para a recente paisagem do vulcão dos Capelinhos foram extremamente elevadas nos anos que se seguiram à erupção, sendo este processo mais eficiente a oeste e chegando a atingir os 300 metros por ano para este quadrante em 1959”, exemplificou.
Já “entre 1976 e 1981, as taxas de erosão eram de cerca de seis metros/ano”, referiu, observando que foram extremamente elevadas nos anos que se seguiram à erupção, mas que tenderam a diminuir ao longo dos tempos.
“Esta diminuição nas taxas de erosão deve-se a diversos fatores, sendo dois deles mais evidentes. Em primeiro lugar, deste processo erosivo resulta a acumulação de materiais arrancados à paisagem, formando praias de calhau e de ‘areia’ [cinza] que cobrem as margens junto ao cone principal, atenuando, assim, o efeito das ondas junto à base da falésia e abrandando o processo erosivo”, declarou João Melo.
A isto acresce “o facto das cinzas vulcânicas se alterarem ao longo do tempo através de um processo denominado palagonitização, do qual resulta a sua compactação e, consequentemente, uma nova rocha, o tufo, mais resistente à erosão”, esclareceu.
João Melo informou que “nos últimos anos a erosão registada é de 1 a 1,5 metros/ano”, para concluir que, “da paisagem inicial formada por este vulcão, resta apenas 0,5654 quilómetros quadrados”.
“A intensidade da erosão tem vindo a reduzir-se e agora esperemos que ela seja tão lenta que ainda se consiga ter algum território [novo] durante muitos anos”, acrescentou.
Um ‘bunker’ da memória
Na ilha do Faial foi construído um centro de interpretação em forma de ‘bunker’, submerso nas cinzas expelidas na ocasião, que é hoje o mais visitado dos Açores.
“O centro, desenhado pelo arquiteto Nuno Ribeiro Lopes [hoje diretor regional da Cultura dos Açores], foi construído com duas principais preocupações: preservar a paisagem do vulcão e incluir o farol dos Capelinhos no processo expositivo”, afirmou à agência Lusa a coordenadora do centro, Salomé Meneses, geóloga de formação.
Cinzento, como a cor da erupção - que começou a 27 de setembro de 1957 e terminou a 24 de outubro de 1958 -, o centro tem um grande ‘hall’, onde um “cálice invertido” simboliza esta e todas as outras erupções que formaram as nove ilhas do arquipélago.
No chão, é visível o recorte do Faial e é no centro desta “ilha” – onde está o vulcão central da Caldeira - que se ergue o “cálice invertido”, representando uma coluna eruptiva.
A história da formação da Terra conta-se, depois, num filme de 12 minutos, que antecede a exposição temporária.
“Aqui temos três coleções de rochas e minerais, duas delas exclusivamente do vulcão e uma de rochas e minerais de todo o mundo”, explicou Salomé Meneses, adiantando que a primeira é originária do antigo núcleo museológico do vulcão.
A segunda coleção é do faroleiro Tomaz Pacheco da Rosa e a última do professor José Benarús, que inclui cerca de 2.600 exemplares de rochas e minerais de todo o mundo, referiu a responsável.
O visitante segue depois para a exposição interpretativa, que visa dar conhecer “o antes, o durante e o depois da erupção”, e pode descobrir os faróis do arquipélago, incluindo o dos Capelinhos e o da Ribeirinha (este último, também na ilha do Faial, encontra-se por reconstruir desde o sismo de 1998).
Há ainda uma animação holográfica da erupção dos Capelinhos, e painéis e maquetes que revelam “os diferentes comportamentos do vulcão”.
São mostradas as fases submarina, com a projeção de cinza e vapor de água, e terrestre do vulcão dos Capelinhos. Esta última foi caracterizada por períodos mais efusivos (escoadas lávicas) e explosivos (emissão de piroclastos).
“A fase terrestre foi precedida, na noite de 12 para 13 de maio de 1958, de cerca de 450 sismos de elevada intensidade, que destruíram mais de mil habitações e obrigaram à retirada de cinco mil pessoas das freguesias de Capelo e Praia do Norte”, afirmou Salomé Meneses.
