POSFÁCIO

Terá a Ucrânia direito à existência como Estado soberano?

A Ucrânia é o segundo país com maior área do continente europeu depois da Rússia, com a qual tem fronteira a Leste e a Nordeste. É vizinha também, a norte, da Bielorrússia; da Polónia, da Eslováquia e da Hungria, a Oeste; da Roménia e da Moldávia a Sul. Tem uma costa ao longo dos mares de Azov e Negro. 

O seu território abrange uma área de 603 628 quilómetros quadrados. Em 2022, segundo dados do Serviço Estatal de Estatística, a Ucrânia tinha 41 167 336 habitantes, o que faz dela o oitavo país mais populoso da Europa. 

Do ponto de vista étnico, os ucranianos fazem parte do grupo de eslavos orientais, que inclui também os bielorrussos e os russos. Com raízes comuns, a situação evoluiu para a formação de três povos diferentes.

Mas há uma pergunta a que importa responder neste momento, após a nossa excursão pelo passado histórico da Ucrânia: terá ela direito ou não a existir enquanto Estado soberano?

O presidente russo, Vladimir Putin, e os nacionalistas russos colocam vários entraves à existência de uma Ucrânia soberana e independente. Por exemplo, num artigo publicado na imprensa russa a 12 de Julho de 2021, o estadista russo escreveu: «Recentemente, ao responder no programa “Linha Directa” à pergunta sobre as relações russo-ucranianas, disse que russos e ucranianos são um povo, um todo único. Estas palavras não são um tributo à conjuntura, às circunstâncias políticas actuais. Falei disso várias vezes, é minha convicção.»

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia e por Elisa Baltazar, co-fundadora do projeto de escrita "O Primeiro Capítulo”.

Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar à leitura e à discussão à volta dos livros. Já folheámos as páginas de livros de autores como Luís Sepúlveda, George Orwell, José Saramago, Dulce Maria Cardoso, Harper Lee, Valter Hugo Mãe, Gabriel García Marquez, Vladimir Nabokov, Afonso Reis Cabral, Philip Roth, Chimamanda Ngozi Adichie, Jonathan Franzen, Isabel Lucas, Milan Kundera, Joan Didion, Eça de Queiroz e Patricia Highsmith, sempre com a presença de convidados especiais que nos ajudam à discussão, interpretação, troca de ideias e, sobretudo, proporcionam boas conversas.

Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

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E explica: «Tanto os russos como os ucranianos e os bielorrussos são herdeiros da Antiga Rus, que foi o maior Estado da Europa. Num enorme espaço: do Ladoga, Novgorod, Pskov, até Kyiv e Chernihiv, os eslavos e outras tribos estavam unidos por uma língua (que hoje se chama russo antigo), por laços económicos, pelo poder dos príncipes da dinastia dos Ryurikovitch. E, depois do baptismo da Rus, por uma fé ortodoxa.» 

Dando voltas à História a seu bel-prazer, o líder russo atribui as culpas aos bolcheviques/comunistas que criaram a URSS e àqueles que puseram fim a esse império. «Em 1922, quando da criação da URSS, depois de uma discussão bastante acesa entre os dirigentes bolcheviques, foi executado o plano leninista de formação de uma união de Estados como federação de repúblicas iguais. No texto da Declaração sobre a formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e, depois, na Constituição da URSS de 1924, foi introduzido o direito de as repúblicas poderem sair livremente da União. Desse modo, na base do nosso Estado foi colocada a mais perigosa “mina de explosão retardada”. Ela rebentou logo que se retirou a cavilha de segurança, sob a forma do papel dirigente do PCUS, que acabou por ruir a partir de dentro. A 8 de Dezembro de 1991, foi assinado o chamado Acordo de Belovejsk sobre a criação da Comunidade dos Estados Independentes, onde está escrito que “A URSS, enquanto sujeito do Direito Internacional e realidade geopolítica, deixa de existir”.» 

Se olharmos para a História da Europa ou de outro continente, podemos rapidamente encontrar exemplos que revelam quão falsa é a tese de Vladimir Putin.

Mas para que não restem dúvidas, recorremos a um compêndio de História da Ucrânia, publicado em 2015 por «conhecidos historiadores russos, membros da comissão russo-ucraniana».

No primeiro capítulo, o professor Igor Danilevsky escreve: «Primeiro, nenhum dos actuais Estados existentes é herdeiro directo das uniões estatais (ou pré-estatais) que existiam no passado longínquo. Segundo, a maioria das etnias actualmente existentes não tem uma só uma tribo progenitora, um povo antepassado. Todos os povos modernos resultaram de uma interacção complexa de portadores de traços antropológicos, línguas e culturas. Terceiro, nenhuma das culturas actualmente existentes tem uma origem única. Todas elas são resultado da interacção e da mudança de várias tradições culturais. Finalmente, quarto, a formação dos povos que actualmente habitam o território da Europa Oriental começou há relativamente pouco tempo: nunca antes de finais do século XV. Até então, entre os seus antepassados não existia uma unidade propriamente étnica.

Tudo isto diz respeito tanto aos actuais República da Ucrânia, ucranianos e língua ucraniana, como à Federação da Rússia, russos e cultura russa, ou a qualquer outro Estado, povo, cultura.»  

Livro: "A Mais Breve História da Ucrânia"

Autor: José Milhazes e Vladimir Dolin

Editora: D. Quixote

Data de Lançamento: 26 de setembro de 2023

Preço: € 19,90

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No dia 24 de Fevereiro de 2022, Vladimir Putin tentou levar as suas agressivas ideias à prática ao invadir o território de um país soberano. Pôs fim a um capítulo da História iniciada nos finais da Segunda Guerra Mundial, caracterizado pelo mais longo período de paz no Velho Continente, e inaugurou a destruição do sistema de relações internacionais baseado na Carta da Organização das Nações Unidas. 

Os seus propósitos iniciais falharam em toda a linha: não conseguiu conquistar a Ucrânia e mudar a direcção política deste país por políticos mais obedientes; a invasão bárbara não só foi recebida com uma coragem e resistência dos ucranianos inéditas, mas foi decisiva também para cimentar, reforçar a identidade nacional ucraniana.

Passado este tempo de guerra, ninguém põe em causa que a Ucrânia existe enquanto país e os ucranianos enquanto povo. 

Vladimir Putin enganou-se igualmente em relação à reacção às violações russas das mais elementares regras de Direito Internacional. Fortaleceu a Aliança Atlântica e a União Europeia e provocou o oposto que esperava, o alargamento da NATO a novos membros, como a Finlândia.

Alguns portugueses podem considerar que se trata de um conflito longínquo, outros até vão ao ponto de apoiar as acções dos agressores, mas para nós não restam dúvidas de que a Ucrânia é a primeira trincheira da Europa, merecendo por isso todo o nosso auxílio. 

Durante longos anos, a História da Ucrânia foi considerada parte da História da Rússia. Com este livro quisemos demonstrar que a Ucrânia é um país com uma identidade própria.