Esta manhã, as redes sociais “ferveram” por causa de um vídeo que mostrava os funcionários da Câmara de Lisboa (CML) a lavar a Avenida Almirante Reis, numa parte onde habitam vários cidadãos em situação de sem-abrigo.

As imagens mostram os passeios a serem lavados e as tendas a serem removidas, levando os internautas a acusar a CML de “limpeza da cidade”, retirando os sem-abrigo dos espaços onde vivem e deitando fora as tendas onde dormem.

Episódio que me fez lembrar uma situação parecida em Timor-Leste. Cada vez que a capital timorense era visitada por alguém importante, a estrada que liga o aeroporto Nicolau Lobato ao centro da cidade, pela Avenida de Portugal, era completamente limpa, recebendo inclusive, um “banho” de alcatrão.

Houve um ano, o último da presença da ONU no país, que aquela avenida foi alcatroada tantas vezes quanto o número de visitantes. Foi com a Hilary Clinton, enquanto secretária de Estado dos EUA, foi com Cavaco Silva, enquanto presidente da República Portuguesa, foi com Ban Ki-moon, então secretário-geral da ONU… A “limpeza” acontecia sempre que alguém importante aparecia. Não falhava, e incluía os “tiga-rodas” (vendedores ambulantes) que eram expulsos daquela zona, ficando proibidos de vender naquele trajeto durante as respetivas visitas.

Por cá, não se alcatroam estradas, sempre que alguém importante visita o país (penso), nem se esconde situações de pobreza (penso, parte II). Mas, pelo sim, pelo não, alguns partidos indagaram a autarquia sobre o que estava a passar-se. O Bloco e o PAN chegaram mesmo a questionar Carlos Moedas sobre se a ação estaria relacionada com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e a visita do Papa.

A Autarquia respondeu que a limpeza nada tem a ver com a visita do Papa, nem com a JMJ, tratando-se de "uma confusão que fizeram de forma errada".

"O que aconteceu hoje na Avenida Almirante Reis, acontece diariamente em outros locais vulneráveis da cidade e está relacionado com uma intervenção municipal de apoio à saúde pública que é feita e levada a cabo por um conjunto de várias ações concertadas entre os vários serviços municipais", esclareceu ao SAPO24, Sofia Athayde, vereadora responsável pelo Plano Municipal para as Pessoas em situação de Sem-Abrigo da autarquia.

Este tipo de ações vão continuar a acontecer no futuro, e nada têm a ver com eventos relacionados com a Jornada Mundial da Juventude sendo esta "uma confusão que fizeram de forma errada", disse a vereadora.

Américo Nave, da Associação Crescer, que se dedica à inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade reconhece que "estas ações acontecem há mais de 15 anos na cidade. São programadas e o objetivo é a limpeza da rua".

"O problema destas pessoas é a habitação que é um direito, não são limpezas de rua. Estas pessoas não deviam sequer estar ali", referiu o diretor da Associação.

"As pessoas que querem ser acolhidas são acolhidas, as pessoas que se querem manter nas suas tendas podem ficar nas suas tendas, sendo que este trabalho sempre foi feito assim, com o objetivo de acolher, integrar e compreender que todas as pessoas devem ter o apoio destas equipas", disse a vereadora.

As ruas de Lisboa continuam, portanto, a ser lavadas como habitual. Os sem-abrigo continuam a viver na rua e os buracos das estradas…