Fotografias mostram depois os dois lados da mesma História: destruição de casas, tendas que albergam desalojados, bens espalhados ao longo de estradas, cientistas a recolher dados, crianças a brincarem nas cinzas do vulcão e a habitual curiosidade da população atraída pelo fenómeno.
“É o belo horrível como alguém descreveu”, realçou a coordenadora.
Na sala “Vulcões do mundo”, onde está documentada, entre outras, a última erupção nos Açores, a da Serreta (1998-2001), uma erupção submarina a cerca de nove quilómetros a norte da ilha Terceira.
Já na sala “Açores”, um documentário revela a formação das ilhas açorianas, e ecrãs, painéis e amostras de rochas exibem as particularidades geológicas de oito ilhas dos Açores, do Corvo a Santa Maria, com exceção do Faial.
“É uma história de oito milhões de anos, estando aqui retratados todos os exemplos do vulcanismo açoriano”, destacou.
Com a sala “Faial” termina a visita à área expositiva do Centro de Interpretação do Vulcão do Capelinhos, que custou cerca de sete milhões de euros, foi inaugurado em agosto de 2008 e já recebeu 230 mil visitantes.
A visita termina com a observação da paisagem e a possibilidade de subida ao farol, com 140 degraus.
Governo dos Açores vai limitar subidas diárias ao vulcão dos Capelinhos
O Governo dos Açores vai limitar as subidas diárias ao vulcão dos Capelinhos para preservar o património geológico e garantir a segurança dos visitantes, foi hoje anunciado.
“A partir do ano que vem vamos implementar uma portaria em que a subida ao vulcão dos Capelinhos será controlada pelo parque natural, à semelhança do que é no Pico. As pessoas vão ter que subir ao vulcão com visita acompanhada por um guia certificado, como sucede na caldeira do Faial”, disse à agência Lusa o diretor do parque natural da ilha, João Melo.
Segundo o responsável, “a capacidade de carga máxima de referência para o percurso é de 50 visitantes diários, podendo ser reduzida ou aumentada até 25%” em função do estado do trilho e das condições meteorológicas.
João Melo explicou que a medida se deve sobretudo à “estratégia de conservação do património, quer natural, quer geológico” da região, sendo que a preservação do património geológico passa muito pelo “controlo do visitante nas áreas nobres dos Açores”.
“Outra situação é a segurança das pessoas, que estão a subir a um território pouco consolidado, com arribas frágeis que podem facilmente cair e devem ser guiadas para fugir destes perigos”, destacou.
O diretor do Parque Natural do Faial adiantou que esta medida “irá permitir menos pisoteio, menos erosão”, ressalvando que tal “não significa estabilização completa daquele território”.
“Esta será, provavelmente, a medida que vamos conseguir implementar que melhorará a erosão, mas sobretudo melhorará o ‘saco’ que existe de material geológico dali que as pessoas trazem quando sobem”, frisou.
No combate à erosão, João Melo apontou também a recuperação da vegetação natural daquela zona, que o parque natural desenvolve, “mas que também não estabilizará de todo aquela área”.
“Na zona mais junto à estrada [que dá acesso ao Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos], a vegetação natural está toda a recuperar e isso, obviamente, vai estabilizar aquelas areias e aquele solo”, observou.
Contudo, “a terra nova que está mesmo próxima ao mar tem muita pouca capacidade de fixação de vegetação natural, porque são areias”, pelo que “a própria planta, ao estabilizar, leva com areia e acaba por secar e morrer”.
Centenas de sensores contribuem para vigilância sismovulcânica nos Açores
O Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA) recebe em permanência dados de centenas de sensores espalhados pelo arquipélago, que constituem as redes de monitorização sísmica, geodésica, geoquímica e meteorológica.
Associação privada sem fins lucrativos, que em 2018 completa dez anos de existência, o CIVISA tem dois associados, a região autónoma e a Universidade dos Açores, em cujo polo de Ponta Delgada está instalada a sua sede e o seu centro de operações de emergência.
