As viagens ao espaço são cada vez mais frequentes e o turismo espacial tornou-se uma questão. Moriba Jah, engenheiro e ecologista espacial, defendeu, numa cimeira na ilha Terceira, nos Açores, onde o SAPO24 esteve presente, que uma solução para o lixo espacial depende de pararmos de pensar que somos "independentes uns dos outros".
"Esquecemo-nos da interconexão entre todas as coisas": a terra, o ar, os oceanos, mas também o espaço. "Conforme exploramos, conforme andamos com as nossas vidas, esquecemo-nos da interconexão entre todos os sistemas", defende Moriba Jah, explicando que a mãe natureza está a dar feedback das consequências não intencionais do ser humano, "indiscutivelmente" a caminhar para a sua autoextinção.
"Enquanto a maioria das pessoas está distraída com o que está a acontecer aqui na superfície da Terra, o que não vê é o que está a acontecer no espaço", diz Moriba. E o que está a acontecer é que há cada vez mais objetos a navegar em detrimento do ambiente espacial. "Também estamos a perder os nossos céus. Os céus escuros e silenciosos estão muito menos escuros e silenciosos", explica o professor de engenharia na Universidade do Texas em Austin.
"Porque é que nos devemos preocupar com esses robôs no céu a que chamamos satélites?". Segundo o engenheiro, o que acontece no espaço influencia em grande medida o que acontece na terra, a tal ponto que "sabemos mais sobre o planeta Terra por causa desses robôs no céu que chamamos de satélites, do que por qualquer outro meio de informação".
"Nós agora temos internet do espaço. As transações financeiras também passam por infraestruturas baseadas no espaço", explica Moriba. "Imaginem perder o GPS, que governa tudo desde o tráfego aéreo a como chegamos de um ponto a outro, como monitorizamos diferentes partes da economia, coisas que nos mantêm conectados uns aos outros em todo o mundo, como comunicamos diariamente".
É neste contexto que surge a aplicação Wayfinder, desenvolvida na Universidade do Texas, e transferida para a empresa de rastreio de lixo espacial Privateer. Moriba Jah, co-fundador juntamente com Steve Wozniak e Alex Fielding, explica que a aplicação permite ver todos os objetos humanos que orbitam a terra. Os pontos azuis representam os objetos que funcionam, e tudo o resto é lixo.
A aplicação mostra que o espaço está cada vez mais congestionado. Para o ecologista, não é possível adotar um comportamento sustentável no espaço quando nem sequer existe um sistema global que ajude a coordenar e planear quando e como devem ser feitos os lançamentos. "Mais uma vez, é a ideia da independência. Não é honrar e respeitar a interconectividade, nem reconhecer que precisamos de administrar holisticamente este ecossistema delicado".
"A coisa mais pequena que estamos a rastrear é do tamanho de um telemóvel", explicou Moriba Jah enquanto projetava a imagem dos pontos que representam objetos em funcionamento ou avariados, e pedaços de lixo, bem como as suas velocidades relativas. "Se um telemóvel está a viajar 15 vezes a sua velocidade em relação a outra coisa, se colidirem, é cataclísmico".
Numa conferência com o mote "O que se segue?" ("What's next?"), Moriba Jah deixa claro que ainda há muito a fazer no futuro. "Uma das coisas que também estamos a pesquisar é como é que podemos caraterizar melhor os objetos no espaço", explicou, dando o exemplo de um satélite avariado a cerca de 800 quilómetros de altitude, que está a cair, e cujo tamanho e forma não são visíveis. O objetivo é criar assinaturas biométricas desses objetos, que ou são muito pequenos, ou estão muito longe, ou "até mesmo desenvolver a primeira taxonomia ou esquema de classificação".
No que toca à prevenção da poluição, um aspeto essencial é o da reciclagem. "A minha proposta é que o governo instaure o desenvolvimento de uma economia espacial circular que incentive a indústria a projetar satélites que não sejam descartáveis, mas recicláveis e reutilizáveis". Isso já acontece nos veículos de lançamento, mas não nos satélites - que Moriba Jah acredita serem o próximo passo. "E para o que tem de ser de uso único, devemos analisar o que significa um descarte responsável ao invés de abandono, que levou a muitas das fotos que vemos de coisas a cair de volta na terra e a colidir em zonas muito próximas de populações", acrescenta.
No que toca à limpeza do espaço, Moriba Jah refere algumas empresas que já têm tecnologias para remover o lixo do espaço, sendo que a ClearSpace será lançada em 2025 com esse objetivo. No entanto, o próprio admite que ainda não é uma indústria monetizável. O engenheiro acredita que o governo precisa de intervir no espaço da mesma forma que intervém na Terra com, por exemplo, leis para salvar os oceanos. "Precisamos de leis de salvamento no espaço para que as pessoas possam realmente fazer dinheiro, porque no final de contas, é isso que vai levar as pessoas além do altruísmo".
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel
** O Sapo24 foi a convite da Expanding World
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