Uma pequena sala na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, juntou hoje algumas dezenas de pessoas para ouvir um grupo de especialistas falar de abstenção em Portugal, que vão, até outubro, preparar um estudo com propostas concretas a apresentar na iniciativa Portugal Talks, encontro bienal que alterna com as Conferências do Estoril, uma organização da Câmara de Cascais.
O diagnóstico está feito e aponta para um crescente número de abstencionistas em Portugal, acompanhando uma tendência europeia.
Nuno Garoupa, professor de Direito na George Mason University Antonin Scalia School of Law, nos Estados Unidos e do conselho científico da Portugal Talks, tem números e disse que, à custa da abstenção, a Assembleia da República representa menos 850 mil eleitores em 2015 do que há 20 anos.
Outros números avançados por Garoupa apontam para a perda de um milhão de eleitores entre as eleições presidenciais de 1996 e as de 2016 ou ainda de meio milhão de eleitores entre as legislativas de 1995 e as de 2015.
E nesses 20 anos, de 1995 a 2015, os três principais partidos perderam 1,3 milhões de eleitores, havendo ainda um crescimento de 100 mil para os votos brancos e nulos, um crescimento para o Bloco de Esquerda e PCP.
As soluções podem ser mais complexas e radicais, como introduzir o voto obrigatório, que impõe uma mudança na Constituição, como sublinhou a constitucionalista Catarina Santos, ou outras mais simples, como agilizar o voto antecipado, voto eletrónico de modo a incentivar as pessoas a ir às urnas.
O voto obrigatório é contestado pela socióloga Marina Costa Lobo, do socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, dado que atira para a “sociedade civil”, que “é fraca”, “o ónus da responsabilidade” quando ela deveria caber também “à oferta” dos partidos.
Ou seja, além da clareza exigida às propostas que levam a legislativas, Marina Costa Lobo defendeu uma reforma do sistema eleitoral de forma a permitir ao eleitor escolher o partido e também o deputado, através, por exemplo, das listas abertas ou ordenando a sua preferência nas listas.
Se o estudo a ser apresentado no encontro de outubro, em Cascais, da Portugal Talks, servir para “pressionar os partidos” a introduzir mudanças, “pequenas que sejam”, então já valeu a pena, afirmou Marina Costa Lobo que há anos defende a reforma do sistema eleitoral.
Pedro Magalhães, sociólogo do ICS e um especialista em sondagens eleitorais, deu o exemplo da Noruega, onde participou numa conferência há pouco tempos, dias antes de umas eleições.
Na universidade onde foi falar, havia um contentor “com bom aspeto” e filas de jovens universitários, assim como viu outro desses contentores o centro de Oslo com filas de pessoas para votar nas eleições que se prolongaram por dois dias.
Apesar de não ser explicável apenas por esta estratégia, e haver outros motivos, a abstenção nessas eleições foi de apenas 20%.
“Qualquer medida que traga de pessoas [às urnas] é boa”, disse.
Pedro Magalhães alertou ainda para o crescimento do sentimento anti-política entre os jovens, por exemplo, uma tónica comum a todos os intervenientes do debate.
A ideia de que muitas decisões são tomadas pela União Europeia, ou a crescente importância de órgãos não eleitos, como reguladores ou bancos centrais em decisões do dia a dia, faz com que os eleitores tenham "a sensação que o voto não é tão útil" como antes, afirmou Pedro Magalhães.
A Holanda é o país da União Europeia onde cresceu a participação eleitoral, mas também onde cresceu um partido de extrema-direita, o Partido da Liberdade, o que leva Pedro Magalhães a alertar que quando há uma "melhoria da oferta política pode agradar a toda a gente".
O Portugal Talks é uma iniciativa do Estoril Institute for Global Dialogue, encarregado da coordenação científica e programática das Conferências do Estoril.
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