À agência Lusa, a presidente da direção do CIVISA, Teresa Ferreira, explicou hoje que este centro foi desenhado “para poder gerir todas as situações relacionadas com eventos naturais que podem ter consequências adversas para a população dos Açores”.
“Esses eventos podem ser de naturezas distintas, eventos sísmicos, vulcânicos, movimentos de vertente, emissões gasosas e, como tal, é uma sala que está equipada para se poder não só analisar a informação que é gerada por todas as redes de monitorização, e adquirida também por outros tipos de monitorização que vamos fazendo”, afirmou Teresa Ferreira.
O espaço também permite ter vários tipos de sistemas de comunicação com a Proteção Civil e para poder manter contacto com as autoridades e entidades governamentais.
A presidente do CIVISA adiantou que o arquipélago dos Açores está localizado numa região do Atlântico “propícia a ser frequentemente afetada por eventos de origem natural que podem, se tiverem magnitudes significativas, causar danos”.
“Porque estamos próximos e sobre, nalguns casos, uma zona de fronteira de placas tectónicas, obviamente que logo o primeiro tipo de evento natural que nos pode afetar é a atividade sísmica”, adiantou, referindo que os Açores estão igualmente “numa região oceânica anómala do ponto de vista de produção magmática”, pelo que, ocasionalmente, são “afetados por erupções vulcânicas”.
Acresce que o arquipélago está numa região “onde se faz uma transição na circulação de massas de ar quentes e frias”, sendo que, por vezes, é afetado “por eventos meteorológicos extremos que podem desencadear movimentos de vertente” e cheias rápidas, realçou.
“Nesse sentido, utilizamos uma rede meteorológica constituída por estações do CIVISA e do Governo Regional, não destinada a fazer previsão, mas uma rede que nos fornece dados principalmente sobre a quantidade de precipitação que ocorre e as condições nas quais essa precipitação pode vir a desencadear movimentos de vertente”, informou a docente universitária, explicando que este “é um dos perigos que mais frequentemente atingem as ilhas do arquipélago e que podem colocar as populações em risco”.
As nove ilhas dos Açores são de origem vulcânica. Existem no arquipélago 26 vulcões e sistemas vulcânicos ativos, oito dos quais submarinos. Santa Maria é a única ilha que não tem vulcões ou sistemas vulcânicos ativos.
Um vulcão ou sistema vulcânico ativo é aquele que tem potencial para entrar em erupção” ou que registou atividade nos últimos dez mil anos. “Atualmente está tudo sereno, não podemos dizer o que vai acontecer amanhã, porque não sabemos”, referiu Teresa Ferreira, quando questionada sobre se algum indicia entrar em atividade. A responsável salientou que “a ocorrência de um sismo não pode ser prevista, contudo em períodos de instabilidade sísmica pode ter-se uma atitude preventiva suplementar àquela” usada no dia a dia.
Alguns dos sismos mais significativos nos Açores, observou, ocorreram exatamente durante períodos das designadas crises sísmicas.
“Sempre que existe atividade sísmica que sai fora dos padrões normais e se essa se localiza próxima da linha da costa e, principalmente, no interior das ilhas - por isso, quer dizer que os epicentros são muito próximos de núcleos habitacionais -, emitimos comunicados à Proteção Civil, porque aí basta um sismo com uma magnitude ligeiramente superior para poder vir a ser sentido pela população ou para poder vir a ter alguns danos”, assinalou.
Quanto às erupções vulcânicas, “a instabilidade no edifício vulcânico pode ser colocada em evidência através da monitorização da sismicidade local ou da deformação crustal ou até da alteração de parâmetros químicos nas nascentes ou nas águas e nas emissões gasosas”.
As redes de monitorização podem dar a indicação de que algo está em mudança, pelo que autoridades e população podem ser alertadas para a ocorrência de uma eventual erupção para serem tomadas medidas preventivas.
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